Em 1997, um grupo de pesquisadores liderado pela Embrapa Solos (Rio de Janeiro-RJ), entregou à comunidade científica o resultado de um estudo que era prioridade nacional para as instituições de ensino, pesquisa e extensão desde os anos de 1970: o Sistema Brasileiro de Classificação de Solos (SiBCS).
Hoje, todos os cursos de agronomia do país o utilizam como livro texto nas disciplinas que tratam do tema classificação de solos e, em 2018, o aplicativo Smartsolo pretende levar o SiBCS para celulares e tablets.
“Sabendo a classificação do solo de determinada área, conhecemos várias informações a respeito dele”, revela o pesquisador da Embrapa Solos Mauricio Rizzato Coelho. “Existe uma relação direta com o crescimento da planta; sobre onde devemos ou não, por exemplo, construir uma estrada ou um aterro sanitário”, completa o cientista. Metáforas automobilísticas também ajudam a entender a importância do SiBCS, que está em constante atualização. “Quando alguém diz ‘comprei um Fusca’, associamos a várias características, é aquele carro redondo, econômico, sem porta-mala..., diz, bem-humorado, José Coelho, cientista da UEP Recife/Embrapa Solos. “O mesmo acontece com o solo, quando sabemos seu tipo em determinada área o associamos a um pacote de informações sobre a sua química, física e mineralogia. Isso é fundamental para o correto uso, manejo e a conservação dos solos dessa área”.
Ao separar na paisagem uma área de latossolo vermelho amarelo distrófico, por exemplo, os estudiosos sabem que ele geralmente ocorre em relevo plano, sem problemas de mecanização, é pobre em nutrientes, precisa de adubação e calagem; no entanto, não costuma ter problemas em sua estrutura física.
Passado
Essa história, da classificação do solo, teve sua primeira publicação em 1938, nos Estados Unidos. Por aqui, ela gerou até um best-seller para a Embrapa: o livro ‘Sistema Brasileiro de Classificação de Solos’, com suas 353 páginas, é o segundo livro mais vendido pela Embrapa (o primeiro é ‘Cerrado, correção de solo e adubação’), com mais de 13 mil cópias comercializadas entre 2002 e 2014. Ele é adotado por universidades em todo Brasil. A versão em e-book também está disponível, em http://vendasliv.sct.embrapa.br/liv4/consultaProduto.do?metodo=detalhar&codigoProduto=00084450
“As primeiras classificações de solo eram conhecidas como aproximações e foram feitas em 1978, 81, 88”, recorda Paulo Klinger Jacomine, professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco.
Até 1997 - quando foi lançada sua primeira versão completa - o SiBCS era debatido de maneira restrita. Sua primeira edição em livro foi publicada em 1999. “Ao mesmo tempo em que lançamos o livro definimos os membros do Comitê Executivo do Sistema Brasileiro de Classificação de Solos. A impressão do livro marca também a apresentação do sistema para a comunidade cientifica brasileira”, conta Lucia Helena C. Anjos, professora da UFRRJ. Além do Comitê Executivo, também existem o Comitê Assessor Nacional, comitês regionais e núcleos de discussão e colaboração.
Vale lembrar que existem dois grandes sistemas internacionais de classificação de solos: o norte-americano, mencionado anteriormente, é conhecido como soil taxonomy. Já o World Reference Base (WRB), desenvolvido pela FAO/ONU, que contou com apoio da comunidade científica brasileira na sua elaboração, é adotado pela Sociedade Internacional de Ciência do Solo e pela Comunidade Europeia. O Brasil é o único país em desenvolvimento que possui um sistema próprio. Nossa vizinha Argentina, por exemplo, usa os dois sistemas de âmbito mundial; enquanto o Uruguai utiliza o norte-americano. “Nosso sistema ajuda para que falemos a mesma língua no Brasil quando o assunto é solo. Padronizamos as características e os nomes para que todos entendam”, esclarece Maurício Rizzato.
No campo
Mas não é apenas nas reuniões acadêmicas, em salas e auditórios, que o SiBCS é atualizado. A experiência no campo é fundamental e, para isso, existem as reuniões de classificação e correlação de solo (RCC). Elas acontecem a cada dois anos, com 10 a 12 dias de duração. A mais recente, em setembro de 2017, atravessou o estado de Rondônia por 11 municípios (Porto Velho, Ariquemes, Machadinho d´Oeste, Ouro Preto do Oeste, Rolim de Moura, Alta Floresta d´Oeste, Pimenta Bueno, Pimenteiras d´Oeste, Colorado d´Oeste, Cabixi e Vilhena). Durante essa XII RCC, pesquisadores especialistas em solos de diversas instituições de todo o País, percorreram o roteiro de viagem de campo para descrever os solos, discutir seus atributos e sua classificação, bem como fazer correlações in situ entre ocorrências na região amazônica das classes de solos, sua natureza e propriedade, além de suas características geoambientais, vulnerabilidades e potencialidades para uso agrícola. Foi uma grande oportunidade de troca de conhecimento e aprimoramento. Essa é uma particularidade importante das RCCs, de levar os pesquisadores em locais de ocorrência dos solos a serem estudados. “Essa itinerância e prática é o diferencial em relação aos demais eventos da área de ciência do solo, repercutindo nos resultados alcançados”, avaliou Maria de Lourdes Mendonça, chefe geral da Embrapa Cocais (São Luís-MA).
