Fruticultura Irrigada é o novo vetor de desenvolvimento do Nordeste goiano

Primeiros pomares de maracujá irrigado já estão em produção

16.04.2024 | 15:32 (UTC -3)
Breno Lobato
Foto: Breno Lobato
Foto: Breno Lobato

A região do Vão do Paranã, no Nordeste de Goiás, se prepara para dar um importante salto de desenvolvimento socioeconômico a partir da produção de frutas em sistema irrigado, com a contribuição técnica da Embrapa Cerrados (DF). A Unidade é parceira do projeto “Fruticultura Irrigada do Vão do Paranã”, lançado em 2023 pela Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Goiás (Seapa/GO).

A iniciativa tem como objetivo viabilizar a produção irrigada de frutas como manga e maracujá por 2.500 famílias de agricultores assentados da reforma agrária de Flores de Goiás, Formosa e São João d’ Aliança, municípios abastecidos pelas barragens do Rio Paranã e do Ribeirão Porteira. Também participam do projeto a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), a Emater/GO, o Senar/GO e as prefeituras locais.

Os agricultores participantes recebem kits de irrigação e espaldeiras para o maracujá. Cada propriedade contará com sistema de microaspersão para 1 ha de manga e um sistema de gotejamento para 1 ha de maracujá. O custeio do sistema de produção – mudas, insumos, mão-de-obra, entre outros – é de responsabilidade dos produtores contemplados, que podem financiar esses itens total ou parcialmente por bancos públicos ou privados. Na primeira etapa do projeto, 10 famílias foram contempladas e outras 138 foram selecionadas pela Seapa/GO para receberem os kits em 2024. 

De acordo com a Seapa, o projeto deve alcançar uma área de 296 ha com potencial para produzir anualmente cerca de 4,2 mil toneladas de maracujá e 6 mil toneladas de manga a partir do segundo e terceiro anos de cultivo, respectivamente. Cada produtor tem a meta de produzir 28 toneladas por ano, o que proporcionaria uma receita bruta de cerca de R$ 200 mil somente com a produção de maracujá.

Os primeiros plantios foram realizados entre setembro e outubro de 2023 com a assistência da Emater/GO, do Senar/GO e dos técnicos das secretarias municipais de agricultura, que também auxiliaram na aquisição das mudas e estão acompanhando o manejo dos pomares, que no caso do maracujá já estão em produção. Para subsidiar esse trabalho, os profissionais foram capacitados presencialmente pela Embrapa Cerrados em maio de 2023. 

As equipes técnicas da Unidade e os agentes multiplicadores têm acompanhado esses agricultores desde o início do projeto. Além da assistência técnica relacionada ao manejo das culturas de maracujá e manga, os agentes multiplicadores também vão auxiliar os produtores no manejo da irrigação para o uso eficiente dos equipamentos adquiridos.

A Embrapa Cerrados está produzindo um software para auxiliar os produtores no manejo da irrigação. Também está em elaboração um curso para capacitar os produtores na utilização do software e nos conceitos básicos do manejo da irrigação.

Para o chefe-adjunto de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Cerrados, Lineu Rodrigues, o projeto é de grande importância para a Unidade, pois contribui diretamente na melhoria da qualidade de vida das pessoas. “A ideia fundamental é trazer o desenvolvimento para a região por meio da irrigação. Esse projeto será referência para o Brasil e poderá ser replicado em outras partes do País”, acredita o pesquisador.

O gerente de Irrigação, Clima e Agricultura da Seapa/GO, Alisson Ferreira, considera o projeto, que começou a ser delineado em 2019, uma ferramenta de transformação social. “Flores de Goiás tem um dos menores Índices de Desenvolvimento Humano do estado e está numa das regiões com mais assentamentos de reforma agrária. Somente no município há 22 assentamentos, com 2.375 famílias, e elas precisam de alguma atividade produtiva. A expectativa é de aumento de renda para os agricultores e a geração de empregos para que essas famílias possam permanecer no campo e viver da atividade produtiva”, comenta.

