A ocupação da região do Paraná conhecida como Campos Gerais com lavouras é um fenômeno relativamente recente. Um dos fatos marcantes nesse processo foi a chegada de agricultores de origem holandesa na região. A colônia Castrolanda comemora neste ano seu quinqüagésimo ano de fundação. Já a colônia Batavo em Carambei, completou seus 90 anos e há 40 anos se instalaram os imigrantes na região de Arapoti. Além destes, muitos outros agricultores se instalaram na região, que se firmou como um importante pólo da agricultura de grãos no país. Outra marca registrada da região é a pecuária leiteira que cresce 10% ao ano, produzindo mais de 500 mil litros de leite por dia. Os Campos Gerais foi consagrado como o berço do plantio direto no Brasil, que surgiu calcado no paradigma da necessidade do controle da erosão dos solos nas áreas declivosas que predominam na região.
Na década de 70 a agricultura era tradicionalmente vinculada ao binômio soja-trigo, um sistema que exigia dois preparos intensivos do solo por ano em uma região que não se ressente por falta de chuvas. Esse modelo já estava esgotado e foi gradativamente substituído pelo plantio direto.
No entanto, para que isso acontecesse, nos anos 80, foi necessária a ação coletiva que marcou o famoso período das adaptações nas semeadoras para viabilizá-las à prática do plantio direto. Nesse mesmo período houve um envolvimento muito grande de técnicos, agricultores e indústria e o resultado foi a consagração de soluções em semeadoras que logo se tornariam produtos de mercado e popularizariam o plantio direto pelo país.
Também nesse período, a cultura do milho se consagrava na região e avanços significativos aconteciam nas áreas de fertilidade do solo e controle de plantas daninhas, sempre associadas aos primórdios do plantio direto.
Nos anos 90 as indústrias tomaram para si a responsabilidade da continuidade dos trabalhos de inovação nas máquinas de semeadura e nessa época começavam a surgir os maiores problemas de pragas e doenças associadas à presença de palha nas lavouras. Foi também nessa época que o feijão foi inserido como uma importante alternativa nos sistemas de rotação de culturas da região e fonte de recursos para investimento quando os preços de comercialização disparavam ocasionalmente.
Em 1984, sabedores da necessidade de inovar e romper as dificuldades impostas pela introdução do plantio direto na região, os agricultores se organizaram e criaram a Fundação ABC, uma organização privada de pesquisa aplicada e dirigida aos interesses dos associados ligados às cooperativas Arapoti, Batavo e Castrolanda. Hoje a Fundação ABC responde por uma área cultivada de 160 mil ha e conta com um quadro de pesquisadores com programas nas áreas de fitotecnia, fertilidade do solo, plantas invasoras, fitossanidade e economia agrícola.
Recentemente, algumas investidas na mecanização agrícola evidenciaram a grande necessidade de abordagens nessa área. Os agricultores, via de regra, são fortemente identificados com máquinas e o grau de mecanização agrícola da região é elevado, por vezes excessivos. Prova disso é que revendas de tratores e colhedoras locais já bateram recordes nacionais de vendas.
Em 1998, num esforço conjunto entre as três empresas fabricantes de colhedoras de grãos brasileiras com trabalho liderado pela Fundação ABC e apoio da ESALQ/USP, foi conduzido um amplo levantamento do estado da arte em perdas de grãos na colheita. Esse trabalho evidenciou, acima de tudo, o elevado nível de tecnificação dos agricultores. Os níveis de perdas em soja foram considerados baixos se comparados com os padrões nacionais.
Nessa mesma época iniciava-se um trabalho de investigação na área de Agricultura de Precisão, também ligado à ESALQ/USP. A Fundação ABC se envolveu intensamente nessa tarefa e em 1999 estruturou-se um amplo programa que visava a avaliação das técnicas apregoadas pela Agricultura de Precisão. A partir de então se passou a considera-la como uma ferramenta a ser gradativamente proposta para adoção pelos associados, na medida em que forem se firmando os conceitos de gerenciamento da produção, considerando a variabilidade espacial da produtividade e dos seus fatores limitantes.
Essas duas frentes – Mecanização e Agricultura de Precisão – totalmente novas para a instituição, levaram a reestruturação e inclusão de um novo programa de pesquisa, inaugurado no inicio deste ano com a contratação de um pesquisador que deve liderar as ações dessas duas frentes de trabalho.
A pesquisa em Mecanização Agrícola é um desafio a parte para a instituição, acostumada com a experimentação agronômica clássica. Algo que também é inédito nessa investida é a parceria com a Cooperativa Agrária de Entre Rios, por meio da Fundação Agrária de Pesquisa Agropecuária (FAPA), outra entidade de forma organizacional semelhante e com os mesmos objetivos e que responde por mais 100 mil ha de lavouras. O programa de pesquisa em Mecanização Agrícola está sendo concebido, conduzido e amparado em conjunto pelas duas fundações. A razão é simples – ambas apresentam semelhanças nos sistemas de cultivo, módulos rurais, etc. Dessa forma, a união de esforços deve viabilizar um programa de pesquisa que atenda os associados das duas fundações.
Numa primeira aproximação estão sendo definidas as prioridades de pesquisa e os primeiros trabalhos já estão em curso. As atividades mais prementes e comuns às duas regiões estão sendo priorizadas. Nesse contexto, têm sido apontados temas que são velhos conhecidos do setor de mecanização e que se potencializaram na região em função de ausência de ações de investigação.
