Na agricultura, o modo mais eficaz de controlar as pragas é a introdução de variedades resistentes. Na pecuária, existem “pragas” de difícil controle, como o carrapato que parasita os bovinos (
). Felizmente, para os pecuaristas, existem raças naturalmente resistentes a esse carrapato, que são todas as raças zebuínas. Essa espécie de carrapato é muito patogênica, principalmente para bovinos suscetíveis, como é o caso das raças bovinas de origem européia.
Os zebuínos, pela sua localização geográfica de origem (Índia e continente africano) e convivência milenar com esse parasita tropical, também originário dessas regiões, adquiriram importantes defesas contra a infestação de carrapatos, e mantêm um perfeito equilíbrio hospedeiro-parasita, de modo que nos hospedeiros resistentes os prejuízos são mínimos ou não existem. Esses animais possuem um eficiente sistema de defesa contra o parasita, que os impede de se fixar e causar malefícios: eles são extremamente sensíveis às larvas do carrapato; quando elas estão tentando se fixar em sua pele, ficam incomodados, sentem coceira no local, e, coçam-se com a língua, retirando, dessa forma, grande quantidade de larvas, que uma vez ingeridas, são mortas. Pouquíssimos carrapatos nos bovinos resistentes conseguem chegar até a fase de fêmea ingurgitada (a que se visualiza bem, e que parece uma mamona ou jabuticaba).
Depois que a fêmea se alimenta de sangue, ela se desprende do animal e cai no solo para ovipor. A quantidade de ovos postos por uma fêmea é diretamente proporcional ao peso que ela atingirá, o que, por sua vez, está diretamente relacionado à quantidade de sangue ingerido. Os animais resistentes têm defesas imunológicas que atrapalham a ingestão de sangue pelas fêmeas do carrapato, de modo que elas não alcançam o mesmo tamanho que alcançariam se estivessem se alimentando em um hospedeiro suscetível. Com isso, as poucas fêmeas de
que conseguem se fixar e alcançar o estágio adulto, atingem um pequeno tamanho, e, conseqüentemente, irão pôr menos ovos, o que diminui significativamente a população de carrapatos na pastagem. Portanto bovinos resistentes podem ser considerados controladores biológicos do carrapato, pois não permitem que as larvas atinjam a fase adulta, e, por isso, impedem a reprodução do carrapato, quebrando seu ciclo parasitário.
No entanto, é preciso ficar-se atento, pois, mesmo em uma população de animais resistentes, podem existir animais suscetíveis, que permitam maior quantidade de carrapatos chegar à fase adulta. Mas se isso acontecer, basta eliminar do rebanho esses poucos animais mais parasitados. O mesmo procedimento não é recomendável para animais de origem européia. Nas populações de bovinos de raças européias, a maioria é suscetível ao parasita, embora existam, em baixa freqüência, animais resistentes. Caso os suscetíveis fossem eliminados, isso inviabilizaria a criação desses animais, e ficaria anti-econômico.
Trabalho realizado recentemente pelo Instituto de Zootecnia (Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo), em Nova Odessa (SP), revelou que animais das raças zebuínas Nelore e Gir não precisam de carrapaticida para controlar sua baixa infestação, mesmo quando esses animais pastejam junto com bovinos suscetíveis (Holandês e mestiços).
Animais mestiços, filhos do primeiro cruzamento entre um animal zebuíno e um europeu, recebem do pai ou mãe zebu a característica resistência ao carrapato, e do pai ou mãe europeu, as características produtivas, como ganho de peso ou alta produção leiteira, e, por isso, têm alta produtividade em nosso meio, onde o carrapato está presente. À medida em que vai se introduzindo sangue europeu no mestiço (5/8, 3/4, 7/8 de sangue europeu), a característica resistência ao carrapato vai se diluindo e desaparecendo, o que torna o mestiço cada vez mais suscetível ao parasita, e, portanto, menos produtivo, já que o carrapato causa perda do apetite, anemia e intoxicação, que levam à perda de peso, diminuição da produção leiteira, e, até mesmo, morte do animal.
