Os ecossistemas naturais representam uma fonte imensurável de recursos genéticos atuais e potenciais ao homem, tanto como fonte direta de produtos como produzindo outros serviços. Grande parte desses recursos vem sendo destruídos de modo irreversível, antes mesmo de seu inteiro conhecimento, exigindo medidas urgentes de sua conservação. Ademais, a exploração desses recursos tem levado a uma depredação dos ecossistemas, como alterações profundas nos mesmo e conseqüências desastrosas ao meio ambiente (KAGEYAMA, 1987).
A devastação das florestas brasileiras vem tomando proporções alarmantes em todos os biomas, colocando muitas espécies de microorganismos, animais e plantas sob risco de extinção. A competição humana e seu crescimento desordenado são, possivelmente, os principais responsáveis pela destruição dos habitats.
A capacidade das espécies em sobreviverem a essa situação cabe à maior heterogeneidade espacial possível na constituição desses habitats. A constante retirada de espécies arbóreas nativas e o cultivo exploratório de algumas espécies comerciais em monocultura têm causado erosão na biodiversidade, nos diversos ecossistemas espalhados pelo País.
Iniciaram-se estudos com espécies arbóreas nativas, principalmente a partir do final da década de 80, quando alguns centros de pesquisa passaram a dar atenção à conservação dos recursos genéticos (FREITAS, et al., 2005).
A conservação genética consiste em um processo técnico, fundamentado em bases científicas, de manutenção permanente da diversidade e variabilidade genética de germoplasma em condições especiais, para fins de preservação das espécies e melhoramento genético. Dessa forma existem estratégias para salvar as espécies em perigo de extinção: a conservação in situ e a ex situ.
Fragmentação Florestal
As florestas brasileiras vêm sofrendo acelerado processo de fragmentação, principalmente em decorrência da expansão urbana e das atividades ligadas ao crescimento populacional. Dessa maneira, a fragmentação é um processo resultante da ação antrópica, que possui dois componentes principais: a redução da área de um habitat grande e contínuo, e a divisão do habitat remanescente em fragmentos menores.
A redução no tamanho dos fragmentos e o seu isolamento em forma de ilhas desencadeiam alguns processos ecológicos e genéticos populacionais com conseqüências potencialmente desastrosas (ISHIHATA, 1999).
A fragmentação introduz uma série de novos fatores na história evolutiva de populações naturais de plantas e animais. Essas mudanças afetam de forma diferenciada os parâmetros demográficos de mortalidade e natalidade de diferentes espécies e, portanto, a estrutura e dinâmica de ecossistemas. No caso de espécies arbóreas, a alteração na abundância de polinizadores, dispersores, predadores e patógenos alteram as taxas de recrutamento de plântulas; e os incêndios e mudanças microclimáticas, que atingem de forma mais intensa as bordas dos fragmentos, alteram as taxas de mortalidade de árvores.
A fragmentação florestal, além de isolar reprodutivamente indivíduos que contêm apenas uma pequena amostra do conjunto gênico da população original (gargalo genético), pode causar contínua perda de alelos devido à deriva genética, caso a população remanescente permaneça isolada por várias gerações (SOUZA, 1997). Nessa população pequena pode ocorrer, em curto prazo, deriva genética, o que significa ter as freqüências de seus genes afastadas daquelas da população original, inclusive chegando a perder alelos. Em longo prazo, ainda pode haver um aumento da endogamia, decorrente da maior probabilidade de autofecundação e cruzamentos entre indivíduos aparentados KAGEYAMA, et al., 1998), podendo reduzir a capacidade de sobrevivência além da capacidade adaptativa, a fertilidade, o vigor, o porte e a produtividade, entre outros (RITLAND, 1996).
Isso mostra que o processo de fragmentação, desencadeada com a exploração das florestas naturais para proporcionar alimento, bem-estar e melhor qualidade de vida para uma população humana em contínuo crescimento, está calcada no uso não sustentável dos recursos naturais, particularmente da biodiversidade. O resultado disso, em longo prazo, aponta para uma situação completamente inversa à almejada, variando desde uma fatal deterioração da qualidade de vida, no melhor dos casos, até o total esgotamento dos meios de sobrevivência humana.
Neste sentido, atitudes vêm sendo tomadas com o objetivo de quantificar esse impacto e definir estratégias de conservação adequadas para ecossistemas em intensa exploração (AZEVEDO, 2007).
