Prejuízos causados por daninhas no estabelecimento da lavoura de trigo
Em trigo, a definição do potencial produtivo ocorre logo no início do desenvolvimento da cultura, o que demanda o estabelecimento em área limpa, sem interferência de daninhas
25.05.2020 | 20:59 (UTC -3)
Renan Teston
A região Sul do Brasil apresenta algumas características climáticas peculiares, sendo uma delas a distribuição das chuvas durante o ano todo, o que permite a implantação de culturas de interesse econômico. Dentre essas culturas, os cereais de inverno como trigo, cevada, centeio, aveia, detêm papel de destaque. Uma das principais culturas plantadas tem sido o trigo, para a comercialização com os objetivos de diluir os custos e obter melhor aproveitamento da área. A produtividade média de trigo no Brasil na safra 2019 foi de aproximadamente 2.526 quilos por hectare (42,1 sc/ha) conforme a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab, 2019). Apesar disso, dentre os fatores responsáveis por perdas de produtividade na cultura do trigo, estão a ocorrência de plantas daninhas, que podem interferir de forma negativa devido à sua competição direta por água, luz e nutrientes, e em alguns casos, até efeitos alelopáticos.
As plantas daninhas encontradas com maior frequência na cultura do trigo são buva (Conyza sumatrensis, Conyza bonariensis e Conyza canadensis), azevém (Lollium perene spp. muliflorum) e nabo (Raphanus raphanistrum e Raphanus sativum). Outras plantas guaxas ou tigueras podem ocorrer, como a aveia-preta (Avena strigosa) e a aveia-branca (Avena sativa). A presença de biótipos resistentes aos principais mecanismos de ação utilizados no manejo da cultura do trigo (Tabela 1) tem aumentado a complexidade do manejo em função das poucas opções de herbicidas disponíveis e seletivos à cultura, além de aumentar o custo de produção.
A resistência de plantas daninhas a herbicidas é a habilidade de caráter hereditário de uma planta sobreviver e se reproduzir após a exposição a uma dose de herbicida normalmente letal (Heap, 2020). O uso consecutivo de um mesmo herbicida exerce uma alta pressão de seleção sobre uma população, controlando os biótipos suscetíveis e deixando apenas os resistentes. Os mecanismos que conferem resistência aos herbicidas são classificados como alteração no local de ação, que pode ser via substituição de um ou mais aminoácidos na enzima-alvo ou superexpressão da enzima-alvo, e não alteração do local de ação, via redução na absorção e translocação, metabolização e compartimentalização do herbicida. Vale lembrar que a resistência pode ser simples, cruzada e múltipla, aumentando a complexidade do manejo em ordem crescente.
Para a correta adoção das estratégias do manejo integrado é de extrema importância a identificação das espécies presentes na área. As espécies de nabo são plantas com crescimento vegetativo inicial rápido, grande produção e viabilidade das sementes, elevada dispersão temporal de emergência, tolerância a baixas temperaturas, apresentando uma grande capacidade competitiva com a cultura do trigo. Cabe salientar que esta planta daninha é amplamente encontrada nas diferentes regiões produtoras, nos cultivos de inverno e verão, em que era facilmente manejada pelos herbicidas inibidores da ALS na cultura da soja (clorimuron-etílico, cloransulam-metílico e imazetapir), milho (nicosulfuron) e trigo (metsulfuron-metil e iodosulfuron-metílico).
Em função da pressão de seleção exercida pelo uso contínuo do mesmo mecanismo de ação selecionaram-se biótipos resistentes em ambas as espécies, em algumas regiões (Costa, 2017). A resistência é do tipo cruzada, sendo que o mecanismo que confere resistência é a mutação na enzima-alvo, este tipo de resistência afeta negativamente o manejo desta planta daninha na cultura de soja, milho e trigo com herbicidas inibidores da ALS.
Já o azevém apresenta crescimento bastante agressivo, alta capacidade de perfilhamento e de polinização cruzada que favorece a evolução da resistência em função da maior variabilidade genética, sendo tolerante a baixas temperaturas. Porém, não se adapta em climas tropicais (mesotérmica), o banco de sementes inicia a sua germinação no final ou após a colheita da soja, quando as temperaturas começam a baixar. É considerada planta de difícil controle na pós- emergência da cultura do trigo, devido às poucas opções de herbicidas seletivos à cultura.