Alberto do Nascimento Silva, gerente de Apoio à Produção da Codevasf, lembra que a agricultura irrigada tem transformado a realidade de diversas regiões brasileiras, principalmente ao longo da bacia do São Francisco. Ele espera que o projeto transforme o Vão do Paranã num pólo de fruticultura, aproveitando a proximidade de Brasília, um grande centro consumidor, e a riqueza em recursos hídricos. “Diversos rios passam por aqui, há duas barragens e mais uma a ser construída. A água, que é essencial para se trabalhar com agricultura irrigada, não será um fator limitante. Temos solos com alto potencial e enxergamos a fruticultura irrigada como um meio de desenvolver a região, já que essa atividade normalmente gera mais empregos e tem um valor agregado maior que o de outras culturas”, diz.

O prefeito de Flores de Goiás, Altran Avelar, destaca a esperança de desenvolvimento e melhoria da qualidade de vida dos agricultores familiares oriundos da reforma agrária. “Estamos recebendo a parceria de várias instituições empenhadas em trazer um projeto concreto, sólido, eficiente e com muita tecnologia envolvida para garantir que ele seja alavancado e se torne referência nacional em produção da agricultura familiar, trazendo novas metodologias para serem replicadas em todo o território nacional. Que essas famílias possam se tornar grandes produtoras de frutas do Brasil”, diz.

Agricultores revelam otimismo com o projeto

Até o final de março, foram fechadas as duas primeiras vendas de maracujá para a Perboni, uma das maiores distribuidoras de hortifrútis do Brasil. Segundo Alisson Ferreira, a primeira venda foi fechada a R$ 5,30/kg e a segunda a R$ 7/kg. “O preço é sazonal, mas o potencial somente para esse 1 ha de maracujá pode chegar a quase R$ 200 mil/ano. Isso permite que o agricultor participante possa viver da renda gerada dentro da propriedade”, explica. 

Já a manga entrará em produção a partir do terceiro ano do projeto, podendo alcançar uma produtividade média de 40t/ha. “Como o preço dessa fruta também é sazonal, ainda não temos uma projeção financeira, mas estima-se que possa chegar a algo em torno de R$ 150 mil/ano para cada hectare”, projeta o gerente da Seapa/GO.

Entre os agricultores pioneiros do projeto estão José Vanderley Gomes e Ana Clézia dos Santos, do assentamento Bom Sucesso II, em Flores de Goiás. O casal trocou o cultivo de hortaliças para se dedicar integralmente à produção irrigada do maracujá e da manga. “Esperávamos que surgisse uma cooperativa, pois nossa expectativa era pequena, não tínhamos condições. Mas tivemos a oportunidade de participar do projeto através de um vizinho. Fomos selecionados e agora estamos animados”, diz Vanderley. 

Com caixas repletas de maracujás na propriedade de 27 ha, o agricultor agora aposta numa boa renda com a produção das frutas. “Não tínhamos renda de praticamente nada e agora estamos tranquilos. Temos planos de aumentar a plantação de maracujá. Acreditamos que teremos como melhorar de vida. Não temos carro, andamos de bicicleta. Creio que futuramente estaremos bem melhor”.

Vizinhos de Vanderley e Ana Clézia, Edgar dos Santos e Luciana de Neves também mostram entusiasmo com a fruticultura irrigada. Eles produziam melancia, mandioca e feijão de corda na propriedade de 21 ha, mas também passaram a se dedicar exclusivamente aos pomares de manga e maracujá. “Sempre foi nosso sonho morar e viver do que produzimos na propriedade. Vimos no projeto essa oportunidade de gerar renda e emprego. Não é bom só para nós, mas também para o município e a região”, diz Luciana.

Além das primeiras produções de maracujá, o projeto já trouxe dois importantes resultados para o casal: a outorga de uso da água na propriedade, quesito obrigatório para participação na iniciativa; e a possibilidade de Edgar trabalhar somente em casa – antes, ele passava a maior parte do mês trabalhando como pedreiro na cidade. “Esperamos melhorar nossa moradia, conseguir comprar um trator para melhorar as condições de trabalho e, se dermos conta, aumentar a área”, afirma Edgar. “Agora a gente começa a sonhar mais alto”, completa a esposa.

