Fórum do trigo destacou viabilidade econômica da cultura
Evento reuniu cerca de 300 pesquisadores, profissionais do agronegócio, agricultores, produtores de sementes, cerealistas e moinhos de 10 estados brasileiros
Além do melhoramento genético preventivo, pesquisadores da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac), do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, elaboraram o Protocolo de Biossegurança Doméstica para prevenir a entrada da monilíase do cacaueiro no Brasil. A doença quarentenária ocorre em locais próximos à fronteira norte brasileira e já causou grandes perdas nas lavouras de cacau de outros países.
Como um dos principais vetores do fungo causador da doença é o transporte humano, a instituição tem mobilizado produtores, pesquisadores, integrantes de agências estaduais de vigilância agropecuária e outros profissionais que lidam diariamente com lavouras de cacau para adotarem medidas preventivas.
O protocolo alerta sobre a gravidade da doença e estabelece algumas orientações para pessoas que querem visitar países afetados ou visitantes que chegam de áreas infectadas. Com apoio da Biofábrica de Cacau, também foi elaborada uma cartilha que é distribuída para os agricultores das regiões cacaueiras. “Esse protocolo e a cartilha são medidas preventivas de conscientização e treinamento, porque a melhor maneira de evitar a doença é evitando sua entrada”, disse Karina Gramacho, fitopatologista do Centro de Pesquisas do Cacau (Cepec/Ceplac).
As informações científicas sobre a doença, como as principais características do fungo (como ele age, se resiste a fungicidas), além de trabalhos de simulação e definição de medidas preventivas para erradicar ou conter os focos do fungo, começaram a ser elaboradas há mais de duas décadas pelos especialistas da Ceplac e do Ministério da Agricultura.
As ações integram o Plano de Contingência de Monilíase do Cacaueiro, em vigor desde 2012. Segundo a coordenação-geral de Proteção de Plantas do Departamento de Sanidade Vegetal da Secretaria de Defesa Agropecuária, o plano de contingência da monilíase é o mais sólido entre os planos existentes hoje no Ministério.
“Podemos dizer que a monilíase é prioridade em termos de prevenção. O programa tem um regulamento e um histórico. É o plano de contingência mais antigo, mais robusto e mais estruturado que temos. Inclusive, o trabalho que tem sido feito com a monilíase, com apoio fundamental da Ceplac, é referência para planos de contingência de outras doenças”, afirmou Graciane Ramos, coordenadora-geral de Proteção de Plantas do Ministério da Agricultura.
O departamento coordena o Grupo Nacional de Emergências Fitossanitárias para a Moniliophthora roreri, fungo causador da doença que ataca o cacaueiro, e está trabalhando na atualização do plano de contingência para enfatizar o trabalho de prevenção e vigilância.
A monilíase está entre as 20 doenças quarentenárias priorizadas para ações de vigilância e pesquisa. A lista das pragas com as respectivas características está no livro “Priorização de Pragas Quarentenárias Ausentes no Brasil”, lançado pelo Ministério da Agricultura.
Na publicação, elaborada pelo Departamento de Sanidade Vegetal em parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), a monilíase é listada entre as que apresentam mais riscos para o país. A doença apresenta pontuação alta em todos os critérios de avaliação, como entrada, dispersão e impacto estimado na economia do país.
A área provável de entrada da monilíase no Brasil é a fronteira da região Norte. O limite fronteiriço brasileiro com países infectados se estende por 8,5 mil quilômetros e tem vários pontos vulneráveis, como a divisa entre o Brasil e o Peru, interligados pela rodovia do Pacífico; a tríplice fronteira com a Colômbia, Peru e o estado do Amazonas; a fronteira com a Bolívia, pelos estados de Rondônia e Acre; e na divisa com a Venezuela, pelo estado de Roraima.
“Como ela está no Norte a 50 km do Brasil, no caso da Bolívia e o Acre, é esperado que entre lá primeiro. Só que tem outras coisas que devem ser levadas em consideração. Se está tão perto, por que não entrou? Lá, quase não tem cacaueiro, existe um vazio sanitário entre a Bolívia e o Acre, então, não existe um corredor de plantio com hospedeiros para a doença. E o clima propício para a disseminação da doença ocorre em algo inverso à época de frutos e da esporulação do fungo e, com a infecção no fruto. Então, esses eventos fazem com que se retarde a entrada da doença”, explicou Karina Gramacho.
Apesar de estar distante da região fronteiriça, a Bahia também está vulnerável à ameaça. No estado, que já foi o maior produtor de cacau do Brasil, os cacauicultores ainda se recuperam do prejuízo causada pela vassoura-de-bruxa, doença também causada por um fungo, e que dizimou cerca de 75% das lavouras de cacau do sul da Bahia no início da década de 90.
Para Karina Gramacho, a probabilidade da monilíase entrar na Bahia é equivalente ou até maior do que na fronteira, devido à alta movimentação de pessoas de todo o mundo no estado, seja em busca da tecnologia de manejo e produção do cacau e chocolate fino, seja pelo turismo, que é muito forte na região cacaueira.
“Se a monilíase entrar aqui, pode ser um desastre maior do que foi a vassoura de bruxa. Primeiro: o clima da Bahia é altamente adequado para o estabelecimento da doença. Segundo: está todo mundo mais descapitalizado do que na época da entrada da vassoura de bruxa. Terceiro: há muitas fazendas abandonadas e isso é um prato cheio para disseminação de doenças. Em quarto lugar, é um fungo altamente agressivo que infecta diretamente os frutos”.
