Consórcio Antiferrugem atualiza ferramentas digitais de monitoramento da ferrugem da soja
O mapa de dispersão traz agora opções de filtro para cada ocorrência (soja voluntária, soja comercial, presença de esporos ou unidade de alerta)
Em um cenário em que a velocidade da ocorrência da resistência no campo é maior que a da descoberta de novas moléculas e do tempo necessário para o registro de novos agroquímicos, o vazio sanitário e a calendarização da semeadura se tornam medidas essenciais para a sustentabilidade da produção de soja no Brasil.
A soja é a principal commodity brasileira. Na safra 2019/20 estima-se que o Brasil produziu cerca de 124,8 milhões de toneladas, novo recorde de produção do grão (Fonte Conab Setembro/2020). Os recordes associados a safra de soja nos últimos anos, no Brasil, se deve principalmente à adoção de novas tecnologias no campo e principalmente a medidas de manejo integrado de pragas e doenças. A soja é ameaçada por dezenas de pragas e doenças que são muito favorecidas pelo clima tropical brasileiro. Uma das doenças mais temidas pelos agricultores é a Ferrugem Asiática da soja causada pelo fungo Phakopsora pachyrhizi. A doença foi reportada no Brasil na safra de 2001/02 e demonstrou todo o seu potencial destrutivo para a cultura ao longo de alguns anos. Em poucos dias essa doença pode desfoliar totalmente as plantações e levar a grandes perdas de produtividade dos grãos.
Na América do Sul, a doença começou no Paraguai e se alastrou pelo estado do Paraná, sendo encontrada também em plantas de soja voluntária e na soja safrinha no Brasil. Na safra seguinte (2002/03), as perdas com a doença ficaram estimadas em cerca de 2 bilhões de dólares. Ainda na safra 2012/13, as perdas com a ferrugem foram estimadas em torno de 1,5 bilhão de dólares (Aprosoja/MT, 2013).
Phakopsora pachyrhizi (agente causal da ferrugem da soja) é um fungo biotrófico obrigatório, ou seja, necessita do seu hospedeiro vivo (soja) para completar seu ciclo de vida. Desta forma, as lavouras de entressafra, ou a “soja safrinha” são as principais responsáveis por manter o inóculo da ferrugem vivo no campo que também é beneficiado pela alta ocorrência de plantas guaxas (emergidas voluntariamente) remanescentes da colheita das sementes. Essas plantas são a fonte de inóculo primário para a safra seguinte. No Brasil, ainda há fontes de inóculo praticamente permanentes vindos de países vizinhos como Bolívia e Paraguai, uma vez que, esses países não detêm de um calendário de plantio.
A melhor estratégia para redução dos inóculos no campo é a ausência do hospedeiro. Essa estratégia favorece também a redução de insetos, outra preocupação que os agricultores enfrentam nas suas lavouras. A implantação do vazio sanitário da soja (período de ausência no campo) no Brasil ocorreu entre os anos de 2006 e 2007 em decorrência, principalmente, dos problemas enfrentados pelos sojicultores com o fungo causador da Ferrugem Asiática da Soja, Phakopsora pachyrhizi. Essa medida de manejo vigente até os dias de hoje, não reduz somente os inóculos de ferrugem mas também de outras doenças que vêm afetando a produção e elevando os custos de produção, devido a maior necessidade de aplicações de fungicidas. O período mínimo sem soja no campo é de 60 dias durante o vazio sanitário. Treze Estados brasileiros e o Distrito Federal adotaram essa medida através de instruções normativas.
Mas para que esse período seja eficiente é necessário que os produtores destruam plantas vivas de soja em suas fazendas, chamadas de plantas voluntárias (tigueras e guaxas). O produtor deve destruir as plantas por meio da aplicação de herbicidas ou por remoção física.
O FRAC-BR (Comitê de Ação a Resistência à Fungicidas do Brasil) tem alertado para mais um problema relacionado a presença de plantas voluntárias durante o período de vazio: a presença de inóculos de ferrugem da soja resistentes à fungicidas.
O fungo causador da Ferrugem Asiática tem desenvolvido ao longo dos anos várias mutações em seu genoma que conferem a capacidade de sobrevivência mesmo após a aplicação de fungicidas. A resistência surge devido a um processo chamado pressão de seleção, quando sucessivas aplicações de fungicidas com o mesmo mecanismo de ação são realizadas sobre as populações dos fungos e selecionam indivíduos mais adaptados à presença de fungicidas que possuem o mesmo mecanismos de ação.
No início do surgimento da doença no Brasil, os fungicidas mais utilizados para o seu controle foram os dos grupos dos triazóis e das estrobilurinas. Em 2007, cerca de 5 anos após a utilização dos triazóis para o controle da ferrugem, surgiram os primeiros relatos de perda de eficácia destes fungicidas devido à resistência desenvolvida pelo fungo. Em 2012 foi a vez da perda da eficácia das estrobilurinas, sendo também constatada a resistência genética nas populações do fungo.
