Bicheira-da-raiz é o nome vulgar atribuído às larvas do gorgulho-aquático
Oryzophagus oryzae
(Costa Lima, 1936), considerado o inseto-praga mais prejudicial à cultura do arroz irrigado por submersão no estado do Rio Grande do Sul, devido à capacidade de atingir, a cada safra, níveis populacionais que podem provocar perdas de produtividade da ordem de 10% (> 12 sacas de 50 kg.ha-1).
O inseto adulto (gorgulho-aquático), de ocorrência crônica em todas as regiões orizícolas do Rio Grande do Sul, na entressafra (abril – outubro), permanece em hibernação, em restos culturais de arroz, na base de plantas de gramíneas e ciperáceas circunvizinhas às lavouras, em restos vegetais, sobre o solo de matas naturais ou bosques de eucalipto e pinheiro ou mesmo sob folhas secas de bambu. O aumento de temperatura e da fotofase e o início da irrigação por inundação dos arrozais, na primavera, são apontados como os principais fatores indutores da saída de adultos dos sítios de hibernação. Por meio do vôo ou do deslocamento da água de irrigação, os adultos invadem os arrozais a partir do mês de setembro, concentrando-se às margens das primeiras lavouras implantadas.
O inseto, nas duas últimas safras, ocorreu em mais ou menos 65% da área orizícola do Rio Grande do Sul. Apesar da abrangência das infestações (mais ou menos 650.000 ha), porém, é possível evitar os principais prejuízos, decorrentes do ataque das larvas às raízes de arroz, se um conjunto de medidas de controle for devidamente praticado.
Avalia-se, contudo, que as técnicas de controle de O. oryzae não estão sendo devidamente adotadas, principalmente as aplicações aéreas de inseticidas líquidos, visando aos adultos (gorgulhos), as quais predominantemente têm sido efetuadas em épocas inadequadas (pré-inundação), sem base em monitoramentos populacionais. Esse tipo de aplicação, não é garantia de uma maior rentabilidade da cultura e gera risco desnecessário de contaminação ambiental, em decorrência de uma maior densidade populacional do gorgulho normalmente estabelecer-se nos arrozais apenas a partir do início da inundação.
Qualquer aplicação de um ingrediente ativo inseticida (isolado ou misturado a um herbicida) às folhas de arroz, via aérea ou por meio de pulverizador de barras, realizada por "calendário", pré-inundação, visando ao controle de
O. oryzae
, adquire um caráter de aplicação preventiva, como o tratamento de sementes com o mesmo ingrediente ativo. Assim sendo, e estando o orizicultor propenso a praticar o controle químico do inseto por meio de pulverizações pré-inundação, é preferível optar pelo o tratamento das sementes, considerando os seguintes aspectos:
1. Em arrozais instalados em solo seco (sistema convencional, cultivo mínimo e plantio direto), os inseticidas registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e recomendados pela Comissão Sul-Brasileira de Arroz Irrigado (CTAR), para o controle de
O. oryzae
, via tratamento de sementes (Tabela 1)1, sem dúvida são importantes para a redução dos danos causados por outros insetos que vivem no solo atacando raízes e a base das plantas no período pré-inundação, em vista de não haver produtos registrados para o controle dessas pragas. Essa circunstância, portanto, deve ser mais considerada em regiões orizícolas do Rio Grande do Sul com predominância de ataque de insetos de solo na fase pré-inundação das lavouras, como o Planalto-da-Campanha ("Fronteira Oeste"), onde há histórico de ocorrência anual do pulgão-da-raiz (
Rhopalosiphum rufiabdominale
).
