A deriva como fator de custo na agricultura moderna
Por Marco Antonio Gandolfo, CEO do Instituto Dashen de Pesquisa Agronômica e parceiro da Iniciativa 2,4-D e Eder Dias de Moraes, doutorando e pesquisador do Instituto Dashen de Pesquisa Agronômica
Os fungicidas benzimidazóis, grupo do qual fazem parte o carbendazim e o tiofanato metílico, durante muito tempo foram utilizados para controle das principais doenças fúngicas que ocorrem em citros, tais como podridão floral, mancha preta, verrugose, melanose e podridão peduncular.
No entanto, em janeiro de 2012 os EUA proibiram o desembarque de navios contendo suco cítrico brasileiro que apresentava resíduos de carbendazim acima do permitido (≤ 10ppb). Desse modo, a indústria brasileira suspendeu, em fevereiro de 2012, as exportações de suco de laranja concentrado e congelado ao mercado americano.
De janeiro a março de 2012, um total de 14 carregamentos provenientes do Brasil, 12 do Canadá e um da República Dominicana foram rechaçados pelo mesmo motivo, de acordo com dados do U.S. Food & Drug Administration em 1º de março de do mesmo ano.
Como consequência ao ocorrido, os benzimidazóis foram retirados da lista de defensivos da produção integrada de citros e os agricultores ficaram com a seguinte pergunta: como controlar estas doenças na ausência dos benzimidazóis?
Para a indústria química, o caminho é procurar novas moléculas químicas que apresentem a mesma eficiência de controle, porém, quando se tem por objetivo a busca de alternativas para uma agricultura sustentável, o melhor caminho é aperfeiçoar as medidas de manejo cultural e biológico para as principais doenças fúngicas que ocorrem em citros, especialmente para a mancha preta, onde as duas fases reprodutivas (ascósporos e picnidiósporos) do fungo Guignardia citricarpa ocorrem naturalmente no campo.
Para se compreender melhor como a doença ocorre e se mantém no pomar, é necessário entender um pouco do seu ciclo. A mancha preta ou pinta preta, como também é designada e conhecida pelos agricultores, é causada pelo fungo Guignardia citricarpa, cuja forma imperfeita corresponde à Phyllosticta citricarpa.
G. citricarpa produz estruturas reprodutivas denominadas pseudotécios e ascósporos que são formados em folhas em decomposição no solo, constituindo a fonte primária do inóculo do fungo, responsáveis pelos sintomas mais conhecidos da doença, a mancha preta. O início dessas estruturas reprodutivas do fungo (ascósporos) dá-se cerca de 50 a 180 dias após a queda das folhas e normalmente a descarga dos ascósporos acompanha as chuvas, de tal forma que três meses podem ser suficientes para sua liberação, desde que haja umidade prévia sobre as folhas. O molhamento e a secagem das folhas, de forma alternada, são vitais para o desenvolvimento destas estruturas.
Na superfície dos órgãos suscetíveis, os ascósporos germinam e produzem estruturas de fixação e penetração, atingindo a cutícula, com formação de uma pequena massa de micélio subcuticular quiescente. O fungo pode permanecer dormente por até 12 meses. Esse período de dormência pode ser interrompido quando o fruto de citros atinge o seu tamanho final e começa a maturação ou quando as condições ambientes tornam-se favoráveis. O fungo cresce, então, a partir do micélio subcuticular e coloniza os tecidos mais internos, o que resulta no aparecimento dos sintomas típicos da doença.
A queda natural das folhas das plantas cítricas pode ocorrer, em maior ou menor extensão, durante todo o ano. Entretanto, alguns fatores como estresse hídrico, desbalanço nutricional, pragas e doenças podem agravar essa abscisão. Como os ascósporos são formados nessas folhas, teoricamente existe o potencial de que essas estruturas sejam formadas durante todo o ano. Contudo, as condições climáticas prevalecentes têm maior ou menor impacto na sua viabilidade e rapidez na sua produção.
Já a fase imperfeita do fungo (P. citricarpa) produz estruturas reprodutivas denominadas picnidiósporos, que são formados em lesões de frutos e em folhas e são facilmente carregados pela água até a superfície dos órgãos suscetíveis, localizados abaixo. Portanto, essas estruturas são responsáveis pela disseminação do fungo a curtas distâncias. Os picnidiósporos são importantes na epidemia da doença, quando coexistem na mesma planta, frutos infectados contendo esses esporos e frutos jovens suscetíveis.
Diante desse conhecimento fica mais fácil compreender as estratégias que deverão ser adotadas para o controle da doença e, dentre as quais encontram-se as medidas culturais e biológicas.
