Manejo integrado do pulgão-do-algodoeiro

Vetor de viroses, capaz de se alimentar e sobreviver em plantas daninhas e diversos cultivos, o pulgão-do-algodoeiro é uma séria ameaça à produtividade e à qualidade da fibra

22.07.2020 | 20:59 (UTC -3)

O Brasil a cada ano se destaca na produção de algodão mundialmente. Entre os fatores que proporcionam essa posição está a qualidade de fibra, que permite ao País aumentar as vendas para os mais diversos mercados.

A região do Cerrado proporciona condições intrínsecas para que a cultura tenha um bom desenvolvimento e, ao final, uma boa colheita. As estratégias de manejo, aliadas ao outono e inverno secos por ocasião da colheita, proporcionam condições ideais para a qualidade da fibra em relação a comprimento, refletância, micronaire, entre outros parâmetros.

Ao mesmo tempo, o agroecossistema no Centro-Oeste promove um ambiente favorável à multiplicação de pragas, pois prevalece um sistema de produção com grandes extensões de áreas, com as culturas muitas vezes semeadas em janelas extensas, propiciando que as pragas migrem entre talhões próximos. Aliado a isto, outros fatores como condições climáticas favoráveis, altas temperaturas no verão, e inverno ameno, tornam-se ideais para a multiplicação dos insetos.

A planta de algodoeiro é atacada por um grande número de pragas, que durante o ciclo da cultura são capazes de causar redução na produção e na qualidade do produto, resultando em prejuízos consideráveis. A cultura chega a alcançar, em determinadas cultivares e regiões, 220 dias no campo, levando a grandes desafios, uma vez que pode compreender várias gerações de espécies pragas

Entre as pragas, o pulgão Aphis gossypii é uma das primeiras que aparecem na cultura, colonizando plantas pequenas, já no início do ciclo. Nessa fase pode causar danos que impactem e até limitem a produtividade. No passado, com a utilização de cultivares sensíveis à doença azul (mosaico das nervuras), o pulgão do algodoeiro foi alvo de 80% das pulverizações realizadas para o controle de pragas (Papa, 2001). Atualmente, na região dos Chapadões (Chapadão do Sul, Costa Rica/Mato Grosso do Sul e Chapadão do Céu/Goiás) o cotonicultor tem realizado em média de três a seis intervenções para o seu manejo ao longo do ciclo da cultura.

Os pulgões são insetos de tamanho pequeno, coloração variável de amarelo-claro a verde-escuro. Vivem sob as folhas e brotos novos das plantas, sugando a seiva. Os adultos apresentam tamanho em torno de 1,5mm, sendo o ciclo médio de oito dias. É uma praga em que a fêmea pode gerar de 25 a 50 indivíduos, sendo a longevidade média dos indivíduos de 20 dias.

A capacidade de reprodução destes insetos é enorme, favorecida por temperaturas elevadas e condições normais de umidade relativa. Entretanto, em condições de umidade baixa e estiagem, a situação pode se agravar (Degrande, 1998).

No clima brasileiro ocorre exclusivamente por partenogênese telítoca, isto é, sem a presença do macho, sendo tanto as formas aladas quanto as ápteras, constituídas de fêmeas larvíparas. No início da colonização, os indivíduos são ápteros, tanto ninfas quanto adultos reprodutivos na colônia não possuem asas. Existem diferenças fisiológicas e morfológicas entre formas ápteras e formas aladas, uma vez que cada uma delas tem uma função biológica. As formas ápteras permanecem na planta e têm a função de multiplicar e perpetuar a espécie, logo são altamente reprodutivas, por outro lado possuem corpo menos esclerotizado, menos robusto. Quando a população aumenta na colônia, o contato tátil entre os pulgões, principalmente entre antenas, serve como estímulo – sinal para que formas aladas sejam desenvolvidas. Fatores químicos podem exercer papel secundário nessa indução. Já as formas aladas são desenvolvidas para a função de migração, então são mais robustos, corpo mais rígido, possuem boa capacidade de voo e podem suportar maiores períodos sem se alimentar, além de possuir capacidade sensorial elevada devido às antenas mais longas e aos olhos bem desenvolvidos, o que permite localizar o novo hospedeiro, que pode ser outra planta de algodão ou outra espécie vegetal (Braendle et al., 2006).  A dispersão dos indivíduos pode ocorrer, ainda, por correntes de ar que os levam a grandes distâncias e dispersam por toda lavoura.

