Barulho sob controle

Dentre os diversos fatores relacionados à ergonomia e à segurança a serem observados durante o projeto de um trator agrícola, merecem destaque as condições de visibilidade e exposição ao ruído

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

A partir da década de 60 inicia a modernização da agricultura brasileira, pelo incremento da utilização de máquinas e tratores agrícolas. Priorizando o desempenho e a produtividade, os fatores menos valorizados no projeto dos tratores agrícolas foram o conforto e a segurança, em detrimento da saúde dos operadores. O projeto dos tratores agrícolas centrava-se na maximização da eficiência do trator, em despeito ao fator humano. Atualmente, há uma tendência para a melhoria das condições de ergonomia e segurança do operador, visando melhorar as condições de trabalho, diminuir o nível de fadiga ao qual este está exposto, diminuir o risco de acidentes e aumentar a produtividade e qualidade do trabalho.

Dentre os diversos fatores relacionados à ergonomia e à segurança a serem observados durante o projeto de um trator agrícola, merecem destaque as condições de visibilidade e exposição ao ruído.

No projeto de máquinas agrícolas, os fatores mais importantes para aumentar a eficiência, a segurança e diminuir a fadiga dos operadores são: adequada sonorização, aumento da visibilidade e do conforto térmico, diminuição das vibrações e melhoria nas posições dos controles e instrumentos. Neste sentido, a cabina para tratores foi um importante avanço tecnológico.

Atualmente, ainda é pequeno o número de tratores agrícolas que dispõem originalmente deste, digamos, acessório importante. Dizemos acessório, pois as cabinas não são essenciais ao funcionamento do trator, embora venham a melhorar as condições de conforto do operador. O mercado nacional é crescente, principalmente para as máquinas envolvidas em tratamentos fitossanitários e em algumas regiões onde as condições climáticas favorecem. No mercado europeu e norte americano este equipamento é quase obrigatório.

Talvez uma pessoa que não entendesse bem o sistema agrícola brasileiro pudesse perguntar: Por que se usa na Europa e Estados Unidos e não se usa no Brasil, se os argumentos são favoráveis à saúde do operador?

Necessitaríamos tempo e espaço para realizar um raciocínio completo e abranger todas as questões que surgem na discussão deste assunto. Mas começaremos pela questão econômica. Um trator é um bem agrícola, útil pela sua capacidade de trabalho, e com um custo de aquisição que reflete no custo horário e que, por sua vez, influi no custo de produção dos produtos agrícolas em que ele está envolvido. Como o preço do nosso produto agrícola é baixo, pois necessitamos concorrer em nível internacional, precisamos trabalhar com mínimos custos de produção e retornando ao raciocínio inicial, com máquinas baratas e eficientes. Um segundo ponto a ser considerado é o cultural. O operador de máquinas é geralmente mal remunerado e de um baixo nível cultural, em poucos casos é o dono do negócio. Assim, presume-se que ele não necessite conforto por ser rude e resistente. Dizem, freqüentemente, que nos países desenvolvidos é o dono e a sua família que trabalha, por isto existe tanto conforto nas máquinas. Talvez tudo isto tenha uma verdade, pelo menos relativa. O terceiro aspecto é legal. Enquanto a legislação brasileira for tolerante quanto aos aspectos de exigência de melhores condições de trabalho aos operadores rurais, de ninguém vai partir a iniciativa de melhorar as condições de conforto e segurança dos operadores. Por exemplo, na Holanda o limite para as concentrações de pó no ambiente de trabalho é de 15 mg/m3, independentemente se é trabalhador da indústria ou agricultura. Assim, o produtor rural de lá não vê outra alternativa que não comprar um trator com cabina, pois em algumas operações agrícolas, como o preparo do solo, as concentrações de pó são em média 146 mg/m3, com picos de 577 mg/m3, conforme medições feitas. Nestas condições extremas, mesmo com cabinas pressurizadas, o nível chega a quase 25 mg/m3, na zona ocupada pelo operador.

Conforto

O conforto é algo relativo, pois depende das condições do posto de trabalho e das características do ser humano. Quanto à temperatura, conceitua-se como conforto térmico o estado mental que expressa a satisfação do operário com o seu ambiente térmico, e a zona de conforto térmico situa-se entre 24 e 27ºC para a maioria dos indivíduos. Existem equações matemáticas muito complexas que expressam o conforto térmico, e algumas características do ambiente do operador influem diretamente sobre ele, como:

• Pressurização da cabina;

• Filtragem do ar que entra;

• Ventilação, ou seja, a movimentação do ar;

• Aquecimento ou esfriamento do ar e do ambiente;

• Vedação.

