Agro: o vetor da recuperação brasileira

Por Pedro Abel Vieira, Antônio Marcio Buainain, Roberta Dalaporta Grundling e Elisio Contini, pesquisadores da Embrapa

19.12.2022 | 09:32 (UTC -3)
Foto: Olímpio Oliveira Filho
Foto: Olímpio Oliveira Filho

“Ventos malignos sopram no planeta azul". A frase do sociólogo Manuel Castells não poderia ser mais atual dada a sequencia de eventos negativos dos últimos anos. Em 2022, quando cadeias produtivas estavam se reestabelecendo e estava se reorganizando a ordem logística, a força de trabalho e o capital quando eclode o conflito armado na Ucrânia.

Nesse cenário instável, desafios são impostos a todos os países de forma desigual e em horizonte temporal indefinido. No ambiente pós-pandemia/guerra certamente se apresentará uma nova ordem marcada por disputas pelos recursos internacionais, os quais buscam oportunidades de investimentos calcadas no acrônimo ESG (Environmental, Social and Governance). Inúmeros atores e grupos de países com interesses e agendas voltadas para a retomada do crescimento hão de requerer exames completos dos modelos de negócios e o fortalecimento dos setores que possam contribuir de modo sustentável com a pronta recuperação da vida social. Mas, como o Brasil se encaixa na equação da nova ordem que emergirá? O País possui todas as condições para se tornar potência na geração de riqueza a partir de sistemas produtivos ‘verdes’, porem, o caminho a percorrer não é tão simples como parece.

Dentre as opções de investimento ‘verde’, em que pesem algumas distorções ambientais, mais associadas ao descaminho do que aos sistemas produtivos, não há dúvidas sobre o potencial do setor agrícola brasileiro. Pela disponibilidade de recursos naturais, particularmente terra e água, pela capacidade empresarial e por deter tecnologia para a produção nos trópicos, o Brasil é um dos poucos candidatos a ter poder no suprimento mundial de alimentos. A trajetória da agricultura brasileira em seus diversos ciclos (Pau Brasil, Cana de Açúcar, Borracha, Café, Erva Mate) não foi trivial, sendo marcada pelo uso da tecnologia e inserção no mercado mundial. Desde a economia canavieira no período colonial, considerada como modelo precursor do atual agronegócio ao integrar as atividades agrícola e industrial, até a recente expansão dos grãos, com destaque à soja cuja participação no Valor Bruto da Produção Agropecuária passou de 13 em 2000 para 27% em 2021, e as carnes, as transformações têm garantido um ritmo de inovações tecnológicas com ênfase na mecanização da produção agrícola e na modernização das atividades ‘depois da porteira’.

A questão é que, apesar das várias agriculturas existentes no Brasil e dos tímidos aumentos nas participações de amendoim e uva no Valor Bruto da Produção Agrícola, há mais de duas décadas que o chamado agronegócio brasileiro está calcado em poucos sistemas de produção com tendência a concentração nos grãos, nas carnes e no algodão. Importante notar que produtos importantes tanto na geração de riqueza quanto na geração de empregos como a cana de açúcar e o café tendem a perder importância. Esse é um alerta importante uma vez que o agro, um dos mais importantes vetores histórico para o desenvolvimento do país, tende a perder dinamismo na geração de emprego.

O mercado de trabalho no Brasil, em linha com a tendência mundial, tende ao setor de serviços. A questão é que, diferentemente das economias mais desenvolvidas, o setor de serviços brasileiro é bastante heterogêneo quanto ao porte das empresas, à remuneração média e à intensidade do uso de tecnologias. Mesmo havendo um grupo de maior produtividade (P&D e marketing) e que agrega valor ao produto, com salários e inserção mais favorável das pessoas ocupadas no mercado de trabalho, a predominância é dos ‘serviços de custo’, como logística e infraestrutura, que operam como um custo de produção com resultados bem menos favoráveis que os ‘serviços de agregação de valor’.