O pulgão suga a seiva das plantas, reduzindo o crescimento e desenvolvimento, provoca encarquilhamento das folhas e deformação dos brotos. Ao sugarem as plantas, os pulgões secretam o honey-dew, líquido que apresenta altos teores de açúcares provenientes da seiva da planta, que cai nas folhas e favorece o desenvolvimento de fungos oportunistas como o fumagina (Capnodium spp.) que dificulta a respiração e a fotossíntese da planta, contribuindo, também, para o seu enfraquecimento (Gallo et al., 2002).

Os pulgões podem ser transmissores de vírus causadores de doenças como o vermelhão do algodoeiro e a doença azul (mosaico das nervuras – “forma Ribeirão Bonito”), que provocam sérios danos à cultura (Santos, 2001). Nas últimas safras, em função da adoção de cultivares com maior tolerância/resistência a essas duas viroses, outra doença tem se pronunciado e chamado a atenção de produtores, a virose atípica. Os sintomas dessa doença são palidez das nervuras e enrugamento das bordas, e com sua progressão as folhas ganham coloração avermelhada-arroxeada. Seus prejuízos têm sido comumente observados nas mais diversas localidades brasileiras, sendo comum os técnicos relatarem prejuízos da ordem de 10% na produtividade, mesmo sendo realizado o controle da praga.

Figura 1 - (A) Fêmea alada - início de colonização em nova planta; (B) colônia de indivíduos ápteros já estabelecida
Figura 1 - (A) Fêmea alada - início de colonização em nova planta; (B) colônia de indivíduos ápteros já estabelecida

Manejo

Em cultivares suscetíveis, o nível de controle usual era de 5% de plantas atacadas/infestadas (Degrande, 1998). Em variedades resistentes ao vermelhão e à doença azul, o nível de controle usual é de até 10% de plantas, com a presença de colônias, considerando o risco de transmissão da doença atípica, ocorrendo tardiamente.

A amostragem deve ser constante em virtude da presença de plantas no campo o ano todo. Os pulgões são pragas polífagas, sendo encontrados em diversas espécies de plantas cultivadas ou daninhas, podendo desta forma servir de refúgio para os indivíduos.

As equipes técnicas necessitam treinamento e aperfeiçoamento, a fim de possibilitar o melhor entendimento das informações sobre a dinâmica populacional desses insetos, aliados a observações de progresso das doenças. Por exemplo, o fato de formas aladas se desenvolverem a partir de uma colônia já formada indica que a infestação pode iniciar de forma mais pontual, o que permite o tratamento apenas de talhões com a presença do inseto, evitando a dispersão para o restante da área e diminuindo a necessidade de aplicação em área total.

Entre os fatores que têm levado ao aumento populacional da praga pode ser apontada a intensa utilização de inseticidas para o controle do bicudo-do-algodoeiro, que resultou em diminuição importante de inimigos naturais de várias famílias de predadores e parasitoides, principalmente Coccinelidae (joaninhas predadoras) Cycloneda sanguinea, Eriopis connexa, Scymnus sp., Hypodammia convergens, entre outras; e a família Aphidiidae, onde está inserido o parasitoide Lysiphlebus testaceipes, encontrado em determinadas localidades.

Outro fator apontado nas últimas safras que contribui para o aumento populacional, reside na utilização de adubo nitrogenado em maior quantidade na cultura, sendo muito comum aplicações tardias (em torno dos 75-90 dias), a fim de promover maior produtividade. Plantas bem nutridas e com alto teor de nitrogênio na seiva representam uma fonte atrativa de alimento e desenvolvimento rápido de colônias.

Os pulgões são pragas polífagas, sendo encontrados em diversas espécies de plantas cultivadas ou daninhas, podendo desta forma servir de refúgio para os indivíduos. Dessa forma, um outro fator que dificulta o manejo da praga é a ocorrência de determinadas plantas daninhas como trapoeraba (Commelina benghalensis), caruru (Amaranthus sp.), entre outras, pois fazem com que o inseto se abrigue, propiciando a reinfestação da cultura (Gráfico 1).