Projeto de cabinas

Para o projeto de uma cabina de uso agrícola é imprescindível que haja possibilidade de circulação fechada de ar, isto é, que se impeça totalmente a entrada de ar externo, recirculando o ar interno, útil nos casos de aplicação de produtos agrícolas. Desta maneira, se impede a intoxicação do operador pelo uso do ar condicionado ou mesmo do ventilador durante a aplicação. Também devem ser colocados filtros na entrada do ar externo e na saída do ar condicionado.

Quanto à vibração, que se transmite pelos pontos de ancoragem da estrutura, as cabinas devem ser montadas sobre plataformas unidas ao trator por meio de "silents blocks", que são estruturas de isolamento à vibração, cuja eficiência depende do grau de transmissibilidade da borracha e da freqüência da vibração que se quer diminuir. O piso da plataforma também deve ser revestido pelos dois lados, o de baixo e o que serve de apoio ao operador.

No projeto de cabinas deve ser evitada a colocação de chapas de grande dimensão, sem reforços, evitando a ressonância que provoca ruído.

É muito importante a perfeita compatibilidade entre a posição da escada e a abertura da porta, que deve ser para trás.

Geralmente, a estrutura de uma cabina é composta de três marcos, em cada lado, unidos por um teto na parte superior:

• O marco dianteiro deve servir de encaixe para o pára-brisa e de batente para a porta;

• O marco central contém as dobradiças das portas e, junto com o marco traseiro, forma uma pequena janela lateral;

• O marco traseiro suporta a janela traseira e suas dobradiças e fechos.

Um dos fatores de encarecimento das cabinas dos tratores são os vidros que, em um bom projeto, devem ser curvos para evitar a presença de colunas suplementares.

No mercado atual de cabinas para tratores, existem duas opções:

• Cabinas originais, com arco de segurança incorporado - Estas cabinas, geralmente fornecidas pelos próprios fabricantes de tratores, contêm o arco de segurança incorporado nos próprios marcos, geralmente formando uma estrutura de quatro pontos, ocupando o marco dianteiro e o traseiro. Desta forma, ocupam melhor o espaço e são melhores quanto à visibilidade;

• Cabinas alternativas, sem arco de segurança - Geralmente são fornecidas por fabricantes especializados em cabina que costumam utilizar duas opções:

§ Sem arco de segurança - Estas cabinas podem adaptar-se ao arco de segurança existente do trator, montando-se por fora ou por dentro da estrutura contra o capotamento. O problema é que estas também podem ser montadas sem o arco de segurança, o que de certa forma é inadmissível, pois oferecem uma idéia de proteção quando na verdade não a proporcionam.

§ Com arco de segurança - Possuem o seu próprio arco de segurança incluído na cabina e adaptado para os diferentes modelos de trator.

Atualmente, existem algumas possibilidades de compra de tratores com cabinas no nosso país e outras de equipar-se um trator que tenha sido comprado sem este item.

VISIBILIDADE

O campo visual é definido como sendo a área que pode ser visualizada pelo operador, com o mesmo sentado no banco do trator. Um bom campo visual é considerado essencial devido a diversos aspectos. Os dois principais referem-se ao tempo de reação e à fadiga. Sob boas condições de visibilidade, o operador tem uma capacidade de reação mais rápida, o que colabora para a diminuição dos riscos de acidentes e, também, aumenta a eficiência do trabalho. É importante salientar, ainda, que este tempo de reação aumenta sensivelmente a partir do momento em que o operador encontra-se fatigado em seu trabalho. Esta fadiga pode ser oriunda, dentre outras fontes, do próprio campo visual inadequado, o que leva o operador a movimentar-se constantemente para visualizar determinadas partes do conjunto trator-implemento. Como conseqüência, o operador fica mais exposto a acidentes e a doenças ocupacionais.

O campo visual pode ser influenciado por diversos fatores: altura do assento em relação à plataforma, porte do trator, características antropométricas do operador, presença, localização, ângulo em relação à direção de visão e largura de partes componentes, ângulo de inclinação da parte frontal do trator, entre outros. Portanto, a inclusão de itens relacionados ao conforto e segurança, como estruturas de proteção contra o capotamento e as cabinas, tende a diminuir o campo visual. O operador deve poder olhar para várias posições durante o trabalho, sendo prejudicado pela presença de colunas, espelhos, maçanetas, reforços etc.

