Manejo integrado não usa químicos para controlar o bolor verde da laranja

A adoção desse modelo agrega sustentabilidade à cadeia da citricultura e contribui com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU (ODS 12)

02.02.2021 | 20:59 (UTC -3)
Cristina Tordin

Uma combinação de tecnologias é a solução apresentada pela Embrapa Meio Ambiente (SP) para controlar o fungo causador do bolor verde da laranja, doença responsável pelas piores perdas na fase de pós-colheita. Testes comprovaram que a agregação de quatro métodos - tratamento hidrotérmico por aspersão e escovação (Thae), radiação ultravioleta C, agentes de biocontrole e uso de compostos bioativos - conseguiu obter desempenho similar ao do controle químico por fungicidas, em um processo limpo e sustentável de manejo integrado da doença.

O Brasil é hoje o maior produtor e exportador de suco de laranja do mundo. Uma significativa parcela da produção se perde devido a doenças na pós-colheita, sendo o fungo Penicillium digitatum, que provoca o bolor verde, o principal causador dessas perdas. O bolor verde se caracteriza, inicialmente, por uma podridão mole na casca, que ganha tonalidade verde com a produção dos esporos do fungo. Esses esporos se desprendem facilmente quando a fruta é movimentada durante o armazenamento e transporte, resultando em rápida disseminação da doença, contaminação e comprometimento de todo o lote.

“A tecnologia que estamos propondo vem ao encontro do aumento na demanda de produtores e comerciantes do setor de citricultura por métodos eficazes e alternativos ao uso de fungicidas. O setor está dependente de apenas uma molécula química de fungicida para tratamento pós-colheita, que está gradativamente perdendo a eficiência no controle de doenças. Além disso, o tratamento hidrotérmico atualmente usado não tem apresentado eficácia no controle. Existe, também, uma demanda crescente do consumidor, cada vez mais esclarecido, por alimentos livres de resíduos de agroquímicos. A nossa tecnologia é limpa e não deixa nenhum resíduo tóxico”, explica Daniel Terao, pesquisador da Embrapa Meio Ambiente.

A adoção desse modelo agrega sustentabilidade à cadeia da citricultura e contribui com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU (ODS 12), que prevê assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis. Mais especificamente, reduzir o desperdício de alimentos per capita mundial, nos níveis de varejo e do consumidor, e também reduzir as perdas de alimentos ao longo das cadeias de produção e abastecimento, incluindo as perdas na pós-colheita.

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O método desenvolvido pela Embrapa favorece, em especial, o setor de exportação de citros, uma vez que nesse segmento o tempo necessário para que a fruta chegue à mesa do consumidor aumenta significativamente. A laranja precisa estar sadia, sem nenhum sintoma, por aproximadamente 20 dias após a colheita. Normalmente, os fungos presentes na fruta aparentemente sadia no momento do embarque, de maneira quiescente, manifestam sintomas durante esse longo período de armazenamento. Portanto, é necessário que a fruta receba um eficiente tratamento na pós-colheita para que se mantenha saudável. 

Além disso, existem medidas cada vez mais restritivas impostas pelos importadores de frutas com relação à presença de resíduos químicos. “O processo de pós-colheita que estamos apresentando não deixa resíduos químicos”, pontua o pesquisador.

Trata-se de uma tecnologia com potencial de reduzir, ou até mesmo eliminar o uso de agroquímicos no tratamento pós-colheita de laranjas. “A ausência de resíduos químicos nas frutas tem sido cada vez mais demandada no exigente mercado internacional de frutas frescas”, destaca Terao. 

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O método desenvolvido pela Embrapa mantém a sustentabilidade ao longo de todo o processo. Além de eliminar o descarte de agroquímicos tóxicos, as tecnologias utilizadas reduzem ainda o consumo de água e a necessidade de energia elétrica.

No Brasil, o tratamento hidrotérmico mais comum é por imersão das laranjas em água aquecida, em torno de 52ºC durante cinco minutos. No entanto, além de usar grande volume de água quente não renovável, e do alto consumo de energia elétrica, não tem apresentado bons resultados. Ademais, acumula grande quantidade de detritos, matéria orgânica e propágulos dos fitopatógenos ao longo do dia. 

Já o tratamento hidrotérmico por aspersão e com escovação (Thae) é um processo que trata as frutas, enquanto giram sobre escovas rolantes, com spray de água quente em temperaturas mais elevadas que a imersão (de 55ºC a 70ºC), por um período curto de tempo (de 10 a 30 segundos), seguido imediatamente de aspersão com água fria a 15ºC, para cessar o efeito do calor.

Nos estudos sobre Thae verificou-se que, usando o binômio temperatura x tempo, de 55ºC por 30 segundos, houve controle de aproximadamente 67% de bolor verde em laranja Valência, além de aumentar o tempo de vida útil de prateleira dos frutos tratados, prolongando a firmeza, sem alterar o sabor da fruta. 

Terao explica que esse tratamento proporciona, além da limpeza superficial da fruta, um espalhamento da cera natural da casca, cobrindo e selando estômatos, que servem como locais de penetração e infecção pelo fungo. 

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A combinação do Thae com a levedura Candida membranifaciens, seguida da irradiação com luz UV-C a 1.5 kJ m−2, promoveu incremento no controle da doença, e aumentou a atividade de enzimas relacionadas à resistência natural da fruta, contribuindo na redução da intensidade da doença. Essa resistência natural está associada ao aumento da lignina, fitoalexinas e na manutenção de outros compostos antimicrobianos como as quitinases, que auxiliam na defesa natural da fruta ao ataque de fungos.

A estratégia para aumentar a eficácia dos controles alternativos é integrar diversos métodos a fim de obter um desempenho similar ao controle químico, pois além de compensar as limitações apresentadas no uso individual, reforça os efeitos aditivos e sinérgicos que ocorrem entre eles. Resultados de pesquisas têm demonstrado que o Thae é potencializado quando combinado com a radiação ultravioleta no controle de podridões em diversas espécies de frutas, como em citros, manga, maçã, mamão, morango e cereja.

No caso da laranja, Terao explica que foi avaliada a aplicação isolada de três doses de uma substância presente no extrato da planta daninha (foto) conhecida como buva (Conyza canadensis), aspergindo-se 2 mL da solução aquosa na epiderme da laranja. Essa substância controlou o bolor verde, aumentando a eficiência, gradativamente, com o aumento da dose, passando de 23% na dose de 10 µg mL-1 para 43% na dose de 100 µg mL-1. Além disso, a dose de 100 µg mL-1 retardou em dois dias o aparecimento de sintomas da doença. 

Observou-se também que quando a aplicação da substância foi combinada com a radiação UV-C, houve aumento na eficiência de controle. Aos 15 dias de armazenamento, constatou-se um nível de controle da doença ao redor de 70% com a dose de 100 µg mL-1, quando combinada à radiação UV-C. Além disso, retardou em sete dias a manifestação de sintomas do bolor verde. 

O estudo completo dos pesquisadores Daniel Terao, Sonia Queiroz, Kátia Nechet e Bernardo Halfeld-Vieira, da Embrapa Meio Ambiente, pode ser acessado aqui.

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