Controle de percevejos em soja e milho

Muitas vezes pouco notados insetos estão entre as pragas de mais difícil controle no sistema produtivo

28.02.2020 | 20:59 (UTC -3)

Enquanto os agricultores se mantêm preocupados com lagartas e outros insetos desfolhadores que causam sintomas impactantes e fáceis de visualizar, os percevejos têm atacado seriamente as lavouras de soja e milho. Muitas vezes pouco notados pelos produtores, esses insetos estão entre as pragas de mais difícil controle no sistema produtivo e que ganham maior importância a cada ano.

Atualmente, o manejo do complexo de percevejos que ataca as vagens, causa dano nos grãos da soja na safra de verão e depois migra para o milho safrinha, sugando as plântulas recém-emergidas é o principal desafio do manejo integrado de pragas (MIP) nessas culturas. A pouca diversidade de inseticidas registrados com diferentes modos de ação, a resistência comprovada de populações da praga a alguns inseticidas, a deficiência na tecnologia de aplicação e o uso equivocado de inseticidas, devido ao abandono da amostragem e dos níveis de ação, estão entre as principais causas da ocorrência de altas infestações da praga nas lavouras de soja e milho nas últimas safras. Manejar corretamente o percevejo não significa aplicar com maior frequência ou antecipadamente os inseticidas. Pelo contrário, o uso abusivo do controle químico apenas agrava o problema com a praga. Para contrapor essa situação, técnicos e produtores devem estar conscientes de que a base para a tomada de decisão de utilizar ou não os químicos está no monitoramento criterioso da densidade populacional do inseto, procurando-se abolir as aplicações pré-agendadas - os famosos calendários - e as aplicações “carona”, bastante comuns na dessecação de plantas infestantes e/ou no controle de doenças, quando se junta um inseticida ao herbicida ou mesmo em mistura com o fungicida, sem adotar qualquer critério técnico. 

Há uma grande diversidade de espécies de percevejos que atacam a soja durante a safra de verão. Muitos desses insetos migram para a cultura do milho quando a soja está sendo colhida. Sugam as plântulas de milho, podendo levá-las à morte dependendo da intensidade e da fase de desenvolvimento da cultura em que o ataque ocorre. Entre as espécies de percevejos mais comuns e importantes nesse sistema produtivo, estão o percevejo-marrom (Euschistus heros) e o percevejo barriga-verde (Dichelops melacanthus ou D. furcatus). 

Adulto de Euschistus heros (Foto: Jovenil J. Silva)
Adulto de Euschistus heros (Foto: Jovenil J. Silva)
Adulto de Dichelops melacanthus (Foto: Jovenil J. Silva)
Adulto de Dichelops melacanthus (Foto: Jovenil J. Silva)

O percevejo-marrom, praga-chave da soja, prejudica essa cultura sugando as vagens em desenvolvimento. O período de desenvolvimento da soja entre a fase de “canivetinho” (R3) e o final do enchimento de grãos (R6) é o mais crítico aos danos desse inseto sugador. Entretanto, devido às grandes populações que normalmente ocorrem no final do verão, estes insetos têm também atacado a cultura do milho em início de desenvolvimento. Maior risco de danos ocorre no milho semeado mais cedo (até meados de fevereiro), quando o percevejo-marrom ainda está bastante ativo. 

No milho, o percevejo-marrom é usualmente menos prejudicial, quando comparado ao percevejo barriga-verde. É comum observar vários adultos do percevejo-marrom agregados nas folhas de plantas de milho mais desenvolvidas. Esses percevejos, entretanto, não estão causando danos às plantas. Além da presença dos percevejos no milho deve-se observar também o comportamento desses insetos. Isso é importante porque em algumas situações, o percevejo-marrom pode atacar o colmo do milho, semelhantemente ao hábito do percevejo barriga-verde, e assim causar danos similares, inclusive matando a planta e reduzindo o estande inicial.

Diferentemente do percevejo-marrom, o barriga-verde é hoje conhecido como praga-chave do milho. Este inseto tem sua população em crescimento já na fase final do desenvolvimento da cultura da soja (antecedendo o milho). Entretanto, como sua ocorrência na soja é quase sempre no final do desenvolvimento da cultura (R7 ou R8), o mesmo usualmente não causa injúrias importantes na soja e, portanto, seu controle isoladamente não é necessário nessa cultura. Entretanto, durante todo o período reprodutivo da soja esse percevejo é monitorado e deve ser computado junto com as demais espécies de percevejos sugadores para a tomada de decisão de controle. 