Em função da aplicação repentina dos mesmos mecanismos, selecionaram-se biótipos resistentes aos herbicidas inibidores de EPSPS, ALS e ACCase em algumas regiões, dificultando o controle com herbicidas. Estas resistências podem ser dos tipos simples e múltipla. No caso dos herbicidas inibidores da EPSPS, alguns estudos indicam como mecanismo de resistência a translocação diferencial entre os biótipos suscetíveis e resistentes, já para herbicidas inibidores da ALS e ACCase, o mecanismo de resistência é do tipo alteração nos aminoácidos que codificam a enzima-alvo, conferindo ao biótipo altos níveis de resistência.
As espécies de buva são plantas daninhas amplamente disseminadas nos diferentes sistemas agrícolas brasileiros, causando prejuízos em diversas culturas de interesse econômico. Apresentam germinação em condições de temperaturas do solo amenas próximas a 20°C. São classificadas como fotoblásticas positivas, ou seja, dependem da luz para germinar. Têm alta produção de sementes, que são leves e facilmente disseminadas pelo vento. Apresentam alta complexidade de manejo, principalmente após a detecção da resistência ao herbicida glifosato, amplamente disseminada no Brasil.
A resistência da buva aos mecanismos inibidores da ALS e mimetizadores de auxina é das mais prejudiciais no manejo de plantas daninhas no trigo, pois, são as únicas opções de controle na pós-emergência da cultura. Porém, já foi diagnosticada resistência em outras culturas aos mecanismos de ação inibidores da Protox e Fotossistema I, com distribuição mais regionalizada.
Para o manejo correto de plantas daninhas, com o objetivo de maximizar a produtividade com rentabilidade econômica nos cereais de inverno, é necessário entender alguns conceitos relacionados à matocompetição e qual o seu impacto negativo sobre os componentes da produtividade. Diante disso, tem-se por conceito o período crítico de prevenção à interferência (PCPI), em que as plantas de interesse econômico devem permanecer livres de competição com plantas daninhas, pois o impacto negativo sobre a produtividade é maior, de acordo com a espécie e a densidade de plantas infestantes, e a duração do período de competição.
A definição do potencial produtivo do trigo ocorre logo no início do desenvolvimento da cultura, no estádio de duplo anel, que normalmente ocorre com duas a quatro folhas, e espigueta terminal que coincide com a elongação do colmo principal, variando de acordo com a cultivar. São responsáveis pela definição do número potencial de espiguetas, que influencia diretamente no número de grãos por metro quadrado, portanto, durante estes estádios, qualquer tipo de competição com plantas daninhas compromete a construção do potencial produtivo. De maneira prática quando se pensa em ambientes de alto potencial produtivo, a cultura deve ser estabelecida no limpo.
Na escolha das estratégias a serem utilizadas no manejo das plantas daninhas de difícil controle, o conhecimento do histórico da área, do sistema de produção e das práticas de manejo utilizadas permite identificar os gaps e as oportunidades de manejo. O sistema de produção nas regiões que cultivam cereais de inverno (Figura 1) apresenta um vazio outonal entre a colheita da cultura de verão e a implantação da cultura de inverno, que favorece a emergência e o estabelecimento de plantas daninhas, em função da baixa quantidade de palha deixada pela cultura da soja associado a temperaturas amenas e umidade favorável para a germinação das espécies infestantes, como exemplo a buva, o azevém e o nabo.
Portanto, é uma etapa do ciclo produtivo importante na construção de um manejo eficiente de plantas daninhas, com objetivo de reduzir os fluxos de emergência do banco de sementes no solo e também eliminar as plantas remanescentes (rebrotes) da cultura de verão, associando controle químico e controle cultural, através da implantação de plantas de cobertura, ou seja, eliminando o “pousio zero”.
Nesse cenário de complexidade, o cultivo de plantas de cobertura no vazio outonal é uma prática já consolidada por alguns produtores, que além de seus benefícios aos sistemas de produção como um todo, reduz a emergência de novos fluxos de plantas daninhas, principalmente as que necessitam de luz para germinar. Além disso, ajuda a reduzir a amplitude térmica, a produção de compostos alelopáticos, permite a formação de uma barreira física sobre o solo, impedindo ou retardando a emergência de plantas daninhas com sementes pequenas com pouca reserva, dentre outros benefícios.