A disputa por um lugar na RCC é acirrada entre os pedólogos (estudiosos do solo no seu ambiente natural), assim como a briga para sediá-la. Para a próxima edição, em 2019, Amazonas, Goiás e Maranhão se ofereceram para receber os cientistas.
Pronasolos
Com o avanço da ciência e o surgimento de novas tecnologias no começo do século como o geoprocessamento, mapeamento digital de solos e o monitoramento agrícola por satélite, o levantamento de solo no campo foi colocado numa indesejável berlinda. “Lembro que, no Congresso Brasileiro de Ciência do Solo, que aconteceu em Gramado, em 2007, corriam até boatos sofre o possível fim da pedologia”, recorda Lucia Helena.
Apesar dos momentos difíceis pelos quais passou a pedologia vem ganhando novamente o interesse da sociedade no Brasil e no mundo, pois não se pode deixar de considerar o recurso solo em todas as questões de produção de alimentos, fibras e energia, mudanças climáticas e sustentabilidade ambiental. “Conhecer os solos para melhor manejá-los pela otimização da aplicação de práticas agronômicas sustentáveis, bem como para executar planejamento de uso das terras através de zoneamentos, tornou-se indispensável, inclusive para a definição de políticas públicas”, afirma Maria de Lourdes Mendonça.
Além disso, o anúncio da realização do Programa Nacional de Solos do Brasil (Pronasolos), trouxe o levantamento de solo para o centro do debate acadêmico no Brasil. O Programa é um trabalho inédito de grandes proporções que irá elevar o conhecimento sobre os solos brasileiros. Coordenado pela Embrapa, ele pretende mapear o território brasileiro e gerar dados com diferentes graus de detalhamento para subsidiar políticas públicas, auxiliar gestão territorial, embasar agricultura de precisão e apoiar decisões de concessão do crédito agrícola, entre muitas outras aplicações. Orçado em até R$ 5,5 bilhões de reais, o Pronasolos deve gerar ganhos de R$40 bilhões ao País dentro de uma década, de acordo com especialistas.
“O fato de termos um sistema de classificação feito aqui, adequado às nossas condições vai fazer com que geremos informações com mais qualidade para o Pronasolos”, afirma Maurício Rizzato. Por outro lado, o Programa também vai permitir que, conhecendo melhor o solos de diversas regiões do país, o SiBCS se torne ainda mais útil. “Dessa maneira criamos uma relação de cooperação entre o SiBCS e o Pronasolos, um alimenta o outro”.
O Pronasolos envolverá diversos ministérios e órgãos federais em torno de um objetivo: fazer o mapeamento do solo de norte a sul do Brasil no período entre 10 e 30 anos, em escalas que tornem viáveis a correta tomada de decisão e estabelecimento de políticas públicas nos níveis municipal, estadual e federal – 1:25 mil, 1:50 mil, 1:100 mil, respectivamente. Isso significa que cada um centímetro do mapa corresponde a um quilômetro de área (na escala de 1:100 mil). A definição das escalas dependerá das prioridades governamentais. O maior detalhamento (de 1:25 mil) é desejável, por exemplo, para o planejamento de propriedades e na agricultura de precisão, o que vai influenciar diretamente na concessão de crédito rural.
Futuro
Para 2018 espera-se que a classificação do solo chegue aos dispositivos móveis. O projeto Smartsolo, liderado pela Embrapa Solos, retende levar a classificação de solos para smartphones e tablets. Utilizando o SiBCS, ele vai permitir que o produtor rural visualize a classificação do seu solo em tempo real, de acordo com a entrada de dados.
"O SiBCS é uma referência no ensino de solos, na pesquisa e na extensão rural, além de ser um dos principais produtos da Embrapa. Se automatizado em linguagem acessível, além de poupar tempo e minimizar eventuais erros humanos, ele poderia, por exemplo, utilizar o reconhecimento de voz para entrada de dados, dispensando a digitação; organizar a saída de resultados em diferentes formatos de arquivo, e compartilhá-los instantaneamente, como email, wifi, bluetooth, 3G e 4G", revela Luís de França da Silva Neto, pesquisador da Unidade de Execução de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Solos, no Recife, PE. Além disso, o SMARTSolos vai fazer a correspondência das classes de solo do SiBCS com as classes de solo dos outros sistemas taxonômicos (Soil taxonomy e WRB) com um simples toque na tela do smartphone.
Já em agosto de 2018 o Rio de Janeiro vai receber o XXI Congresso Mundial de Ciência do Solo. Para este evento, que vai atrair mais sete mil pessoas de 140 países, o Comitê Executivo do SiBCS pretende lançar uma nova versão do Sistema e a inédita versão em inglês. “O Congresso será um plataforma incrível de divulgação do SiBCS”, antecipa uma otimista Lucia Helena.