Sistema de Classificação de Terras para Irrigação ganha versão nacional

Plataforma ajuda a selecionar melhores áreas para irrigar de acordo com o solo, sistemas de irrigação e cultura vegetal

21.02.2022 | 16:10 (UTC -3)
Embrapa
Plataforma ajuda a selecionar melhores áreas para irrigar de acordo com o solo, sistemas de irrigação e cultura vegetal. - Foto: SilvioTavares
Plataforma ajuda a selecionar melhores áreas para irrigar de acordo com o solo, sistemas de irrigação e cultura vegetal. - Foto: SilvioTavares

A Embrapa Solos (RJ) desenvolveu um sistema de classificação de terras para irrigação adaptado às condições brasileiras que foi expandido recentemente para todo o território nacional. Criado inicialmente para a região do Semiárido, em parceria com a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), o Sistema Brasileiro de Classificação de Terras para Irrigação (SiBCTI) é fundamental para subsidiar a seleção de áreas agrícolas a serem irrigáveis, a fim de maximizar o retorno econômico, mas sem perder de vista a exploração sustentável dos recursos naturais.

A metodologia do SiBCTI permite definir a potencialidade de determinado ambiente para desenvolver culturas agrícolas sob determinada tecnologia de irrigação, classificando a aptidão e o potencial das terras para esse fim. A partir dessa metodologia, foi desenvolvido um software que está habilitado a fornecer informações, em todos os biomas brasileiros, para as culturas de acerola, goiaba, banana, manga, cana-de-açúcar, melancia, cebola, melão, coco, milho, feijão, uva, capim elefante e café arábica. As culturas da soja e do arroz devem ser acrescentadas ao sistema em breve. 

O pesquisador da Embrapa Solos (RJ) Fernando Cézar do Amaral, idealizador do projeto do SiBCTI, explica que o sistema está estruturado em planos de informação. Um deles inclui as variáveis relacionadas às características de várias plantas. Outro grupo reúne dados sobre qualidade e custo de captação da água de irrigação e considera os principais sistemas de irrigação utilizados. “A classificação é feita analisando as limitações do ambiente, especificamente a cada cultura vegetal e a cada sistema de irrigação. A metodologia conta ainda com uma classificação generalizada, que se aplica bem aos estudos de pré-viabilidade e a levantamentos de solo, de menor escala ou mais generalizados,” detalha o cientista.

Acompanha o SiBCTI um programa de computador desenvolvido em linguagem Java, com interface web, acessível a partir de qualquer plataforma, que facilita a obtenção da classificação do ambiente pelo usuário. Destinado principalmente a gestores e técnicos da área agrícola, professores e consultores, o software ajuda a planejar, revisar ou adequar projetos de irrigação a serem desenvolvidos ou já implantados, no intuito de otimizar a escolha das áreas agrícolas. Um curso on-line gratuito, oferecido de forma contínua pela Embrapa Solos, ensina a operacionalizar o programa (veja detalhes abaixo).

De acordo com o pesquisador da Embrapa Silvio Tavares, com o adequado uso do sistema, é possível evitar que terras que não possuam aptidão para irrigação sejam incluídas no processo produtivo, minimizando o impacto ambiental e a perda de recursos financeiros. Por outro lado, a partir do embasamento em uma avaliação afinada com as características do ambiente, o SiBCTI permite que áreas antes consideradas “não-irrigáveis” possam ser classificadas como “aptas à irrigação”. 

“O sistema também possibilita o uso racional da água nos processos de irrigação, além de prevenir a salinização dos solos manejados, um grave problema ambiental e econômico, especialmente no Semiárido”, acrescenta.

Curso gratuito ensina a operar software do SiBCTI

Desde dezembro de 2021, está disponível o curso à distância que ensina a utilizar o software do SiBCTI, oferecido pela plataforma e-Campo do Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) da Embrapa. As inscrições são gratuitas e as aulas podem ser assistidas a qualquer momento, seja no computador, tablet ou celular – acesse em https://www.embrapa.br/e-campo/sibcti.

Com carga horária de 40 horas, o curso é auto instrucional, permitindo que o usuário siga seu próprio ritmo, oferecendo flexibilidade nos estudos. 

É destinado principalmente a profissionais e estudantes das diversas áreas da engenharia, técnicos agrícolas, agentes de transferência de tecnologia e de assistência técnica, projetistas de irrigação, tomadores de decisões dos setores público e privado, consultores técnicos e planejadores agrícolas.

Como funciona o SiBCTI?

O SiBCTI é um sistema especialista de tomada de decisão, cujo elemento principal é a informação. Seu objetivo é armazenar e tratar os dados fornecidos pelo próprio usuário do sistema para entregar a classificação automática da terra para fins de irrigação. 

De acordo com Amaral, com apenas alguns cliques de escolha de campos e alguns dados de entrada, o usuário final insere as informações solicitadas pelo sistema em algumas telas. Estando sem pendências e sem valores anormais, o programa cruza todos os dados relacionados aos diferentes planos de informação (solo x cultura vegetal x qualidade e custo da água x sistema de irrigação) e apresenta a classificação final indicada para aquela situação apresentada pelo usuário.

