Reunião da Câmara Setorial do Algodão avalia os impactos da Covid-19

A Câmara Setorial do Algodão é uma iniciativa do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa)

25.06.2020 | 20:59 (UTC -3)
Catarina Guedes

Iniciada a colheita de algodão há pouco mais de duas semanas, na maioria dos dez estados produtores do país, o que se pode afirmar com alguma precisão sobre a safra 2019/2020 no Brasil é que ela será grande ­– aproximadamente, 2,9 milhões de toneladas–, de alta produtividade (1795 quilos de pluma por hectare, em média) e de excelente qualidade, conforme já sinalizam os primeiros resultados dos exames de High Volume Instrument (HVI). Sobre o plantio do ciclo 2020/2021, e o tamanho da área plantada, os produtores presentes à 59ª reunião da Câmara Setorial do Algodão e Derivados, realizada “online” nesta quarta-feira (24/06), preferiram não arriscar qualquer número precipitado. A hesitação decorre das incertezas acerca dos rumos da pandemia da Covid-19, que afetou o mercado global, gerando efeitos em cascata desde o consumidor final, passando pela indústria nacional e as exportações, o que leva o produtor a ter cautela sobre o quanto plantar.

De acordo com a Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa), que preside a Câmara atualmente, em torno de 3% da área plantada de 1,62 milhão de hectares já foram colhidos até agora. A Câmara Setorial do Algodão é uma iniciativa do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), e é constituída por representantes dos principais elos da cadeia produtiva.

A Covid-19 aumentou a busca dos produtores por crédito, especialmente, para a armazenagem da pluma. A previsão da Abrapa e da Associação Nacional dos Exportadores de Algodão é de estoques de passagem maior. “Não temos notícias de cancelamentos de remessas até agora, mas os prazos para entrega estão sendo alongados, enquanto isso o produtor precisa infraestrutura para suas reservas, o que lhe permite também gerenciar suas vendas de acordo com as melhores oportunidades de mercado”, explicou o presidente da Abrapa, Milton Garbugio, destacando que o tópico foi contemplado no Plano Safra 2020, lançado na última semana, em Brasília.

Por causa da pandemia, os produtores estão pleiteando um novo ajuste no valor do Preço Mínimo da pluma, estabelecido pelo Mapa. Atualmente, em Real, ele está cotado a R$ 77,45 a arroba, o que já é o resultado de um reajuste ocorrido este ano. Antes, valia R$72 a arroba. De acordo com a Abrapa, o Preço Mínimo mais adequado à conjuntura atual seria de R$92 a arroba, R$14,55 a mais do que a cotação corrente. De acordo com o diretor executivo da Abrapa, Marcio Portocarrero, “é muito importante que o Preço Mínimo esteja equiparado à realidade, uma vez que ele é a referência para os programas do Governo para crédito, subvenção e seguro rural”, disse.

O custo do algodão no Brasil nesta safra está estimado em dólar US$0,60 por libra-peso, e é com base nele que os produtores calculam o parâmetro ideal.

Exportações

O presidente da Anea, Henrique Snicovski, também centrou sua análise sobre o quadro presente das exportações. A previsão inicial da Anea era de embarques da ordem de 2,1 milhões de toneladas, mas o advento do coronavirus obrigou a associação a uma revisão dos números levemente para baixo, para pouco menos de 2 milhões de toneladas de pluma. “O ciclo de exportações da safra 2018/2019 ainda não está encerrado. De julho de 2019 a meados de junho de 2020, o país já embarcou 1,89 milhão de toneladas de algodão”, afirmou Snitcovski. Segundo ele, o acumulado de junho é de 34 mil toneladas, mas a entidade acredita que chegará a cerca de 50 mil toneladas, dado que deverá ser consolidado no primeiro dia útil de julho.

“Apesar da revisão na meta, é importante lembrar que este é o maior registro de embarques de algodão que o Brasil já teve. No segundo semestre do ano passado, o país exportou 1,08 milhão de toneladas, o maior segundo semestre da série histórica, desde 1997”, diz Snitcovski.  Desde o final de abril até junho deste ano, os embarques estão sendo alongados. “No início da safra 2020, ainda teremos algodão da anterior para embarcar”, adverte.