Atualmente, altas populações de percevejos estão chegando com maior intensidade e mais cedo nas lavouras de soja e milho. Isto tem levado os agricultores a aumentar o uso de inseticidas, muitas vezes sem obter resultados satisfatórios. Esse uso abusivo de inseticidas tem apenas agravado o problema com essas pragas, além de representar um gasto desnecessário ao produtor. Por isso conhecer a praga e respeitar as recomendações técnicas para seu manejo são cruciais para o sucesso no manejo.

O percevejo na soja

Embora os percevejos ocorram desde o período vegetativo da soja, podendo nessa fase até sugar a planta em busca de água, não causam qualquer redução na produtividade, pois os grãos ainda não estão formados. O grande potencial de dano do percevejo na soja ocorre quando essa praga se alimenta diretamente dos grãos. Por isso, o MIP-Soja considera que seu controle deve ser realizado quando atingir o nível de ação. No caso de lavouras para produção de grãos esse nível é de dois percevejos maiores de 0,3cm, sejam ninfas e/ou adultos de todas as espécies fitófagas, por metro de fileira de plantas (pano de batida). Quando a lavoura for para produção de sementes, o nível de ação passa a ser de um percevejo (ninfas e/ou adultos de todas as espécies fitófagas). O período mais crítico aos danos dos percevejos e ideal para o controle desses insetos-praga está entre os estádios de desenvolvimento R3 e R6. Portanto, aplicações para controle de percevejos na soja antes de R3 não são necessárias. No período após o R6, além da densidade populacional de percevejos, outros parâmetros como a colheita das lavouras do entorno, tempo para a colheita, tamanho da área, período chuvoso etc precisam também ser observados, especialmente se a lavoura é para produção de sementes, pois situações de elevados níveis populacionais de percevejos, muitas vezes comuns nesse período, poderão afetar negativamente a qualidade.

Infelizmente, a busca incessante pelo aumento da produtividade, associada aos bons preços pagos pela soja e ao baixo custo de muitos inseticidas, tem levado os produtores a questionarem a validade dos níveis de ação recomendados pela pesquisa para o controle de percevejos. Essa dúvida, associada à redução do número de técnicos da assistência técnica oficial, contribuiu para que muitos produtores abandonassem o MIP, passando a aplicar os inseticidas na soja para controle de percevejos junto com os fungicidas na fase reprodutiva, sem qualquer amostragem da população de pragas e a devida comparação com o nível de ação. Isso tem sido feito inclusive na tentativa de aproveitar a operação agrícola que está sendo realizada. Com essa aplicação errônea de inseticidas realizada junto (“na carona”) dos fungicidas e não mais no momento apropriado (que é o nível de ação), o controle de percevejos na soja tem gerado resultados desastrosos. Nesse contexto, é importante salientar que apesar dos questionamentos sobre a necessidade de controle antecipado de percevejos na soja, resultados recentes de pesquisa, com cultivares de soja de ciclo precoce e crescimento indeterminado, mostram que os níveis de ação recomendados continuam confiáveis, indicando o melhor momento para o sojicultor começar a aplicação de inseticidas.

O percevejo no milho

O percevejo barriga-verde, tido como praga secundária na cultura da soja, vem nos últimos anos crescendo em importância na cultura do milho. Duas espécies têm sido associadas ao milho, Dichelops furcatus, mais comum no Sul do Brasil, e D. melacanthus, predominante nas demais regiões produtoras. Esta última se diferencia por apresentar os espinhos do pronoto negros, enquanto na outra são amarronzados. As duas espécies são igualmente daninhas e injetam toxinas no colo das plântulas durante o processo de alimentação. Sendo uma praga inicial, tem prejudicado significativamente o milho na implantação da cultura, seja reduzindo o estande ou prejudicando o vigor das plântulas, provocando o perfilhamento das plantas. Maiores danos têm sido verificados quando coincide uma alta incidência da praga, com períodos de estiagem. Essa praga utiliza a palhada como local de abrigo, sobrevivência e multiplicação. A sucessão continuada de soja/milho ou soja/trigo favorece o desenvolvimento destes insetos. Durante a colheita da soja, os grãos caídos ao solo, associados à presença de ervas daninhas, particularmente a trapoeraba, têm favorecido o aumento de populações desse percevejo, por constituírem excelente alimento na entressafra. Portanto, reduzir as perdas na colheita da soja e manter a área livre de plantas infestantes também constituem fatores de relevância na regulação da população do inseto.