O pesquisador explica que as informações solicitadas são 18 parâmetros relacionados ao solo como profundidade, quantidade de cálcio e magnésio, pH do solo medido em água, capacidade de água disponível, condutividade elétrica, mineralogia da argila, posição na paisagem, topografia, condutividade hidráulica, velocidade de infiltração básica, pedregosidade e rochosidade; além de sete parâmetros relacionados à qualidade e custo de captação da água para irrigação, como condutividade elétrica, relação ou razão de adsorção de sódio, distância de captação d’água e presença de boro, ferro e cloreto. 

A operação do sistema exige conhecimentos técnicos, e para facilitar a vida do usuário a equipe da Embrapa Solos elaborou um manual de métodos dos parâmetros exigidos pelo sistema e um documento que detalha os valores e intervalos de todos os parâmetros solicitados pelo software por cultura agrícola e método de irrigação.

Histórico do SiBCTI

A primeira versão do SiBCTI foi lançada em 2005 e era específica para o Semiárido. Foi resultado da cooperação entre a Embrapa e a Codevasf, com o apoio de diversas instituições e profissionais atuantes nas áreas de pedologia e irrigação.

A segunda versão, entregue à sociedade em 2012 e ainda voltada ao Semiárido, trazia atualizações e ampliações no banco de dados e novas funcionalidades relacionadas a potencial e limitações dos elementos solo, água e cultura vegetal. Houve também avanços na estrutura de tecnologia da informação, o que permitiu o acesso às informações em ambiente web. 

A partir de 2016, contando com o apoio do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), um grupo de trabalho liderado pela Embrapa Solos deu início à formulação da versão nacional, para abarcar todos os biomas brasileiros. A nova edição foi oficialmente entregue no fim de 2020.

Desde a primeira versão do SiBCTI, diversos treinamentos presenciais foram oferecidos e realizados pelos pesquisadores e técnicos da Embrapa Solos a diversas instituições de pesquisa, ensino e extensão rural, bem como para associações e cooperativas de produtores e empresas e instituições que trabalham diretamente na área de irrigação no País.

Irrigar para aumentar a produção de alimentos

Para Silvio Tavares, a irrigação será cada vez mais importante na elaboração de qualquer planejamento estratégico visando à segurança alimentar. Isso porque, segundo estudo de 2015 da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), 80% da produção adicional de alimentos necessária para atender às demandas mundiais serão provenientes de áreas irrigadas. 

“Um dos maiores desafios da humanidade neste século é garantir a produção de alimentos para todas as pessoas do planeta, independentemente das diferenças sociais, econômicas e ambientais e dos lugares onde elas vivem”, alerta o pesquisador. Ele acrescenta que o mesmo estudo da FAO revelou que, para conseguir atender a toda essa demanda, seria necessário um aumento real de 60% na produção mundial de alimentos até o ano de 2050.

A irrigação, ainda de acordo com Tavares, é um dos mais poderosos meios de superar o desafio de aumentar a produção de alimentos para o patamar necessário. Isso porque a atividade possui vários fatores limitantes: a redução das fronteiras agrícolas; a assimetria entre crescimento populacional, da produção de alimentos e da oferta hídrica; o aumento da demanda por alimentos variados e de melhor qualidade; o aumento crescente por fibras e agroenergia e o aumento das exigências ambientais em todo o planeta.

A agricultura irrigada é a atividade humana que mais consome água. O percentual de área irrigada no mundo corresponde a menos de 20% de toda a área agrícola cultivada, produzindo mais de 40% de toda a produção do planeta. O Brasil possui 75,9 milhões de hectares de área plantada, mas apenas 9% dela (6,95 milhões de hectares) são irrigadas. Por sua vez, a área irrigada potencial no País gira em torno de 29 milhões a 75 milhões de hectares. 

“O Brasil já é um grande player mundial no suprimento de alimentos e será chamado cada vez mais para atender essas crescentes demandas mundiais, em quantidade e qualidade. Por esse motivo, será preciso otimizar o aproveitamento das áreas irrigadas”, prevê Tavares, frisando que essa otimização só será possível com o uso integrado de inúmeras tecnologias, como o desenvolvimento genético de plantas que demandem menos água no seu ciclo de vida; a adoção de sistemas de irrigação de precisão; aproveitamento agrícola de águas de qualidade inferior; uso de fontes alternativas de energia para irrigação e de instrumentos e sistemas para o manejo eficiente da água. 

“É importante ressaltar que todos esses esforços serão em vão se, na concepção dos projetos de irrigação, forem escolhidas áreas com baixa ou sem nenhuma aptidão para expressar um potencial das terras que justifique os investimentos físicos e de recursos financeiros para tornar as áreas irrigadas viáveis e sustentáveis dos pontos de vista ambiental e econômico”, pondera o cientista.

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