Outro fator que a pesquisadora destaca como agravante é a dificuldade de controle do fungo, pois a região tem produção de cacau o ano todo. “No Equador, no Peru, na Costa Rica, eles conseguem fazer um manejo integrado e conseguem conviver com a doença, com a retirada desses frutos que são doença, mas eles não têm produção o ano todo como temos aqui”, ressalta.
O trabalho preventivo à monilíase tem dois pilares: pré-entrada da doença, focado no desenvolvimento de pesquisas e ações de conscientização dos agricultores; e o pós-entrada, que estabelece meios de convívio com a doença, como o desenvolvimento de controle biológico ou tipo de manejo que permita manter a produção de cacau mesmo com a presença do fungo na região, entre outras ações.
“Na pré-entrada, o pilar é pesquisa, educação fitossanitária e legislação. Nessa fase pré-doença, o objetivo da pesquisa é conhecer a doença, como ela sobrevive, como se dispersa, de forma que dê subsídios para estabelecimento de instruções normativas que trazem medidas preventivas e o que fazer em caso de suspeita de foco ou se a doença chegar”, explica Karina Gramacho.
Ainda na fase pré-doença, é realizado um trabalho de capacitação dos cacauicultores pela equipe da extensão rural. Em parceria com órgãos estaduais, os pesquisadores também fazem levantamentos de epidemiologia preventiva em fazendas que são monitoradas anualmente.
A Ceplac empreende ainda um programa de diagnóstico preventivo, por meio da utilização de marcadores moleculares que permitem a identificação do fungo sem precisar isolá-lo, já que o patógeno não existe no Brasil. Este trabalho é feito em parceria com outros países, como Equador e Peru.
“O trabalho é prevenir, evitando ou retardando a entrada. E, se entrar, evitar uma epidemia. Por isso que trabalhamos no pré-foco e no pós-foco, porque eventualmente qualquer doença vai entrar em qualquer lugar, é uma questão de tempo”, comenta Karina.
Já para a fase pós-doença, o programa prevê a utilização do manejo integrado, que inclui o uso de diferentes tipos de controle, desde químico com fungicidas, biológico, cultural e o genético.
Uma das soluções buscadas pela Ceplac é o desenvolvimento de medidas de autorregulação, principalmente em áreas de difícil acesso e fiscalização, para estimular que o próprio produtor se responsabilize pelo controle e seja recompensado.
“Estamos trabalhando para reconhecer essa questão do controle legal, que é beneficiar de alguma forma o agricultor que faz o controle na fazenda dele. Que ele possa receber um prêmio, como um desconto maior na hora de fazer um financiamento, por exemplo, ou ter uma assistência melhor na sua fazenda”, comenta Karina.
A pesquisadora destaca que este tipo de controle já foi adotado na Colômbia, onde surtiu efeito, e pode ser eficaz também no Brasil, principalmente na Bahia, que tem muitas áreas de reserva preservadas por rígida legislação ambiental, como o sistema da cabruca, no qual o cacaueiro é plantado sob espécies nativas da Mata Atlântica e exige um manejo especial.
“Imagine você ter um corredor de plantação de cacaueiros, você cuida da sua fazenda, mas o vizinho não. Isso já acontece hoje com a vassoura de bruxa. Então, a sementinha do fungo vai de uma fazenda para a outra, via vento. Então, se você tiver uma variedade de cacau resistente e não cuidar dela, ela vai sucumbir. Essas doenças quase equivalem um câncer, você cura, mas tem que se cuidar para que não retorne”, alerta.
A monilíase é causada pelo fungo Moniliophthora roreri, que atinge os frutos do cacaueiro e do cupuaçuzeiro, espécies presentes, principalmente, na Amazônia. Os esporos formados pela doença podem ser disseminados pelo vento. Após o contato com o fruto, o fungo se desenvolve em um período que depende das condições locais e da suscetibilidade da planta hospedeira.
Os frutos infectados ficam completamente “mumificados” e inaproveitáveis para o consumo. A doença progride de forma mais lenta quanto mais maduro for o fruto. A doença ocorre apenas no continente americano, tendo ocorrências registradas no México, Caribe, Colômbia, Venezuela, Panamá, Honduras, Costa Rica, Nicarágua, Peru, Belize, Bolívia e na Jamaica. Uma das principais características dessa doença é que ela se dispersa de forma muito eficiente por meio do vento, da chuva, por insetos ou outros mamíferos e pela intervenção humana.
Os esporos que podem infeccionar outras plantas podem sobreviver por até nove meses sob condições bastante adversas, mas eles se desenvolvem com mais facilidade em temperaturas médias de 22°C a 30°C e umidade relativa do ar acima de 80%.
A Ceplac recomenda às pessoas que visitaram países que já foram infectados pela doença a não transitarem com sacarias, frutos, sementes e mudas de viveiros que não sejam certificados. E antes de viajar para locais com ocorrência da doença ou antes de receber visitantes de áreas já infectadas, a recomendação é para procurar as unidades da Ceplac e os órgãos estaduais de Defesa Agropecuária para conhecer as medidas de biossegurança.
Em caso de suspeita de foco de monilíase, a pessoa deve comunicar imediatamente a Ceplac, as superintendências federais do Ministério da Agricultura ou as agências estaduais de defesa agropecuária.
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