A situação atual de altas populações exige mudanças no manejo, sendo necessário considerar o controle no sistema como um todo. É preciso melhorar o controle desses percevejos nos cultivos que antecedem o milho safrinha, principalmente durante a safra da soja.

Tratar as sementes de milho com produtos de alta solubilidade e ação sistêmica (neonicotinoides) pode apresentar bons resultados no controle da praga. Entretanto, a melhor eficiência dos produtos está condicionada à utilização correta da dose recomendada. Atualmente existe no mercado grande diversidade no tamanho das sementes de milho, por isso a dosagem deverá ser recomendada por número de sementes (60 mil sementes) e não mais pelo peso, como anteriormente.

Quanto ao controle do percevejo via pulverizações, é preciso estar atento ao momento mais adequado para efetuá-las. Pulverizações atrasadas, ou seja, depois dos 10-15 dias de idade da planta, podem tornar ineficaz o controle. Nesse caso, mesmo havendo o controle do percevejo, nada impede o aparecimento do dano, pois a toxina que o inseto injetou anteriormente já está na planta, e o dano aparece depois. O ideal é que o monitoramento se dê logo nos primeiros dias da emergência do milho e o controle realizado sempre que atingir o nível de ação. Não é recomendável pulverizações em milho depois dos 15-20 dias de idade e/ou quando a planta atingir espessura de colmo acima dos 1,5cm. Comparando-se os dois sistemas de controle, o tratamento das sementes, com os neonicotinoides, leva vantagem por ser mais eficiente e por ser seletivo aos inimigos naturais.

Para decidir pelo tratamento de sementes do milho, deve-se levar em conta o histórico de ocorrência do inseto na propriedade e o monitoramento da palhada, pouco antes da semeadura do milho. Pulverizações complementares somente poderão ser necessárias após monitoramento depois da emergência do milho.

Muitas vezes, por falta de informação, produtores decidem pela ressemeadura do milho com base na porcentagem de plantas com danos, sem levar em conta os diferentes graus de injúria que o inseto provoca. As informações na Figura 1 buscam subsidiar técnicos e produtores na hora da tomada de decisão. Somente seria justificável a ressemeadura nas situações de morte de plantas e pelo menos 60###/span#< – 70% das plantas com notas 3 ou 4, associada a clima desfavorável.

Figura 1 - Escala de notas de injúrias do percevejo-barriga-verde (Fotos: R. Bianco/IAPAR)
Figura 1 - Escala de notas de injúrias do percevejo-barriga-verde (Fotos: R. Bianco/IAPAR)

Principais recomendações para o manejo

É verdade que ainda é preciso melhorar o manejo do complexo de percevejos focado no sistema produtivo. Entretanto, existem algumas recomendações que podem ser realizadas e que, quando seguidas, permitem um bom manejo da praga e uma convivência aceitável, reduzindo os custos de produção e maximizando a lucratividade do produtor. As principais recomendações a serem seguidas pelos agricultores no manejo dos percevejos na soja e milho estão resumidas na Tabela 1.  


Tabela 1. Recomendações gerais para o manejo de percevejos no sistema produtivo soja e milho.

 

Na soja:

  • Utilizar inseticidas para percevejos apenas entre os estádios R3 (início das primeiras vagens) e R6 (final do enchimento de grãos) em lavouras de produção de grãos;
  • Respeitar os níveis de ação (2 percevejos ≥ 0,3 cm por pano-de-batida, para soja destinada a grãos ou 1 percevejo ≥ 0,3 cm, para soja destinada a semente), pois são confiáveis, inclusive para as cultivares precoces e de crescimento indeterminado;
  • Sempre fazer a rotação de inseticidas utilizando produtos de diferentes modos de ação;
  • Preservar o uso das misturas (neonicotinoides + piretroides), do acefato ou de outro produto indicado para controle de percevejos apenas para uso no período reprodutivo da soja para o controle dessa praga. Isso reduz a pressão de seleção para percevejos resistentes a esses inseticidas e preserva sua ação para o controle dessa praga por maior tempo.
  • Em áreas com presença de plantas daninhas, deve-se aplicar um dessecante 7 a 10 dias antes da semeadura;
  • Realizar o tratamento de sementes, quando encontrar acima de 1 a 2 insetos por m2 de palhada;
  • Os produtos para tratamento de sementes são altamente solúveis, portanto, em situações de muita chuva imediatamente após a semeadura até os 10 dias da emergência, a atenção deve ser redobrada;
  • Após a emergência do milho (2-3 dias) avaliar a lavoura e, se encontrar 1 percevejo vivo/10 plantas, realizar pulverização complementar;
  • Reavaliar 5-7 dias depois.  Encontrando novamente 1 percevejo vivo/10 plantas, reaplicar;
  • Usar bico cone ou duplo leque espaçados de 50 cm, com vazão de 150 l/ha ou mais.  A altura da barra não deve passar dos 50 cm do solo;
  • Em função do comportamento do percevejo e do período de maior exposição, aplicar das 7:00-13:00 e das 16:00-19:00 horas, evitando os horários de alta temperatura;
  • Evitar aplicações em dias frios e/ou com baixa umidade relativa;
  • Áreas com histórico de altas infestações: realizar manejo de população no sistema produtivo;
  • Evitar as pulverizações em horários de alta temperatura e/ou baixa umidade relativa.

 

No milho:

  • Nunca esperar o aparecimento dos sintomas de dano para controlar a praga, pois poderá já ser tarde;
  • Prover boa nutrição do milho.  O nitrogênio ajuda na recuperação das plantas com sintomas de dano.

Tabela 1. Recomendações gerais para o manejo de percevejos no sistema produtivo soja e milho.

 

Na soja:

  • Utilizar inseticidas para percevejos apenas entre os estádios R3 (início das primeiras vagens) e R6 (final do enchimento de grãos) em lavouras de produção de grãos;
  • Respeitar os níveis de ação (2 percevejos ≥ 0,3 cm por pano-de-batida, para soja destinada a grãos ou 1 percevejo ≥ 0,3 cm, para soja destinada a semente), pois são confiáveis, inclusive para as cultivares precoces e de crescimento indeterminado;
  • Sempre fazer a rotação de inseticidas utilizando produtos de diferentes modos de ação;
  • Preservar o uso das misturas (neonicotinoides + piretroides), do acefato ou de outro produto indicado para controle de percevejos apenas para uso no período reprodutivo da soja para o controle dessa praga. Isso reduz a pressão de seleção para percevejos resistentes a esses inseticidas e preserva sua ação para o controle dessa praga por maior tempo.
  • Em áreas com presença de plantas daninhas, deve-se aplicar um dessecante 7 a 10 dias antes da semeadura;
  • Realizar o tratamento de sementes, quando encontrar acima de 1 a 2 insetos por m2 de palhada;
  • Os produtos para tratamento de sementes são altamente solúveis, portanto, em situações de muita chuva imediatamente após a semeadura até os 10 dias da emergência, a atenção deve ser redobrada;
  • Após a emergência do milho (2-3 dias) avaliar a lavoura e, se encontrar 1 percevejo vivo/10 plantas, realizar pulverização complementar;
  • Reavaliar 5-7 dias depois.  Encontrando novamente 1 percevejo vivo/10 plantas, reaplicar;
  • Usar bico cone ou duplo leque espaçados de 50 cm, com vazão de 150 l/ha ou mais.  A altura da barra não deve passar dos 50 cm do solo;
  • Em função do comportamento do percevejo e do período de maior exposição, aplicar das 7:00-13:00 e das 16:00-19:00 horas, evitando os horários de alta temperatura;
  • Evitar aplicações em dias frios e/ou com baixa umidade relativa;
  • Áreas com histórico de altas infestações: realizar manejo de população no sistema produtivo;
  • Evitar as pulverizações em horários de alta temperatura e/ou baixa umidade relativa.

 

No milho:

  • Nunca esperar o aparecimento dos sintomas de dano para controlar a praga, pois poderá já ser tarde;
  • Prover boa nutrição do milho.  O nitrogênio ajuda na recuperação das plantas com sintomas de dano.


Adeney de Freitas Bueno, Embrapa Soja; Beatriz Spalding Corrêa-Ferreira, Embrapa Soja Rodolfo Bianco; Iapar, Samuel Roggia, Embrapa Soja 


Artigo publicado na edição 196 da Cultivar Grandes Culturas. 

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