Showtec 2010 leva inovação através da experiência
Embora distante das latitudes e longitudes que demarcam as tradicionais zonas vitivinícolas ao redor do globo terrestre, o vale do submédio São Francisco, localizado entre os paralelos 8 e 9 do hemisfério Sul, tem se firmado como importante região produtora de vinhos finos no Brasil e no exterior. Em pouco mais de 20 anos, o desenvolvimento, o aprimoramento de técnicas enológicas, o investimento privado e a adaptação de variedades tornaram o vale o único local do mundo a elaborar vinhos de qualidade em condições tropicais semiáridas, com possibilidade de duas safras por ano.
Nesse tempo, com seis vinícolas instaladas nos municípios de Lagoa Grande e Santa Maria da Boa Vista, à margem pernambucana do rio São Francisco, e Casa Nova, do lado baiano, a produção do vale já representa 15% do mercado nacional de vinhos finos, sendo a segunda maior do país, atrás do Rio Grande do Sul.
Vinhos do sol – Enólogo e pesquisador da Embrapa Uva e Vinho, unidade localizada em Bento Gonçalves-RS, Giuliano Elias Pereira explica que os vinhos do vale, em geral, são jovens, leves e frutados, ideais para serem consumidos tão logo sejam engarrafados. Em menor escala, porém, há os chamados “vinhos de guarda”, que passam por um período em barricas para serem maturados, a fim de ganharem complexidade tanto aromática quanto estrutural. Giuliano trabalha e executa projetos na Embrapa Semiárido, com sede em Petrolina-PE.
De acordo com o enólogo da Embrapa, se comparado com regiões vitivinícolas tradicionais, como as localizadas entre os paralelos 300 e 450 de latitude Norte (França, Espanha, Itália, Alemanha, Portugal e Estados Unidos) ou entre os paralelos 230 e 450 de latitude Sul (Chile, Argentina, África do Sul, Austrália, Nova Zelândia e Brasil (RS, SC, MG), com tradição de décadas e centenas de anos, a vitivinicultura do vale ainda tem um longo caminho a percorrer. No entanto, há “vinhos do sol” de excelente qualidade, que são exportados para mercados como os da América do Norte, países da Europa e Ásia. Isto reforça o potencial e o reconhecimento dos vinhos da região, garante.
Atualmente, no vale do submédio São Francisco, as principais variedades empregadas na elaboração de vinhos tintos são as Vitis vinifera L. Syrah, Cabernet Sauvignon, Ruby Cabernet e Alicante Bouschet. Para os brancos, as variedades mais usadas são Chenin Blanc, Moscato Cannelli, Sauvignon Blanc, Viognier e Verdejo. No caso dos espumantes, as cultivares Itália e Moscato Cannelli estão consagradas para os vinhos moscatéis, enquanto que os vinhos espumantes rosados são elaborados com a variedade Syrah.
Varietal - Giuliano argumenta que a identificação de novas variedades, bem adaptadas às condições edafoclimáticas da região, amplia a gama de produtos de qualidade e com tipicidade e torna a vitivinicultura regional mais competitiva e mais atrativa, sob os pontos de vista enoturístico e enogastronômico. Duas delas - a espanhola Tempranillo e a francesa Petit Verdot - começam a ganhar espaço nas vinícolas após testes de adaptação conduzidos por pesquisadores da Embrapa Semiárido e Embrapa Uva e Vinho, em conjunto com vinícolas da região.
Os desempenhos agronômico e enológico dessas variedades apontaram a viabilidade para cultivo em escala comercial. A Tempranillo, por exemplo, em pouco mais de três anos, já está implantada em 70 hectares. Com a Petit Verdot a situação é diferente. O plantio atual, em torno de três hectares, ainda encontra-se em estado inicial, mas apresenta grande potencial. Para Giuliano, esta variedade poderá ser uma referência, não só regional, mas mundial.
