Livro da Embrapa detalha sinergias de mudança da agricultura amazônica

O açaí é um dos principais produtos da agricultura e do extrativismo na Amazônia

27.05.2022 | 14:03 (UTC -3)
Embrapa
O açaí é um dos principais produtos da agricultura e do extrativismo na Amazônia. - Foto: Ronaldo Rosa
O açaí é um dos principais produtos da agricultura e do extrativismo na Amazônia. - Foto: Ronaldo Rosa

Um dos livros mais consistentes, detalhados e de ampla visão sobre os atuais desafios e perspectivas da agricultura na Amazônia acaba de ser lançado pela Embrapa Amazônia Oriental (Belém, PA). Escrito por 37 autores representando 16 instituições nacionais e internacionais, o livro Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades analisa temas cruciais da pauta regional e apresenta propostas para produção agrícola e florestal na Amazônia Legal, região onde vivem cerca de 30 milhões de pessoas e o nível de desmatamento é estimado em 81 milhões de hectares.

Baixe neste link a publicação

A transição florestal produtiva (para redução da área desmatada) e a intensificação tecnológica com sustentabilidade estão entre as propostas defendidas pelo pesquisador Alfredo Homma, autor e editor técnico da publicação. “Não existe solução mágica para a região. Leva tempo, exige persistência e sinergia para haver mudanças dessa magnitude, mas uma nova agricultura amazônica é possível e parte dela já está em andamento, expressa, por exemplo, nas iniciativas de domesticação de produtos extrativos para viabilizar cultivos comerciais ou na valorização dos subprodutos dos já domesticados, como o amido da mandioca”, analisa o pesquisador.

Ciência, tecnologia e políticas públicas

Homma avalia que a reversão da cobertura florestal em áreas desmatadas será crescente até atingir de 10 milhões a 15 milhões de hectares no máximo. “Dos 81 milhões de hectares desmatados, é indispensável manter um mínimo de 60 milhões a 65 milhões deles para as atividades produtivas, cidades, infraestrutura. Isto seria possível mediante intensificação da agricultura e da pecuária, liberação das áreas de pastos, piscicultura, orientação para cultivos perenes, mudanças para atividades poupadoras de terra”, antevê o pesquisador.

De acordo com o escritor, não se pode prescindir de planejamento e investimento em contínuas descobertas científicas e tecnológicas aplicáveis à Amazônia, nem de políticas públicas que favoreçam a inclusão e o engajamento de produtores e demais agentes das cadeias produtivas no compromisso de criar e adotar alternativas que elevem o padrão tecnológico e econômico visando a sustentabilidade das atividades agrícolas e pecuárias. “Em face do grande número de pequenos produtores envolvidos, há necessidade de direcionamento econômico voltado para o social”, salienta.

O autor defende ainda o aumento da produtividade da atual agricultura como uma forma de manter a fronteira velha (áreas já exploradas) contida no tamanho que ocupa hoje e também causar redução das novas fronteiras. “É possível desenvolver uma agricultura amazônica utilizando somente as áreas já desmatadas”, garante o pesquisador, para quem a domesticação de produtos extrativos que já chegaram ao limite da capacidade de oferta também é fundamental nesse processo.

“Somente com a domesticação será possível reduzir a pressão sobre os recursos na floresta e ampliar o mercado a custos mais competitivos”, afirma Homma. Com relação aos recursos madeireiros, mesmo se houver estoque, os especialistas incentivam o plantio florestal na Amazônia como forma de atender o crescimento do mercado a médio e longo prazo.

"Marca" Amazônia

Na opinião de Walkymário de Paulo Lemos, chefe-geral da Embrapa Amazônia Oriental (Belém, PA), a competitividade dos produtos exclusivos da Amazônia vai depender da intensificação tecnológica com sustentabilidade. “É preciso haver melhorias das condições de infraestrutura, saúde e educação, além do desenvolvimento de uma agricultura tropical que possibilite o plantio de produtos da biodiversidade amazônica até então tipicamente extrativos”, diz ele.

Já para os produtos comuns (produzidos na Amazônia e fora dela), como soja, milho, pecuária e mandioca, “a competitividade estará associada ao atendimento do mercado regional e à redução de custos de transporte para atingir os mercados externos”, avalia Walkymário.

Conforme estudos relatados no livro, reduz-se o desmatamento realizando primeiro a sua neutralização, ou seja: no início consegue-se zerar o desmatamento, fazendo o reflorestamento e a recuperação de Área de Reserva Legal (ARL) e Área de Preservação Permanente (APP), para mais adiante, quando a cobertura florestal crescer, se obter o saldo positivo do plantio.

O processo de recuperação de áreas degradadas, no entanto, sofre entrave devido ao custo elevado desse tipo de ação na Amazônia. Dados da publicação revelam que o custo da recuperação do passivo ambiental das ARLs ou das APPs varia entre R$ 5 mil e R$ 10 mil por hectare, podendo encarecer em função de fatores internos ou externos, como a guerra na Ucrânia em andamento.

O pesquisador Alfredo Homma chama a atenção sobre os efeitos negativos da guerra Rússia x Ucrânia para a recuperação de pastos e culturas menores na Amazônia. “A alta no preço dos fertilizantes, causada pela restrição da oferta do produto gerada pelo conflito, vai afetar sobretudo pequenos produtores. Isso já ocorre com os pequenos plantadores de verdura da região metropolitana de Belém, que estão pagando alto preço e encontram dificuldade de compra. Para os grandes produtores é mais fácil assegurar essas cotas. Somente cinco culturas – soja, milho, cana-de-açúcar, algodão e café – consomem cerca de 80% dos fertilizantes usados na agricultura brasileira”.