RUÍDO no trabalho

Durante o trabalho, os operadores são expostos a fatores insalubres, dentre os quais destaca-se o ruído, pois este pode causar danos físicos e mentais irreversíveis como a perda de audição, que pode ocorrer de forma gradual. Analisando 111 tratoristas, Fernandes (1991) detectou 59,8% destes com problemas auditivos. A precocidade desta perda auditiva demonstra a severidade da exposição, sendo que 42,9% de pessoas com até cinco anos de trabalho em condições insalubres já apresentam perda de audição induzida por ruído. Ruídos acima de níveis considerados salubres, além de prejudicar a saúde do operador, afetam negativamente seu desempenho no trabalho e aumentam o risco de acidentes, pois reduzem sua capacidade de concentração.

Fisicamente, o ruído pode ser definido como sendo um som ou uma mistura complexa de sons, que causam uma situação de desconforto. Na prática, o som no ar é uma variação na pressão atmosférica normal.

A unidade mais usual para a medição do ruído é o Decibel (dB). Porém, para melhor avaliar a sensação causada, deve-se expressá-lo em pressão sonora. Isto porque um aumento de 6 dB duplica a pressão sonora, de onde se conclui que pequenos acréscimos no nível de ruído, em dB, acarretam em um grande aumento de pressão sonora.

A perda da capacidade auditiva é função do tempo de exposição e do nível de ruído, sendo também importante a freqüência de exposição e a sensibilidade de cada operador. É importante considerar, ainda, que as peculiaridades de cada operação agrícola causam variação na carga a qual está submetido o trator e no ruído emitido. Em função desses fatores, fica difícil estabelecer limites rígidos de insalubridade. O limite máximo, para uma jornada média de trabalho de 8 h, é de 85 dB, sendo que a cada 5 dB de acréscimo ao ruído, reduz-se em 50% a máxima exposição diária permissível.

A origem do ruído em tratores com cabinas são:

• Transmissão pela ancoragem da estrutura da plataforma;

• Transmissão pelos batentes das portas;

• União entre vidros das janelas e estrutura;

• Circulação do ar da ventilação ou do ar condicionado;

• Entrada forçada de ar por orifícios e frestas.

Estudos sobre os ruídos produzidos pelos tratores vêm sendo feitos desde a década de 30. Os níveis encontrados estão em uma faixa alta, sendo que operá-los torna-se insalubre. Ortiz (1989) avaliou 128 tratores, em condições de trabalho, sendo encontrados valores maiores de 90 dB, com a maior parte dispersa na faixa de 90-97 dB. Estes níveis de ruídos podem variar conforme a marca, modelo, potência e rotação do motor; marcha, implemento, umidade e tipo de solo. Outros aspectos analisados foram as fontes de ruídos. No motor, a exaustão foi caracterizada como a principal, seguida da hélice, filtro e vibrações mecânicas.

Uma alternativa simples, para proteção do aparelho auditivo do operador, seria a utilização de protetores auriculares, porém dados de pesquisa revelam que somente 7,2 % dos operadores declaram utilizar algum tipo de proteção nos ouvidos. A modificação da posição do escapamento e o redimensionamento foram estudados por Fernandes (1991). A maior redução no nível de ruído encontrada foi de 16 dB, quando utilizado o escapamento redimensionado e recolocado na parte inferior do equipamento. Neste contexto, as cabinas para tratores agrícolas, como forma de diminuir a exposição do operador aos ruídos, trazem os maiores benefícios, conseguem também isolar o operador de injúrias como sol, chuva, poeira, gases e calor do motor, deriva de defensivos, vibrações, e outros.

Poucas são as avaliações feitas em nível nacional, visando quantificar o efeito redutor do ruído pelas cabinas. Dados extraídos de trabalhos estrangeiros mostram reduções significativas. Pesquisas realizadas em Nebraska, EUA indicam que o aperfeiçoamento das cabinas vem tornando-as mais eficientes na redução do ruído, pois, em uma comparação entre cabinas fabricadas com 13 anos de intervalo, entre 1971 e 1984, houve uma boa evolução.

José Fernando Schlosser,

NEMA -UFSM

* Confira este artigo, com fotos e tabelas, em formato PDF. Basta clicar no link abaixo:

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