A dinâmica de inovação e especialização da agricultura brasileira não foi em vão uma vez que possibilitou ao país escalar a sua produção e ocupar lugar de destaque em vários produtos no mercado mundial. A questão é que, a despeito da dinâmica virtuosa na geração de riqueza, o setor agrícola vem perdendo importância no mercado de trabalho sendo o único que reduziu (2,3 milhões de vagas) os empregos quando comparados os anos de 2000 e 2015. Por outro lado, os transbordamentos da produção agrícola são consideráveis. Em 2021, aproximadamente 45% dos empregos gerados pelo agronegócio ocorreram dentro do setor primário, 32% no setor de serviços e 21% na indústria.

Os dados do emprego no agronegócio sugerem a importância do setor para a retomada do crescimento econômico, além da sua importância como fornecedor de alimentos. A questão é, mesmo considerando os encadeamentos na indústria e nos serviços, a renda do emprego gerado pelo agronegócio é baixa quando comparada aos demais setores da economia. Mesmo a produção de insumos que oferece as melhores rendas ao pessoal do agronegócio, a qualificação da mão de obra é aquém da observada em atividades semelhantes nos demais setores da economia. Quando comparada a agroindústria com as demais indústrias de transformação, os trabalhadores da agroindústria têm salários inferiores. Desse diferencial, parte é atribuída ao fato de que o nível médio de escolaridade nesse segmento é 14% inferiores.

Nesse cenário, é importante lembrar que, devido às particularidades e desafios (clima, incidência de pragas e doenças etc.) para a prática da agricultura em clima tropical, a assertividade proporcionada pela Agricultura 4.0 e o uso de insumos ‘verdes’, notadamente os biológicos, são centrais para os ganhos de produtividade de forma sustentável.

A agricultura 4.0, baseada na gestão de dados e uso de bioinsumos, é uma alternativa promissora como estímulo à geração de empregos qualificados no agro nacional e devem ser perseguidos com vigor. Porém, para a colheita dos frutos ainda há um longo caminho a ser percorrido e é necessário superar desafios de déficit em infraestrutura e de mão de obra qualificada. Ou seja, apesar do potencial da agricultura 4.0 e dos bioinsumos para gerar empregos, é preciso estimular produções agropecuárias consolidadas, que tenham capacidade de resposta em curto período de tempo e demandem menor volume de investimentos a exemplo da fruticultura.

A capacidade de geração de empregos, inclusive serviços qualificados, da fruticultura é relevante. Estima-se que, para cada emprego gerado pela fruticultura ‘dentro da porteira’, que em media ocupa mais de cinco trabalhadores por hectare, outros sete são gerados fora da porteira. Em 2021, a fruticultura empregou 11,5% do total de postos de trabalho na agropecuária com aumento de 9% em relação ao ano anterior. A produção brasileira de frutas superou 40 milhões de toneladas, ocupando menos de 0,5% do território nacional, uma fração insignificante quando comparado aos 7% ocupados pelos grãos. São mais de 940 mil estabelecimentos agropecuários distribuídos em todas as regiões do país, dos quais, 81% são familiares. As exportações de frutas renderam quase US$ 2 bilhões em 2021 com predominância de apenas sete frutas (manga, melão, uva, limão, maçã, melancia e mamão). A excelência e a diversidade da cesta de frutas brasileiras (mais de 40 espécies) têm potencial para ampliar em muito a participação e o período de oferta no mercado internacional, com repercussões quase que imediatas para o emprego. A fruticultura está ‘caindo de madura’ para contribuir com a recuperação do Brasil, porem, o poder público necessita construir pontes interligando o produtor nacional ao mercado internacional.

Por Pedro Abel Vieira, Antônio Marcio Buainain, Roberta Dalaporta Grundling e Elisio Contini, pesquisadores da Embrapa

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