As medidas culturais para controle da mancha preta compreendem utilizar mudas de citros livres de patógeno; cuidados com a colheita, evitando o transito de veículos dentro do pomar que podem carregar folhas contaminadas, além do cuidado em não transportar e comercializar frutos com folhas; remover as folhas caídas sobre a superfície do solo, se possível; fazer poda e remoção de ramos secos, considerando que o fungo (G. citricarpa) sobrevive neste tipo de material; fazer uso de quebra-ventos dentro do pomar, o que evita a disseminação de estruturas reprodutivas (ascósporos) do fungo para outras áreas; cuidar da irrigação, de maneira que se tenha uniformização da florada e redução de queda de folhas durante o período seco do ano, uma vez que os ascósporos são formados nas folhas que caem ao solo e sua produção é estimulada por alternância de molhamento e secagem das folhas; manter as plantas em boas condições de nutrição e sanidade; proporcionar cobertura morta sobre as folhas caídas ao solo e, para isso, sugere-se o manejo do mato por meio da recadeira ecológica, e, finalmente, antecipar a colheita.
As medidas biológicas de controle referem-se às técnicas que são adotadas de modo a aumentarem e sustentarem as interações biológicas nas quais a produção agrícola está baseada, ao invés de, simplesmente, reduzi-las ou simplificá-las. Considerando a etiologia e a epidemiologia de G. citricarpa, supõe-se que medidas que possam culminar na aceleração da decomposição das folhas de citros caídas sob a copa possam inibir a formação dos pseudotécios e, consequentemente, reduzir a fonte de inóculo representada pelos ascósporos.
De acordo com a literatura, existem vários compostos que apresentam a propriedade de acelerar a decomposição de material vegetal. Dentre tais compostos incluem-se os fertilizantes nitrogenados, que podem favorecer a atividade de micro-organismos com atividade celulolítica ou, ainda, aplicação de produtos comerciais formulados para esse propósito. Pode-se, ainda, utilizar micro-organismos com potencial para agir diretamente na decomposição do material vegetal ou que apresentem ação direta sobre o patógeno presente nestas folhas que caem ao solo, como no caso de G. Citricarpa, contribuindo para a diminuição da severidade da doença.
Experimentos realizados no Centro de Citricultura Sylvio Moreira, em Cordeirópolis (SP), uma das unidades do Instituto Agronômico de Campinas (IAC) procurou investigar a utilização de agentes de controle biológico, dois isolados de Trichoderma (ACB-37 e ACB-40) e dois isolados de Bacillus subtilis (ACB-83 e ACB-AP3), durante o manejo da doença sob condições de campo. Para tal, os micro-organismos foram aplicados sobre as folhas cítricas caídas ao solo, para reduzir a produção e a viabilidade dos ascósporos pela aceleração da sua decomposição, como uma medida auxiliar de controle. Os resultados mostraram que os menores índices de doença foram obtidos, com aplicações dos isolados da bactéria.
Paralelamente, a eficiência de controle dos isolados de Bacillus foi testada em plantas de laranja Valência e laranja Pera, pertencentes a pomares comerciais do município de Araras/São Paulo. Produtos à base dos micro-organismos foram aplicados sobre as plantas a cada 28 dias, em duas concentrações (05% e 10%), na presença ou ausência de óleo mineral e, comparados com o tratamento químico padrão. Os resultados mostraram a potencialidade do isolado ACB-AP3 (a 05%) em controlar a doença, independentemente da presença ou ausência de óleo mineral durante o tratamento.
O bom desempenho dos isolados da bactéria mostrado nos experimentos pode ser devido, principalmente, ao seu mecanismo de ação. Relatos na literatura mostram ser a antibiose o principal mecanismo envolvido na atividade antagônica, tanto pela produção de antibióticos como pela produção de enzimas aminolíticas e proteolíticas. Esses compostos podem lisar e dissolver estruturas celulares independentemente do contato. Além do mecanismo de ação, esse micro-organismo possui uma pronta adaptabilidade no ambiente, principalmente por ser uma bactéria formadora de esporos, que oferecem tolerância a diversos tipos de estresse como seca, deficiências nutricionais e temperaturas extremas. Tais características, somadas ao fácil desenvolvimento e à ausência de patogenicidade de B. subtilis, sugerem formulações de produtos estáveis e viáveis no controle de fitopatógenos. Para tanto, há necessidade de se continuarem os testes estudando as épocas de aplicação, a concentração e a formulação adequadas dos antagonistas para o melhor controle da mancha preta.
Clique aqui para ler o artigo na Cultivar Hortaliças e Frutas 82.
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