Pesquisadores identificam causas da seca extrema que afetou o Pantanal

Estudo aponta que estiagem severa no bioma entre 2019 e 2020 é resultado de fenômeno meteorológico natural similar ao que desencadeou crise hídrica em SP entre 2014 e 2016

17.03.2021 | 20:59 (UTC -3)
Elton Alisson | Agência FAPESP

Um fenômeno meteorológico natural similar ao que causou a crise hídrica no Estado de São Paulo, entre 2014 e 2016, foi responsável pela seca extrema no Pantanal registrada entre 2019 e 2020 e considerada a pior dos últimos 50 anos.

A constatação foi feita por pesquisadores do Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres (Cemaden), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e da Universidade Estadual Paulista (Unesp) por meio de um projeto apoiado pela FAPESP no âmbito do Programa de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG).

Os resultados do estudo foram publicados na revista Frontiers in Water.

“A seca recente no Pantanal foi causada por um fenômeno que chamamos de bloqueio meteorológico, caracterizado pelo surgimento de uma área de alta pressão que impediu a formação de chuva em toda a região do Centro-Oeste da América do Sul. Consequentemente, a temperatura ficou muito alta, e a umidade relativa, muito baixa”, diz à Agência FAPESP José Marengo, pesquisador do Cemaden e coordenador do estudo.

“A combinação de falta de chuva com temperaturas altas e umidade relativa muito baixa levou ao aumento de risco de fogo, que se estendeu não somente sobre áreas agrícolas como também naturais do bioma”, explica Marengo.

O uso do fogo para limpar terreno para pecuária contribui para aumentar os focos de incêndio na região, que ficam mais difíceis de serem combatidos em razão da falta de chuvas, avalia o pesquisador. “O fogo causado de um lado pelo ar mais quente e a falta de chuvas no Pantanal e de outro pelo queima de áreas para pecuária na região resultou no desastre ambiental que vimos no bioma”, afirma Marengo.

Fontes de dados observacionais

A fim de investigar as causas hidroclimáticas da seca no Pantanal, os pesquisadores usaram uma ampla gama de fontes de dados observacionais de hidrologia (referentes ao nível do rio Paraguai) e também sobre chuva, clima e índices de teleconexões atmosféricas (uma estimativa de como fenômenos climáticos extremos estão conectados) para identificar mudanças na circulação de ventos. Além disso usaram informações sobre o uso da terra e empregaram índices derivados de fontes de sensoriamento para caracterizar o estresse hídrico e a seca no bioma.

Com base nesse conjunto de dados, foi possível descrever a variabilidade interanual da precipitação, do fluxo do rio Paraguai e variáveis relacionadas com a seca. As análises dos dados indicaram que uma complexa combinação de teleconexões hidroclimáticas esteve por trás da seca recente na região.

“A falta de chuvas durante os verões de 2019 e 2020 no Pantanal está relacionada com a redução do transporte de ar quente e úmido do verão da Amazônia para a região”, afirma Marengo.

Parte da chuva do Pantanal, que é uma das maiores zonas úmidas do mundo, vem do transporte de ventos que partem do Atlântico Norte, entram na Amazônia, cruzam o bioma e seguem para o Centro-Oeste do Brasil, onde está situado o Pantanal.

A formação da área de alta pressão impediu que essa umidade vinda da Amazônia chegasse ao Pantanal e bloqueou a passagem de frentes frias do Sul para a região. Dessa forma, predominaram massas de ar mais quentes e mais secas que contribuíram para a escassez de chuvas de verão no Pantanal no pico da estação das monções – de ventos sazonais associados à alternância entre a estação de chuvas e a seca que ocorrem em grandes áreas de regiões costeiras tropicais e subtropicais.

Esse quadro levou a condições extremas de seca prolongada em todo o Pantanal, impactando severamente a hidrologia do bioma, explica Marengo.

“Esse fenômeno é natural e aconteceu de modo similar durante a seca em São Paulo, entre 2014 e 2016”, compara.

Impactos amplificados

De acordo com Marengo, ainda não é possível prever se o Pantanal enfrentará outras secas severas nos próximos anos. Para que a situação não se repita, é preciso que as chuvas no bioma comecem e sejam abundantes no momento certo.

“Não adianta chover agora, em março, no fim da estação chuvosa, e depois entre dezembro deste ano e fevereiro de 2022, por exemplo. Dessa forma, a estação chuvosa fica comprometida e aumenta o risco de elevação de focos de incêndio no Pantanal”, diz.

A seca no Pantanal também não pode ser relacionada às mudanças climáticas globais porque é um evento meteorológico de causa natural, enquanto as alterações no clima são um processo de longo prazo.

Algumas das diferenças da seca recente no bioma em comparação com as que ocorreram nas décadas de 1950 e 1960, porém, é que, naquela época, o planeta não estava tão quente como agora, pondera Marengo.

“O que está acontecendo agora é que essas secas de causa natural estão sofrendo os efeitos da instabilidade climática e os impactos são piores porque, naquela época, a região não tinha muita ocupação humana como tem hoje. Consequentemente, a população no Pantanal hoje é mais vulnerável aos impactos causados pelas secas”, compara Marengo.

O artigo Extreme drought in the Brazilian Pantanal in 2019–2020: characterization, causes, and impacts (DOI: 10.3389/frwa.2021.639204), de Jose A. Marengo, Ana P. Cunha, Luz Adriana Cuartas, Karinne R. Deusdará Leal, Elisangela Broedel, Marcelo E. Seluchi, Camila Miranda Michelin, Cheila Flávia De Praga Baião, Eleazar Chuchón Ângulo, Elton K. Almeida, Marcos L. Kazmierczak, Nelson Pedro António Mateus, Rodrigo C. Silva e Fabiani Bender, pode ser lido acessado aqui.

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