Recordes a cada mês também foram batidos no primeiro trimestre deste ano, de janeiro a abril. “Maio já foi impactado pela pandemia, e, em junho, o número deve ficar perto de 50 mil toneladas, o que também não será a maior marca para este mês. De qualquer maneira, é muito representativo para o setor, uma vez que, de uma safra de cerca de 2,8 milhões de toneladas, vamos exportar quase dois milhões. Teremos um período desafiador à frente, não apenas com o alongamento dos embarques, mas de competitividade no mercado internacional. Por isso, é muito bom escutar que a safra 2019/2020 está vindo bem, com boa produtividade e qualidade”, conclui.

Mercado asiático

Ainda segundo a Anea, a China continua sendo o maior destino da pluma nacional, com 30% dos embarques. Na sequência, vem o Vietnam, com 15%; Bangladesh, com 12%; e, empatados, Indonésia, Paquistão e Turquia, com 10% cada um. Somados, esses seis principais mercados representam 90% dos embarques do Brasil. O país segue como o segundo maior exportador da pluma, com 20% do mercado do algodão. Cerca de 97% dos embarques se deram pelo Porto de Santos. Os 3% restantes seguiram pelos chamados portos do “arco norte” do Brasil e outros da região nordeste.

A pandemia também alterou o calendário de um dos mais importantes eventos da cotonicultura nacional, o Anea Cotton Dinner, que deveria acontecer a partir desta semana, mas foi postergado para o período de 30 de junho a 03 de julho de 2021.

Indústria

Gravemente abalada pelo coronavirus em 2020, a indústria têxtil lançou um sopro de otimismo para 2021, na reunião da Câmara Setorial. Entretanto, para 2020, o “mapa de calor” apresentado pela Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit) foi, praticamente, monocromático: vermelho, indicando péssimo desempenho e perspectivas em 2020, entre os meses de abril e junho. Em verde, com algum otimismo, as pretensões de exportações do setor, ainda que sujeitas ao momento de recessão nos mercados consumidores.

“Em junho do ano passado, nós estávamos com 73% do cenário verde, ou, na pior das hipóteses, cinza, e hoje estamos apenas com 7% na cor da esperança. Pior ainda quando consideramos que iniciamos 2020 com índices bastante elevados. A pandemia virou tudo de ponta-cabeça”, considera Fernando Pimentel, presidente da Abit.

Para o futuro, contudo – alertando que há muita econometria, passível de diversas revisões – a Abit prevê crescimento de 8,3% na produção têxtil; 7,4% no setor de vestuário; 6,5% na produção de roupas e 5,1% nos empregos. Nestes mesmos tópicos, atualmente, a indústria nacional registra queda de 18,3% no varejo; 13,8% na produção têxtil; 17% na produção de vestuário e de 43,6% em empregos.

“Este dado mostra que, não havendo nada mais complicado à frente, sairemos de uma queda de consumo de 45% para menos 18%, de acordo com o índice Cielo, o que daria uma perspectiva de evolução. Já temos mais de 70% dos shoppings abertos em São Paulo, mas o consumidor não está muito voraz. O e-commerce está operando a toda carga, mas não compensa as quedas. Para piorar, um veranico no estado diminuiu o ritmo das compras de roupas de inverno”, afirma Pimentel.

Segundo o presidente da Abit, o comércio de rua – informal – está acontecendo intensamente, mas não o formal. A Abit manifestou preocupação com a segurança de grande parcela da sociedade que não está tomando os devidos cuidados com a quarentena.

Cerca de 66% das empresas brasileiras estão operando com 50% ou menos da capacidade instalada. “O crédito anunciado pelo governo não chegou na ponta, da forma devida, e, quando chegou, beneficiou mais as empresas de maior porte.  Ao mesmo tempo, vemos a dificuldade enorme dos pequenos empresários para acessar as linhas disponibilizadas para eles. “Precisamos dar as mãos para o destravamento do crédito nesta retomada”, conclui Pimentel.

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