Redes comunitárias de sementes são estratégicas na restauração de ecossistemas degradados

11º Simpósio Brasileiro de Tecnologia de Sementes Florestais expôs desafios do Brasil para cumprir meta de restauração de 12,5 milhões de hectares

22.09.2022 | 14:10 (UTC -3)
Imprensa Abrates

A crescente demanda mundial por restauração de ecossistemas degradados ganha contornos desafiadores nesta década. De um déficit de 21 milhões de hectares, o Brasil tem o compromisso de restaurar pelo menos 12,5 milhões de hectares com sementes florestais até 2030, conforme o Acordo de Paris, documento da ONU que estabeleceu metas para barrar o aquecimento global.

Entretanto, para atingir a meta de restauração um dos principais gargalos está na coleta e produção de sementes florestais em quantidade e qualidade. Estudos indicam que o Brasil precisa produzir entre 3,6 mil a 15,6 mil toneladas de sementes nativas para cumprir a meta.

A produção de semente de qualidade norteou os debates no 11º Simpósio Brasileiro de Tecnologia de Sementes Florestais, colocando às claras as necessidades do setor produtivo, bem como expôs desafios e mostrou o trabalho feito pelas redes de coletas de sementes. O simpósio foi parte da programação do XII Congresso Brasileiro de Sementes,  ocorrido em Curitiba, na semana passada, que reuniu 1200 participantes.

De acordo com a doutora Juliana Müller Freire, Coordenadora do Comitê Técnico de Sementes Florestais, o evento mostrou pontos que precisam ser trabalhados para atender a demanda. “É preciso organizar o setor produtivo de sementes florestais, buscando solucionar os gargalos técnicos e legais para atender esta demanda. Há uma procura cada vez maior de sementes por setores relacionados à recuperação e reposição florestal”, acrescenta Juliana.

Num dos painéis, os palestrantes confrontaram a  legislação vigente com o   que é praticado no campo. Para atender a legislação, um dos pontos cruciais  seria a ampliação de laboratórios e normas. De cerca de 200 laboratórios existentes no País, apenas 5 são credenciados para espécies florestais.

“Se pensarmos que temos uma diversidade de espécies muito maior do que o setor agrícola, por exemplo,  haveria necessidade de se fazer uma revisão dessa infraestrutura e das normas de qualidade”, pondera a pesquisadora, acrescentando que no Brasil são mais de 8 mil espécies nativas para serem usadas na restauração. Dessas, 500 já possuem normas e análises definidas de validação.

Para que a meta do governo se torne realidade, as redes comunitárias de sementes florestais estão sendo criadas e hoje são o principal mecanismo produtor de sementes. O papel das redes é a formação de coletores, promoção de trocas, atendimento de encomendas e comercialização de sementes de árvores nativas e outras plantas de interesse ecológico ou econômico, unindo agricultores familiares, produtores rurais, governos, organizações da sociedade civil e comunidades tradicionais ou indígenas.

Dentro da programação, o pesquisador Aurélio Padovezi, do World Resources Institute (WRI), proferiu a palestra “Inovação social na produção de sementes em Redes de Sementes”. Ele desenvolve pesquisa sobre o tema na Universidade de Pádua, na Itália.

O pesquisador destacou o trabalho das redes brasileiras de coletas de sementes, as quais fornecem sementes para produtores e agricultores interessados em restauração e plantio florestal. Entre elas, cita as redes Arboretum (BA), Xingu (AM),  Comunidades Geraizeiras (MG), entre outras espalhadas pelo Brasil. “A semente florestal tem esse papel importante de inclusão social e também de gerar renda”, complementa a doutora Juliana Freire.

“Reconhecemos como uma inovação social a crescente criação de redes de colaboração entre organizações e pessoas. Essa troca de informações e conhecimento gera novas ideias, novas práticas e novas oportunidades de negócios”, observa Padovezi, acrescentando que isso tem impactado o mercado de sementes nativas no Brasil.  

“As redes começam a se conectar e transformar esse solo seco, num solo úmido e fértil para uma nova forma de se coletar e produzir sementes, além de trazer bem-estar, qualidade de vida dentro do sistema de produção de sementes florestais”, acrescenta Padovezi.

Ao contrário de 20 anos atrás, onde a produção de sementes dependia basicamente de subsídios públicos, hoje o trabalho vem sendo dominado principalmente por povos indígenas. “Um dos principais pontos da pesquisa que tenho conduzido, é olhar para os produtores não somente como produtores de sementes, mas como um grupo de pessoas que está trazendo novas formas de gerenciar desafios, num mercado incipiente onde a demanda não está bem conectada com a oferta”, afirma.

Complementando o conceito de redes, a doutora Fátima Pinã Rodrigues, professora da Universidade Federal de São Carlos (SP), que também palestrou no evento, abordou o processo de avaliação de sementes florestais e a necessidade de melhorar a qualidade do que está sendo comercializado. “Estamos na década da restauração e o primeiro grande desafio é produzir sementes para as metas que o Brasil precisa atender. O segundo passo é produzir com qualidade”, afirma.

Em relação a outros países, Fátima observa que o Brasil está em pé de igualdade com a Austrália e a Malásia. “Podemos dizer que estamos até com um pezinho na frente, porque nossas redes são imensas, nossas diversidades e espécies são grandes e temos desafios monstruosos em relação a países muitos menores”, analisa.

A participação de todas as instituições, técnicos e representantes do MAPA foi bastante positiva, na avaliação da coordenadora do simpósio, Juliana Müller Freire.  “Lançamos algumas questões e estamos confiantes de que possa haver desdobramentos favoráveis para organizarmos melhor o setor e atender o mercado de sementes em quantidade e qualidade”, afirma ela.

No final do debate houve o lançamento do livro  "Sementes Florestais da Mata Atlântica", um guia para manejo de espécies da Hileia Baiana, do Programa Arboretum.

Participaram do debate os representantes do MAPA, Virgínia Ferreira Carpi e Ernesto Viegas e ainda Danilo Urzedo (CSIRO – Austrália), Simone Pedrini (Universidade de Curtin – Austrália), Marian Chau  (Terraformation – Hawai), Riina Jalonen (CGIAR – Malásia), Paul Gibson (Universidade do Oeste de Sydney  - Austrália), Bárbara França Dantas  (Embrapa Semi-árido), Eduardo Malta  (ISA – Instituto Socioambiental), Denise Santana  (Universidade Federal de Uberlândia), Elisa Vieira  (Embrapa Florestas) e Manuel Vieira Lima Júnior (Universidade Federal do Amazonas).  

Compartilhar

LS Tractor Fevereiro