O caso mais recente e mais rápido de adaptação a fungicidas deste fungo foi reportado na safra 2015/16. Em três anos de utilização dos fungicidas do grupo das carboxamidas nas lavouras, populações do fungo da ferrugem asiática apresentaram resistência a fungicidas de mesma classe química, através de uma alteração genética em um dos genes que codificam a proteína alvo das carboxamidas nas células fúngicas. A adaptação genética ocorreu no gene da enzima Succinato Desidrogenase C, ocorrendo a substituição do aminoácido isoleucina (I) por fenilalanina (F) na posição 86 da sequência da proteína (mutação sdhC -I86F). Os indivíduos mutantes rapidamente se espalharam pelas áreas produtoras no Brasil.
No estudo de monitoramento de soja guaxa realizado pelo FRAC-BR foi detectada a presença de inóculo resistente de Ferrugem Asiática com alta frequência da mutação I86F nos anos de 2017, 2018 e 2019 em praticamente todas as regiões de soja do Brasil (Figuras 1, 2 e 3).
Essas plantas voluntárias mantêm a alta frequência de mutantes no campo. No caso do estudo, apenas uma mutação foi estudada (sdhC-I86F que confere perda de sensibilidade às carboxamidas), mas essas plantas podem carregar ferrugem mutante com redução de sensibilidade também para triazóis e estrobilurinas.
A Figura 4 corrobora com os dados apresentados anteriormente e ilustra a presença de soja voluntária (guaxa) com ferrugem em diversas localidades do Brasil. Estas plantas, ao hospedarem populações do patógeno com maior frequência de mutação, servem de “ponte verde” entre as épocas de plantio e contribuem para que populações menos sensíveis aos fungicidas se multipliquem com maior intensidade e, consequentemente, infectem as plantas oriundas de nova semeadura.
Os dados reforçam a importância do vazio sanitário para a redução de populações resistentes e alertam para a importância de outra medida fitossanitária que tem se tornando fundamental para a produção de soja no Brasil: a calendarização da semeadura.
A calendarização da semeadura ou plantio da soja é a determinação de uma data-limite para semear a soja na safra. Essa medida foi estabelecida por normativas estaduais somente em sete Estados produtores de soja: Goiás, Mato Grosso, Paraná, Santa Catarina, Tocantins, Bahia e Mato Grosso do Sul. O principal objetivo da calendarização é reduzir o número de aplicações de fungicidas ao longo da safra e, com isso, reduzir a pressão de seleção de resistência do fungo aos fungicidas.
Semeaduras tardias de soja podem receber inóculo do fungo desde os estádios vegetativos, exigindo a antecipação da aplicação de fungicida e demandando maior número de aplicações de fungicidas. Quanto maior o número de aplicações, maior a exposição dos fungicidas e maior a chance de acelerar o processo de seleção de populações resistentes. O gráfico 1 ilustra os valores máximos e medianas da evolução da frequência da mutação sdhC I86F entre as safras 2017 e 2020, cujos valores percentuais se elevam à medida que os plantios são realizados ao longo da safra iniciada no mês de Setembro de cada ano correspondente.
Encontrar fungicidas com novos mecanismos de ação capazes de controlar populações resistentes têm se tornado um dos maiores desafios das empresas de defensivos agrícolas no mundo. A velocidade a ocorrência da resistência no campo é maior que a presteza da difícil tarefa de descobrir novas moléculas com novos mecanismos de ação, bem como é maior do que o longo processo de registro de novos agroquímicos no Brasil. Dentro desse contexto, a única alternativa para garantir a longevidade das tecnologias disponíveis são as práticas de manejo.
O vazio sanitário e a calendarização da semeadura da soja são estratégias antirresistência com objetivos diferentes para o manejo da ferrugem-asiática da soja e que favorecem o controle de outras doenças e pragas que afetam a cultura. São armas poderosas que devem ser respeitadas e fomentadas, e que contribuem para a sustentabilidade da sojicultura brasileira.
Existe uma falsa sensação por parte dos produtores de que a ferrugem está sob controle no Brasil e muitos movimentos têm surgido questionando essas medidas fitossanitárias. Entretanto, os produtores não podem e não devem arriscar. A Ferrugem pode destruir as lavouras e reduzir a produtividade em 90%, principalmente no cenário atual, em que os fungicidas não exercem mais todo o potencial de controle devido à resistência do fungo.
O melhor caminho é utilizar boas práticas agrícolas que tem garantido o sucesso do Brasil na produção do grão. Ou seja, realizar uma boa dessecação; respeitar o período de vazio sanitário da soja e os calendários de plantio; eliminar plantas de soja voluntárias nos arredores das suas propriedades; aplicar fungicidas de forma preventiva, respeitando os intervalos corretos; fazer uso de uma boa tecnologia de aplicação; rotacionar e associar diferentes grupos quimicos de fungicidas, além de utilizar fungicidas multissítios no sistema. Somente com estas medidas, a produção de soja no país poderá ser sustentável por mais safras e poderá manter maiores níveis de produtividade por área plantada.
Frac - BR
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