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Algumas das terras mais férteis do mundo, as chamadas terras negras da Ucrânia, estão sendo inutilizadas pelos bombardeios russos. A produção de grãos caiu pela metade em um ano de guerra.
A guerra não só mata e fere os homens: também mutila a terra. O efeito é mais pernicioso, menos impressionante do que um prédio destruído cercado por escombros, mas muito devastador. Enquanto o exército russo inicia uma nova ofensiva, o território ucraniano exibe as muitas cicatrizes de um ano de guerra: tanques carbonizados à beira das estradas ou no meio dos campos, campos desfigurados por granadas e minas, florestas dilaceradas pela passagem das trincheiras. Os efeitos da invasão no solo da Ucrânia, celeiro de trigo e milho no continente europeu, já são visíveis – e quantificados.
De acordo com a Associação Ucraniana de Grãos (UGA), a área cultivada foi reduzida em um quarto entre 2021 e 2022 devido à invasão russa, que dificultou a semeadura. Para este ano, as previsões são mais baixas: a UGA antecipa uma colheita de cereais e oleaginosas da ordem dos 53 milhões de toneladas em 2023, contra 65 milhões de toneladas em 2022 (e 106 em 2021).
A passagem de veículos militares e os impactos de mísseis prejudicam a terra fértil, "poluída por produtos químicos de materiais explosivos e combustível", observa Vitaliy Privalov, geólogo ucraniano que ingressou no laboratório GeoRessources (Universidade de Lorraine - CNRS) na primavera passada.
Um verdadeiro tesouro nacional, os famosos chernossolos ("chernozems", literalmente "terra negra", em tradução do russo "chorny" + "zemlya") são particularmente afetados.
"A Rússia os transformou na terra mais poluída do mundo", diz Anatolii Kucher, professor do Instituto de Pesquisa Ucraniano de Ciência do Solo e Agroquímica (NSC ISSAR). Ricos em matéria orgânica e minerais, os chernossolos possuem grande capacidade de absorção de metais e derivados de petróleo. Suas propriedades biológicas são hoje degradadas pela poluição de óxidos de cromo, cobre, níquel, chumbo e petróleo de material bélico.
"Os compostos metálicos migram ativamente para o subsolo, criando canais e armadilhas onde se acumulam produtos perigosos e tóxicos para o meio ambiente. A absorção do solo atinge um patamar de saturação", explica Vitaliy Privalov, que trabalhou em Donetsk até 2014 e depois no Dnipro.
"Os processos de desintoxicação natural e restauração da fertilidade dos chernossolos são relativamente retardados, de modo que os mecanismos de purificação podem durar décadas ou mais. 'Homem e animais através da cadeia alimentar'", acrescenta Kateryna Smirnova, pesquisadora do NSC ISSAR.
“Mesmo antes do início da agressão russa em fevereiro de 2022, no Donbass bombardeado sistematicamente desde 2014, registramos superações sistemáticas de valores de poluição química”, observa o professor-pesquisador do laboratório GeoRessources.
Estudos realizados nos solos dos territórios libertados da região de Kharkiv confirmam isso. Nas áreas onde ocorreram "hostilidades ativas", os teores de alguns metais foram superiores aos níveis pré-invasão: cádmio (4 a 18 vezes), chumbo (3 a 22 vezes), cobre (6 a 12 vezes), níquel (2 a 4 vezes) e cromo (2 a 3 vezes), segundo declarações da pesquisadora Valentina Samokhvalova (NSC ISSAR).
As consequências ambientais de longo prazo da invasão russa para o solo permanecem difíceis de avaliar, pois dependem da duração e do progresso dos combates. "Um terço do fundo florestal da Ucrânia, ou cerca de três milhões de hectares, já sofreu com a guerra", estima Vitaliy Privalov.
Devido a incêndios em instalações de armazenamento de petróleo e gás, poços de exploração, minas de carvão, produtos de combustão perigosos entram no ar, solo e água subterrânea. Sem falar nas áreas permanentemente contaminadas por engenhos não detonados, cujo número é "maior que na Síria e no Afeganistão", explica Privalov.
"Existem minas antitanque e antipessoal, minas terrestres, munições cluster e grande número de granadas não detonadas", lista o geólogo. Cerca de um terço do país deverá ser limpo, "o que levará pelo menos dez anos".
Existe um termo para descrever a forma singular de destruição do solo decorrente da guerra: bomturbation. O conceito foi introduzido pela primeira vez em 2006 pelo geomorfólogo Joseph Hupy e pelo geólogo Randy Schaetzel. Descreve a formação de crateras na superfície do solo e sua mistura pela explosão de munições e outras artilharias mais ou menos pesadas. Os cientistas analisaram o caso do campo de batalha de Verdun durante a Primeira Guerra Mundial, onde explosões fraturaram o leito rochoso raso. As alterações na morfologia da paisagem, a concentração de certos metais e a erosão devido ao conflito ainda são tangíveis um século depois. Será o mesmo para a Ucrânia?
"Eu diria que o termo 'bombturbation' é muito mais restrito do que a realidade causada pela invasão russa. Há uma diferença de escala e uso de armas em relação à Primeira Guerra Mundial. Os impactos negativos são muito maiores atualmente", continua o geólogo Vitaliy Privalov.
No Donbass (leste do país), onde a atividade mineira é intensa há muito tempo, os solos já sofreram várias alterações devido a essa indústria. O conflito, que começou nesta região em 2014, agravou a situação. Os "chernossolos sofreram e ainda sofrem uma degradação militar irreparável. É muito difícil superá-la", escreveram em 2021 três especialistas ucranianos em artigo publicado em um jornal agrícola.
Uma vez terminada a guerra, estes territórios vão exigir "estudos pós-desminagem e avaliações de risco detalhadas, medidas para acelerar a reabilitação da saúde do solo e monitorização ambiental especial", julga Kateryna Smirnova. "Tudo pode ser consertado", insiste Vitaliy Privalov. "É apenas uma questão de encontrar os fundos necessários para resolver o problema."
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