A resistência ao carrapato é uma característica hereditária, transmitida de pai para filho, portanto, deve ser estimulada a seleção para essa característica, já que os carrapatos causam inúmeros prejuízos aos bovinos suscetíveis e o seu controle com o uso dos carrapaticidas convencionais está cada vez mais difícil, em função da resistência que esses parasitas vêm adquirindo aos produtos químicos, ao longo de todos esses anos de contato com os produtos.
A aparência externa do animal pode ajudar na seleção dos animais resistentes. Trabalho realizado por pesquisadores do Instituto de Zootecnia, em Nova Odessa (SP), revelou que nos animais mestiços existe uma grande relação entre o comprimento do pêlo e a infestação por carrapatos. Portanto, deve-se selecionar aqueles animais com pêlo bem curto, semelhante ao pêlo dos animais zebuínos. Verificou-se também neste trabalho, em um rebanho da raça Jersey, que, embora de origem européia, esses animais têm pêlos muito curtos e pequena infestação de carrapatos. Em outro trabalho, realizado também no Instituto de Zootecnia, em Sertãozinho (SP), a raça Caracu apresentou pêlos curtos e baixa infestação de carrapatos.
O controle biológico do carrapato por meio da utilização de fungos entomopatogênicos (
) e plantas com poderes acaricidas tem sido foco de pesquisas por todo o Brasil. Os fungos estão sendo, inclusive, comercializados, porém, os resultados de pesquisa com a aplicação do fungo nos animais, ou sua aplicação na pastagem, ainda não atingiram índices satisfatórios de controle.
Os estudos com plantas de efeitos repelentes e/ou acaricidas ainda estão no início, porém, trabalhos que utilizaram óleos essenciais e concentrados emulsionáveis de eucalipto e rotenóides extraídos do timbó (
) mostraram-se promissores no controle desse ácaro. Já, o Nim (
), propalada planta com ação inseticida, testada na forma de óleo, extrato alcoólico ou aquoso, teve baixa ou nenhuma eficácia sobre fêmeas ingurgitadas e larvas do carrapato em ensaios de laboratório e no campo, além de possuir efeito abortivo. A citronela possui afeito de repelência.
Quanto aos inimigos naturais, vertebrados (ex: aves, ratos, camundongos e sapos) e invertebrados (ex: formigas, aranhas, “tesourinhas”) são apontados como predadores potenciais. Desses, destacam-se aves, tais como a “garça vaqueira” e as galinhas comuns.
Terapêuticas alternativas, como a homeopatia, vêm sendo muito utilizadas no campo, algumas vezes com muito sucesso no controle do carrapato, porém, ainda sem respaldo da comunidade científica.
Vacinas desenvolvidas no Brasil, que afetam a viabilidade das fêmeas ingurgitadas e diminuem ou impedem a oviposição, estão sendo estudadas por vários grupos de pesquisadores. A mais avançada em seus estudos de desenvolvimento e que está prestes a ser comercializada é a vacina desenvolvida na Universidade Federal de Viçosa pelo grupo liderado pelo professor Joaquín Patarroyo Salcedo.
O uso da “flor de enxofre” no sal ou alimentos para controlar o carrapato já foi pesquisado. Em alguns trabalhos, essa prática diminuiu significativamente a infestação dos animais tratados em relação aos controle, embora o grau da infestação ainda tenha ficado acima do limite máximo aceitável para o gado.
Contudo, a criação de animais resistentes (todas as raças zebuínas), ou menos suscetíveis (Jersey, Caracu e todas as raças mestiças sintéticas), é a forma mais eficiente (controle efetivo da população de carrapatos), econômica (não há gastos com carrapaticida, perda de peso, leite, mortalidade) e ecológica que existe de controlar o carrapato-do-boi (não há problema de intoxicação para animais e o homem, e de resíduos de produtos químicos no ambiente e no animal), portanto, deve ser incentivada.
Cecília José Veríssimo
Instituto de Zootecnia (APTA/SAA-SP)
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