Trabalhos desenvolvidos
A cultura do milho se firmou na região com produtividades que facilmente alcançam 10 t/ha. A palha produzida é significativa e representa um grande desafio à implantação das culturas de inverno. As semeadoras com espaçamentos mínimos entre linhas andando sobre palha de milho, por vezes mal espalhada, têm apresentado problemas que podem ser minimizados se o cenário for bem caracterizado. Um projeto está contemplando o levantamento da realidade da colheita de milho na região e sua relação com a deposição da palha (especificamente para a cultura do milho). Nesse sentido existem diferentes sistemas em uso na região. Muitos agricultores utilizam picador de palha na colhedora, outros o desligam alegando que o picador requer muita potência, além de danificar a máquina pelo excesso de vibração que causa e pelos impactos da palha na lataria, causando muitas vezes perfurações. Existem também os espalhadores centrífugos de palha com discos horizontais. Nesse contexto existem máquinas que variam de três a seis ou mais linhas e também as colhedoras axiais, que apresentam comportamento diferenciado de arremesso da palha por não possuírem saca-palhas. Os dados estão sendo coletados na colheita em curso e a meta é cobrir a diversidade de sistemas vigentes.
Na etapa seguinte serão monitoradas algumas das lavouras que serviram para a caracterização da distribuição de palha. Nessas será avaliada a qualidade da semeadura, bem como o desempenho das culturas de inverno. Na região tem se manifestado o efeito de isolante térmico da palhada, especialmente em invernos mais rigorosos, e na presença de muita palha a ação das geadas tem sido mais nociva. Esse e outros fatos deverão ser alvo do estudo que está sendo proposto.
Outra preocupação viva entre os agricultores ligados às duas fundações diz respeito às máquinas distribuidoras de fertilizantes a lanço. Em um primeiro momento a demanda é relacionada à adubação de cobertura das culturas de inverno. No entanto esse problema se potencializa na medida em que a adubação a lanço se populariza, em parte pelo apoio da pesquisa na área de fertilidade e principalmente pelo aumento da eficiência da operação de semeadura pela redução ou mesmo eliminação do adubo na semeadora.
As máquinas que vêm sendo utilizadas para espalhar fertilizantes e corretivos a lanço têm como característica uma dependência muito grande da qualidade e condição física do produto a ser aplicado. A aplicação de calcário no Brasil é tida como uma operação de baixa qualidade por conta disso. Já as aplicações de adubos sólidos acontecem com um pouco mais de critério, porém existe muita falta de informação, especialmente relacionada à largura efetiva que cada máquina pode trabalhar com cada produto. Isso parece simples aos olhos de quem procura simplificar os procedimentos de campo e adotar largura coincidente com a do pulverizador, por exemplo. O resultado muitas vezes chega a ser visível, com lavouras manchadas em faixas, principalmente no caso da adubação nitrogenada de cobertura em milho e em culturas de inverno.
Um projeto está sendo proposto para averiguar essas ocorrências ao nível de fazenda. Para isso, durante a condução das lavouras de inverno desse ano estarão sendo realizados testes em máquinas de agricultores, nas condições de regulagem que eles adotam e que representam a realidade local. Espera-se com isso evidenciar o problema para, numa segunda etapa, atuar buscando soluções.
Associado a este problema está sendo estruturado um trabalho de avaliação da contribuição da qualidade física dos fertilizantes na qualidade da operação de adubação a lanço. Os adubos granulados de mistura de grãos oferecem problemas relacionados à segregação de partículas quando arremessadas. Isso também contribui para a geração de desuniformidade nas aplicações.
Está sendo estruturada outra frente na área de pulverização, onde os agricultores e técnicos, em prospecções de demanda, têm apontado diversos problemas principalmente relacionados com deriva e desempenho de bicos associado a produtos. Também existe a necessidade de informação mais balizada a respeito de aquisição de tecnologias diferenciadas como o uso de gotas transportadas por vento e gotas carregadas eletricamente.
Várias outras ações estão sendo delineadas como resultado das prospeções de demanda e na medida em que forem sendo viabilizadas, serão implementadas. Nesse contexto há preocupações sempre atuais relacionadas ao plantio direto como a compactação da camada superficial do solo por conta da sua não mobilização, a questão das hastes e discos como rompedores de solo das semeadoras, qualidade de semeadura das culturas de verão e a relação custo-benefício das semeadoras pneumáticas. A mecanização da colheita do feijão e das forragens, também é um dos desafios que o programa deverá abordar, bem como outros itens.
É sabido que para se desenvolver um programa de pesquisa em mecanização agrícola há uma demanda de investimentos, tanto maior quanto mais sofisticada for a investigação. Tanto a Fundação ABC quanto a FAPA não dispõem de recursos que permitam um programa de pesquisa básica ou avançada na área. O programa visa, acima de tudo, diagnosticar os problemas enfrentados pelos usuários.
A solução desses problemas será negociada com os fornecedores que são os fabricantes dos produtos. Ao mesmo tempo serão detectadas demandas e viabilizados treinamentos em todos os níveis da cadeia que envolve as operações mecanizadas. Nesse processo, as parcerias com as empresas de máquinas agrícolas e com instituições do ramo são de extrema importância para agilizar e viabilizar as ações que levem benefícios diretos ao usuário que é o alvo de todo esse esforço.
José P. Molin
ESALQ/USP
Marcos L. Valentini
Fundação ABC
Leandro M. Gimenez
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