Conservação genética
Conservação é definida como o manejo pelo homem, da biosfera para que possa produzir o maior benefício sustentável às atuais gerações, mantendo seu potencial de satisfazer às necessidades e aspirações das gerações futuras. Neste sentido, a conservação é positiva e compreende a preservação, manutenção, utilização sustentável, restauração e melhoria do ambiente natural. A estratégia de conservação depende da natureza do material, do objetivo e do alcance da conservação. A natureza do material envolve a duração do ciclo total, modo de reprodução, tamanho dos indivíduos e se o material é domesticado ou não. Além disso, deve-se considerar também o tempo (curto, médio e longo prazos) e o local onde será realizada a conservação (NASS, et al., 2001).
Em espécies arbóreas cada espécie deve estar representada por populações viáveis e isso depende da existência de ampla variabilidade genética que possibilite ajustes às mudanças ambientais ao longo das gerações. Basicamente, existem duas estratégias de conservação denominadas in situ e ex situ, as quais não são excludentes, devendo ser consideradas como complementares (KAGEYAMA, et al., 2001).
O conhecimento da estrutura genética de populações é entendido como a etapa fundamental para a realização de programas conservacionistas. Os dados gerados por pesquisas em genética de populações podem ser utilizados para definir unidades de conservação e prioridades para o manejo de recursos genéticos, indicando áreas e populações de maior ou menor importância para a preservação de táxons em questão e permitindo o desenvolvimento de estratégias efetivas de conservação (CAVALLARI,
2004).
Conservação genética in situ
Na conservação in situ as espécies são deixadas em seus habitats naturais e tem como objetivo conservar o máximo possível do número de alelos e/ou a diversidade de genótipos para que a evolução ocorra de forma contínua. Isso é importante na geração de novos genes e genótipos, particularmente em resposta às mudanças ambientais e para conferir resistência a novos tipos de patógenos desenvolvidos; bem como para que a seleção ocorra de maneira contínua, incluindo também a coevolução entre as plantas os animais e os microrganismos. O benefício dessa prática está na conservação de muito mais biodiversidade, num ecossistema inteiro, do que apenas por amostras de
germoplasmas de uma espécie. Sua desvantagem está no fato de o germoplasma não poder ser utilizado eficientemente, por não se encontrar disponível para que seja explorado rapidamente (HAYAWARD e HAMILTON, 1997).
Um dos interesses da conservação in situ é manter a diversidade genética dentro de populações selvagens em florestas naturais ou semi-naturais possuindo a grande vantagem de permitir processos genéticos tal como o fluxo gênico dentro das espécies de interesse (YOUNG e BOYLE, 2000).
Conservação genética ex situ
A conservação ex situ refere-se à manutenção de genes ou complexos de genes em condições artificiais, fora do seu habitat natural. Este tipo de conservação pode ser feito por meio de coleções permanentes de pólen, sementes, culturas de tecidos, ou coleções de plantas mantidas em campo, entre outros (PAIVA e VALOIS, 2001). O objetivo da conservação ex situ é manter amostras representativas das populações, ou seja, com muitos alelos e combinações gênicas suficientes para que, depois de caracterizadas, avaliadas e multiplicadas, possam ser utilizadas no melhoramento
genético ou em pesquisas correlatas (LLEIRAS, 1992).
A manutenção de populações ex situ tem-se revelado uma importante forma de intervenção na conservação da diversidade biológica, dado o crescente número de espécies ameaçadas de extinção. Os programas têm contribuído para a manutenção da variabilidade genética das populações, garantindo assim a permanência de espécies que de outra forma estariam indisponíveis para gerações futuras. As populações também podem servir como estoque de indivíduos para possíveis reintroduções ou aumento do tamanho de populações selvagens.
Considerações finais
Diante a devastação das florestas causada pela demanda humana de recursos florestais e produção de alimentos, a efetiva conservação de espécies arbóreas nativas é de extrema importância. Para evitar a extinção de espécies importantes tanto ecologicamente tanto para o próprio ser humano, estratégias de conservação devem ser delineadas. A Conservação in situ de arbóreas tropicais de certa forma é mais interessante por manter toda biodiversidade e suas relações num ecossistema com um todo, mas aliada à conservação ex situ se torna uma ferramenta poderosa na conservação de essências florestais em vias de extinção. Estudos de conservação em arbóreas são cada vez mais relevantes no sentido de preservação, manutenção, restauração e melhoria do ambiente natural e ainda garantir recursos genéticos e maior benefício sustentável às atuais e às futuras gerações.
Hélio Sandoval Junqueira Mendes1, Deise Reis de Paula2
1Biólogo,
, 2 Bióloga, FCAV/UNESP
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