Ele explica que algumas regiões produtoras de vinhos no mundo são reconhecidas e têm seus vinhos relacionados e atribuídos a variedades que se adaptaram bem às condições locais. Por exemplo: na África do Sul, a referência é Pinotage; como a Malbec, na Argentina; a Carmener, no Chile, a Tannat, no Uruguai. Na França, as mais importantes são a Merlot, Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc e Sauvignon Blanc (na região de Bordeaux, além de Austrália e Nova Zelândia), como também de Pinot noir e Chardonnay (na Bourgogne). A Syrah destaca-se nos vinhos da Austrália e dos Estados Unidos.
No vale, a uva mais plantada para vinhos tintos é a Syrah, enquanto que para vinhos brancos é a Chenin Blanc. As duas, no entanto, são produzidas em praticamente quase todos os países vitivinícolas, o que sujeita os vinhos à comparação e competição em um mercado globalizado e cada vez mais sofisticado, com diferentes tipicidades e preços.
A variedade Petit Verdot, que é usada na França em cortes entre 2-3% dos vinhos de Bordeaux, por ser muito ácida naquela condição, poderá ser um diferencial para a região Nordeste do Brasil. Segundo Giuliano, no vale do submédio São Francisco os vinhos varietais (elaborados com no mínimo 75% de uma variedade, podendo chegar aos 100%) de Petit Verdot têm se mostrado muito interessantes e poderá se transformar em uma referência à região e para o mundo.
O enólogo da Embrapa considera que são necessários estudos sobre as suas características agronômicas, já que a produção da Petit Verdot tem sido baixa. No entanto, os vinhos varietais 100% Petit Verdot, elaborados no laboratório de Enologia da Embrapa Semiárido, apresentam características sensoriais interessantes, com alto índice de antocianinas (coloração rubi-violeta), aromas florais e frutados, de condimentos, além de alta concentração de taninos (estrutura), o que permite prever que poderão ser usados como opção para a elaboração de vinhos de guarda na região.
Indicação de Procedência – A inovação de técnicas agronômicas e a adoção de protocolos específicos de vinificação têm evoluído para incorporarem aos vinhos do vale tipicidades para que apresentem uma identidade regional. O potencial que alguns vinhos da região têm apresentado, varietais ou assemblages (cortes), aumenta as possibilidades mercadológicas dos produtos, o que favorece a busca futura de registros, como a Indicação Geográfica de Procedência (IGP) ou a Denominação de Origem Controlada (DOC).
Estes registros protegem contra fraudes, dão maior notoriedade, proporcionam uma melhoria na competitividade, além de um aumento no valor agregado dos vinhos. Certamente, os vinhos Syrah, Cabernet Sauvignon, Chenin Blanc e Moscato Cannelli poderão receber este registro, além de Tempranillo e Petit Verdot, como alternativas para valorizar a tipicidade dos vinhos tropicais, afirma otimista o enólogo.
Brasil – A evolução da qualidade dos produtos, dos investimentos em pesquisa e a ampliação das vinícolas no semiárido brasileiro, principalmente nos estados da Bahia e de Pernambuco, fortalecem a presença do Brasil no panorama vitivinícola internacional, e coloca o país como produtor mundial emergente.
O Brasil está muito longe de descobrir os seus reais potenciais vitivinícolas. Ainda são inúmeras as regiões por serem descobertas. Os vinhos do vale do submédio São Francisco são uma realidade, faltando apenas serem apreciados e reconhecidos pelos consumidores brasileiros, que, em geral, valorizam os produtos importados e pouco apreciam os nacionais. Afirma o enólogo.
O consumo de vinho é muito baixo no Brasil: apenas cerca de 2 litros/habitante/ano, contra mais de 40 L/habitante/ano de cerveja. Os benefícios que o consumo moderado de vinho traz à saúde ainda deverão ser mais divulgados, para que o Brasil se torne um país consumidor de vinhos, afirma o pesquisador da Embrapa.
Contatos:
Giuliano Elias Pereira – pesquisador;
Marcelino Ribeiro - jornalista;
Embrapa Semiárido – 87 3862 1711
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