2. O tratamento de sementes de arroz com inseticidas viabiliza uma sensível redução da densidade de semeadura, conforme estudos realizados pela Embrapa no final da última década . Os resultados indicaram que se as sementes fossem tratadas com inseticidas era possível reduzir em mais de 50% a densidade máxima de semeadura praticada na época (em alguns casos > 175 kg.ha-1), obtendo em seqüência, uma população inicial adequada de plantas, elevadíssimo índice de controle da bicheira-da-raiz e manutenção dos níveis de produtividade antes obtidos. Uma menor densidade de semeadura e por conseqüência de menor aporte de inseticida por área cultivada, reflete numa redução sensível do custo de produção e diminui os riscos de contaminação ambiental, mesmo que esse último aspecto deva ser comprovado. Considerando a forte tendência de expansão do tratamento de sementes de arroz no Rio Grande do Sul, os possíveis benefícios, econômicos e, principalmente, os ambientais, associados à redução da densidade de semeadura tornam-se mais evidentes quando se compara a quantidade de semente de cultivares convencionais, atualmente utilizada (mais ou menos 100 Kg.ha-1), à quantidade recomendada para as cultivares híbridas (mais ou menos 40 kg.ha-1). Portanto, com base no argumento de que as sementes das cultivares híbridas devem ser obrigatoriamente tratadas com inseticidas (além de outros agrotóxicos), devido incorporarem um elevado valor agregado, e na possibilidade dessas cultivares expandirem-se no mercado orizícola do Estado, um simples confronto evidencia que se praticado o menor uso de semente preconizado para os "híbridos de arroz", essa tecnologia, de imediato promoveria uma redução de 60% na quantidade de inseticida no solo. Assim sendo, as Companhias detentoras de cultivares híbridas de arroz, deveriam atentar a esse aspecto e apoiar pesquisas que possam vir a comprovar cientificamente a redução de riscos de contaminação ambiental decorrente do uso da tecnologia, podendo usufruir de vantagens comparativas de mercado.
3. Um determinado ingrediente ativo de inseticida, aplicado via tratamento de sementes de arroz, portanto no solo, de imediato, atribui ao ecossistema orizícola um risco muito menor de distúrbios ambientais, do que via outro método de aplicação. Cita-se a circunstância do não atingimento de organismos não visados como inimigos naturais (parasitóides e predadores) de insetos-pragas do arroz, os quais ocorreram nos arrozais, principalmente, após o inicio do perfilhamento das plantas, em condições de irrigação por submersão. Acrescente-se ainda um menor risco de prejuízos à fauna aquática, destacadamente a peixes e pássaros. O tratamento de semente, ainda evita os riscos de deriva embutidos nas pulverizações de um mesmo ingrediente ativo.
4. Estando o produtor sensibilizado a utilizar o tratamento de sementes, devido à área a ser cultivada possuir histórico de ocorrência de insetos-praga de solo, principalmente, da bicheira-da-raiz, ou mesmo não possuindo histórico, há evidência da viabilidade de tratar apenas a quantidade a ser utilizada nas primeiras áreas a serem implantadas da lavoura, no máximo, em 30% da área total. Essa prática, em fase de validação em lavouras comerciais, tem proporcionado resultados promissores, podendo evitar que áreas que não seriam infestadas pelo inseto, na safra, venham a receber, desnecessariamente inseticidas, de modo preventivo, via as sementes, propulsionando duas situações desvantajosas: gastos desnecessários com a compra de inseticida e exposição de maior área a um agrotóxico. Ao contrário, se parte ou os 70% restantes da lavoura forem infestados pelo inseto, poderão ser adotados, pós-inundaçao, procedimentos que apontem a necessidade de aplicar ou não métodos de controle curativo.
Ainda é importante salientar que apesar de vários aspectos interferirem na decisão sobre o tratamento de sementes de arroz com inseticidas, até então, em qualquer circunstância, a justificativa técnica para a adoção tem que ser o controle da bicheira-da-raiz. Esse é o único inseto que ocorre na cultura do arroz irrigado por inundação para o qual há inseticidas registrados no MAPA destinados ao tratamento de sementes. Os orizicultores, portanto, deverão computar apenas como benefícios adicionais, o controle de outros insetos-praga de solo (que ocorrem pré-inundação do arrozal, como o pulgão-da-raiz), como também supostos "efeitos promotores de germinação" ou "estimulação de crescimento das plântulas de arroz", altamente alardeados no presente. Sobre esse último aspecto, considera-se uma extrema incoerência técnica tratar sementes de arroz com inseticidas, se não para o controle de insetos. Finalmente, espera-se que esse texto contribua para a adoção de procedimentos conformes com uma orizicultura sustentável.
José Francisco da Silva Martins
Embrapa Clima Temperado,Pelotas, RS
Confira esse texto, com tabela, no link abaixo:
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