Propostas para a Amazônia

Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades (acesse por aqui) é uma obra de quase 500 páginas, que condensa em 21 capítulos as temáticas da agricultura na Amazônia no contexto da sustentabilidade e meio ambiente (Parte 1), da ocupação e mudança no uso da terra e agricultura (Parte 2) e das oportunidades produtivas mais sustentáveis (Parte 3).

No final do livro, em um tópico especial, são apresentadas as propostas agrícolas para a Amazônia, como: o desenvolvimento de atividades produtivas que promovam a utilização de áreas degradadas e/ou já desmatadas, “algo que pode ser executado por todos os produtores”, destaca Homma. Ele lembra que os caminhos dessas transformações também passam pelo aumento da fiscalização para coibir os ilícitos (desmatamento, queimadas, extração de madeira, garimpo ilegal, narcoeconomia, contrabando da flora e da fauna), a redução da heterogeneidade tecnológica, a melhoria do capital social e a introdução da mecanização (neste caso por reduzir a força braçal e o grau de fadiga, aumentando a produtividade).

Detalhes do conteúdo

Os capítulos trazem temas como extrativismo, transição florestal produtiva, projetos de reforma agrária, pastagens, tipificação do desflorestamento, políticas públicas, biopirataria, agricultura e sustentabilidade no Amazonas, pecuária bovina, piscicultura, potencialidades da cultura da mandioca no Pará, farinha do Juruá no Acre, soja, mercado da pimenta-do-reino no Brasil e no mundo, citricultura, cacauicultura, produção, comercialização do açaí no Pará, bioeconomia, sistemas agroflorestais e pagamentos por serviços ecossistêmicos.

As informações dão conta que o desenvolvimento de uma nova agricultura amazônica vem sendo incentivado tanto para plantas da biodiversidade local como as exóticas (que vêm de fora). Os autores citam que, no âmbito da agricultura familiar, pequenos produtores já fazem plantios de cacaueiro, mandioca, açaizeiro, jambu, cupuaçuzeiro e malva, plantas da biodiversidade. Entre as exóticas, destacam-se pimenteira-do-reino, juta, bananeira, abacaxizeiro, laranjeira, limoeiro, dendezeiro, cafeeiro e maracujazeiro, além da pecuária leiteira.

Por outro lado, cada estado da Amazônia difere dos outros quanto às culturas principais, exigindo propostas diferenciadas. De acordo com a nova publicação, “Mato Grosso, Maranhão, Tocantins, Pará e Rondônia se destacam pela produção de culturas temporárias. Pará e Tocantins, no cultivo de lavouras permanentes. Mato Grosso, Pará, Tocantins, Roraima e Maranhão, em pastos plantados. Mato Grosso, Pará e Maranhão no reflorestamento”.

Autores e instituições

O livro foi fruto do desenvolvimento do Projeto “Transformações recentes na agricultura amazônica: o caso do Estado do Pará” componente do Arranjo NOVOBR intitulado Desenvolvimento Agropecuário no Novo Brasil Rural: Implicações para a Pesquisa, Estratégias Institucionais e a Formulação de Políticas Públicas.

Dos 37 autores, apenas um é consultor autônomo, os demais estão vinculados à Embrapa Amazônia Oriental (Alfredo Homma, Adriano Venturieri, Antônio José Elias Amorim de Menezes, Moacyr Bernardino Dias-Filho, Moisés Cordeiro Mourão de Oliveira Júnior, Moisés de Souza Modesto Júnior, Raimundo Nonato Brabo Alves); Embrapa Amazônia Ocidental (Gilmar Antônio Meneghetti, José Olenilson Costa Pinheiro); Embrapa Acre (Claudenor Pinho de Sá); Embrapa Sede (Adalberto Araújo Aragão, Carlos Augusto Mattos Santana, Eliane Gonçalves Gomes); Centre de Coopération Internationale en Recherche Agronomique pour le Développement – Cirad (René Jean Marie Poccard-Chapuis); Centre National de la Recherche Scientifique – CNRS (Hervé Théry); Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira – Ceplac (Fernando Antônio Teixeira Mendes); Federação da Agricultura e Pecuária do Pará – Faepa (Emeleocipio Botelho Andrade); Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – Incra (Jorge Luís Nascimento Soares, Ronaldo Pereira Santos); Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – Inpa (Charles Roland Clement, Philip Martin Fearnside); Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – Inpe (Cláudio Aparecido de Almeida); Museu Paraense Emílio Goeldi – MPEG (Monyck Jeane dos Santos Lopes); Secretaria de Estado da Fazenda – Sefa (Marivaldo Palha Palheta); Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agropecuário e da Pesca – Sedap (Geraldo dos Santos Tavares); Universidade de Brasília - UnB (Geraldo da Silva e Souza); Universidade Federal do Amapá - Unifap (Josimar da Silva Freitas); Universidade Federal do Amazonas - Ufam (Alexandre Almir Ferreira Rivas, Lindomar de Jesus de Sousa Silva); Universidade Federal do Pará - UFPA (André Cutrim Carvalho, Gisalda Carvalho Filgueiras, Marcos Ferreira Brabo); Universidade Federal Rural da Amazônia – Ufra (Fabricio Khoury Rebello, in memoriam, Izabely Vitória Lucas Ferreira, Marcos Antônio Souza dos Santos, Marluce Reis Souza Santa Brígida) e Gilberto Ferreira da Silva Júnior (consultor autônomo).

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