Gráfico 1 - Frequência relativa de insetos em plantas de trapoeraba (Commelina benghalensis) na região de Chapadão do Sul/MS, na cultura do algodoeiro. Fundação Chapadão – Maio 2012. safra 2011/2012
Gráfico 1 - Frequência relativa de insetos em plantas de trapoeraba (Commelina benghalensis) na região de Chapadão do Sul/MS, na cultura do algodoeiro. Fundação Chapadão – Maio 2012. safra 2011/2012

Estas modificações na dinâmica do inseto e no sistema de produção fazem com que o manejo integrado de pragas (MIP) necessite ser tratado de forma mais estratégica em função das multiculturas hospedeiras. O conhecimento da praga, assim como da lavoura, pelo “produtor-técnico” é fundamental para o bom manejo.

A prática da destruição de soqueiras é uma alternativa no manejo da praga, diminuindo as populações, para a safra seguinte, o que pode interferir principalmente na dinâmica das doenças (viroses). Essas plantas remanescentes são local de refúgio e desenvolvimento de colônias que migraram de locais próximos, e podem servir como fonte de inóculo e fornecer insetos infectivos para novos cultivos. Esta prática leva o cotonicultor a retirar totalmente a cultura do campo em um determinado período de tempo, proposto pelas associações de produtores e órgãos de defesa agropecuária, também chamado de vazio sanitário. Além de contribuir para o manejo do bicudo, também representa uma importante ferramenta de manejo epidemiológico de doenças, como as viroses transmitidas por pulgões, uma vez que reduz tanto a população de insetos quanto a fonte de inóculo na área.

Pensando na implantação da lavoura, a primeira ferramenta utilizada pelo produtor é o tratamento de sementes, para propiciar bom desenvolvimento inicial das plantas. Diversos ingredientes ativos se encontram registrados para o controle da praga, com destaque para os neonicotinoides thiametoxan, clotianidim, imidacloprid e acetamiprid.

Outra medida complementar e a mais adotada pelos produtores consiste em pulverizações, que em determinadas fases são muito importantes, principalmente nas janelas de adubações nitrogenadas, em função da maior presença da praga.

Diversos inseticidas estão registrados para o manejo da praga, como carbosulfan, acetamiprid, thiametoxan, imidacloprid, tiacloprid, flonicamid, pimetrozina, diafentiuron, ciantraniliprole, acefato, além das novas moléculas sulfoxaflor e flupiradifurone com alta efetividade no controle.

Altas populações, aliadas a condições favoráveis, têm demandado a necessidade de reaplicações. O intervalo é dependente do monitoramento, sendo que algumas alternativas têm proporcionado intervalos superiores a 14 dias, e outras intervalos de cinco a sete dias.

Vários fatores técnicos podem e devem ser levados em conta na escolha dos produtos a serem utilizados. Além da efetividade de controle, a seletividade a inimigos naturais é importante para que esses organismos que ajudam a manter populações de diversos insetos-praga não sejam impactados negativamente já no início da cultura. Além disso, produtos que não afetem o equilíbrio entre ácaros predadores e fitófagos protegem o produtor de favorecer a ocorrência de outro problema na sua lavoura, o ataque de ácaros.

Por fim, considerando que essa é uma praga que não possui reprodução sexuada, ou seja, as ninfas são clones da mãe, é importantíssimo respeitar a rotação de mecanismo de ação, considerando os produtos incluídos desde o tratamento de sementes. Essa é uma prática importante para evitar/retardar a seleção de populações resistentes em campo e preservar a efetividade dos produtos disponíveis para seu manejo.

De modo geral, os pulgões são um desafio constante para o produtor em função dos diversos pontos já expostos: viroses, plantas daninhas, vazio sanitário, período da cultura no campo e manejo para altas rentabilidades - qualidade.

Somente uma boa base e estratégias integradas podem fazer a diferença na qualidade final desta importante cultura.

Germison Tomquelski e Yasmin Milken, Fundação Chapadão

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