Para o sucesso desta prática, alguns cuidados devem ser considerados, se no momento da colheita da soja tem-se a presença de plantas infestantes estabelecidas que são cortadas pela colhedora. Devem ser manejadas antes da implantação da cultura de cobertura com uso de herbicidas. Já em áreas sem presença de plantas daninhas no momento da semeadura da planta de cobertura, porém com histórico de infestação (banco de sementes do solo), pode-se optar por plantas de coberturas com efeito alelopático e com algum nível de seletividade aos herbicidas que necessitam ser utilizados.
A implantação de um sistema de rotação de culturas potencializa o manejo das plantas daninhas, principalmente pela rotação de diferentes modos de ação dos herbicidas, reduzindo a seleção direcional de biótipos com algum nível de resistência, associado à introdução de práticas que desfavoreçam a biologia das plantas daninhas, reduzindo o estabelecimento da infestação, multiplicação e o aumento do banco de sementes na área.
A introdução de herbicidas pré-emergentes no sistema de produção, tanto na cultura antecessora de verão (soja e milho) como na implantação da cultura do trigo, é uma prática eficiente, que contribui para a redução no banco de sementes, além de retardar e uniformizar a emergência e o desenvolvimento inicial das plantas daninhas na cultura do trigo, facilitando o manejo com herbicidas na pós-emergência da cultura, pois as plantas daninhas estarão jovens, permitindo, em muitos casos, a redução no número de aplicações de herbicidas. Práticas culturais como adubação nitrogenada, ajuste populacional, qualidade de semeadura, que favorecem o crescimento e o fechamento rápido do dossel tanto em plantas de cobertura quanto na cultura do trigo, potencializam a capacidade competitiva da cultura e suprimem o desenvolvimento das plantas daninhas.
Após a implantação da cultura, restam poucas alternativas de herbicidas para o manejo do complexo de plantas daninhas. Por isso é importante estabelecer a cultura livre de infestações de plantas daninhas, priorizando o manejo de dessecação pré-plantio da cultura, principalmente em áreas com histórico de plantas resistentes ou de difícil controle. Os herbicidas registrados para uso pós-emergente na cultura do trigo são inibidores da ALS (que controlam mono e dicotiledôneas), inibidores da ACCase (específicos para monocotiledôneas), mimetizadores de auxina (específicos para dicotiledôneas), inibidores do fotossistema II (que controlam algumas espécies mono e dicotiledôneas).
O controle químico de nabo e buva na cultura do trigo é realizado com herbicidas pertencentes ao mecanismo dos inibidores da ALS. Destacam-se os ingredientes ativos metsulfuron-metil, iodosulfuron-metílico e piroxsulam. Outras opções são os herbicidas mimetizadores de auxina, 2,4D e MCPA e inibidores do fotossistema II, neste caso a bentazona. Nas plantas monocotilédones, como azevém e aveia, o controle químico é realizado com herbicidas pertencentes ao mecanismo dos inibidores da ALS, como iodosulfurom-metílico e piroxsulam. Outro grupo que pode ser usado no manejo são os inibidores da ACCase, com destaque para o clodinafope-propargil.
A escolha do herbicida deve levar em consideração o histórico de plantas resistentes na área. Além disso, para que os herbicidas sejam eficientes no controle deve-se respeitar alguns critérios técnicos, como o tamanho das plantas daninhas, que devem estar nos estádios iniciais de desenvolvimento de três a quatro folhas para dicotiledôneas e de um a dois perfilhos para monocotiledôneas, além de dose, temperatura, condições fisiológicas da planta daninha, condições ambientais anteriores e posteriores à aplicação, misturas de tanque e tecnologia de aplicação. No tocante a isso, o estádio fenológico da cultura do trigo no momento da aplicação deve também ser levado em consideração, para garantir a seletividade dos herbicidas à cultura, buscando evitar injúrias e efeitos negativos na produtividade.
Portanto, a construção de ambientes de alto potencial produtivo em trigo depende de um correto manejo de plantas daninhas, principalmente em um cenário onde exista a ocorrência de plantas resistentes, uma vez que o sistema de produção deve ser considerado para um manejo eficiente. Além disso, são necessários a adoção de plantas de cobertura, a utilização de herbicidas pré-emergentes, o manejo de dessecação pré-plantio, observar a qualidade de semeadura, o ajuste de população, a adubação nitrogenada, dentre outras práticas que suprimem o crescimento das plantas daninhas e maximizam a capacidade competitiva da cultura, permitindo a construção e a expressão do máximo potencial produtivo.
Renan Teston, Instituto Phytus
Cultivar Grandes Culturas Maio 2020
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