As experiências dos dois casais têm inspirado outros agricultores da região, como Vicente de Almeida Filho, do assentamento Santa Clara, também em Flores de Goiás, que decidiu se inscrever para receber os kits de irrigação. Ele e a esposa cultivam quiabo, melancia, abóbora cabotiá e abóbora tropicana em sistema irrigado na propriedade de 22,4 ha.

“Não participei no início do projeto porque tinha dúvida se daria certo ou não. Mas quando vi que os 10 primeiros agricultores acreditaram e há todas essas instituições envolvidas, vi que tinha possibilidade para crescer”, conta Vicente. Ele destaca que a irrigação é fundamental para a produção de alimentos na região. “Ela traz o alimento para as famílias e o desenvolvimento rural. Muitos agricultores plantavam no inverno e perdiam a produção porque não tinham irrigação. Aqui em Flores de Goiás, as temperaturas são muito altas, e sem a irrigação não temos como trazer alimentos porque tudo morre pelo calor intenso”, explica.

O agricultor aposta que com a fruticultura irrigada o casal conseguirá manter e até aumentar a renda. “Nosso plano pessoal é um dia ter um carro para passear, dinheiro no banco, ter uma economia para comprar remédios quando ficarmos mais velhos e uma estrutura para que nossos filhos e netos possam seguir com o projeto, que não pode parar. Espero que daqui a três anos eu tenha, só com o maracujá, 3 ha. E vamos crescer na manga também”, projeta.

Além da multiplicação da produção de manga e de maracujá nos próximos anos, a região vive a expectativa da construção de uma agroindústria para o processamento dos frutos que não forem comercializados para consumo in natura. Orçado em R$ 5 milhões, o projeto será custeado por um fundo estadual.

Dados climáticos serão estratégicos para a irrigação

Em 26 de março, o projeto entregou uma estação meteorológica, instalada na Escola Municipal Rosário e Souza Ferreira, na zona rural de Flores de Goiás. As informações climáticas obtidas da estação vão subsidiar as decisões dos agricultores participantes quanto ao manejo da irrigação. “Estamos começando a entregar os primeiros frutos dessa parceria. É uma estação meteorológica que fará toda a diferença no processo de irrigação”, comenta Alberto do Nascimento Silva, da Codevasf.

Lineu Rodrigues explica que a estação meteorológica é estratégica para o projeto. “Quando se pensa em manejo de irrigação, objetiva-se definir o momento de irrigar e a quantidade de irrigação a ser feita. No final das contas, é melhorar a eficiência de uso da água da irrigação sem comprometer a produção. Para isso, as informações sobre o clima são fundamentais. A planta, que é a estrela principal, responde diretamente às variações climáticas. A estação meteorológica vai fornecer as informações básicas sobre o clima local que possibilitarão calcular o quanto de água as plantas estão utilizando. Manejando a água de forma correta, o irrigante estará também economizando na energia e aumentando o seu lucro”.

Também pesquisadora da Embrapa Cerrados, Maria Emília Alves acrescenta que o registro de dados climáticos pela estação meteorológica ao longo do tempo será importante para o planejamento dos plantios no futuro. “Se você quiser trabalhar com outra cultura agrícola, é preciso estudar os dados climáticos para saber se ela vai se adequar. Por isso, é importante ter na região uma estação meteorológica que gere dados fidedignos e fazer o registro desses dados corretamente para que, no futuro, possamos avançar em outras frentes”, diz.

Além dos dados diários de chuva, temperatura, umidade relativa do ar, radiação solar, velocidade do vento gerados pela estação meteorológica e que poderão ser acessados em tempo real com o uso de um telefone celular, os agricultores poderão contar futuramente com um aplicativo que reunirá dados georreferenciados sobre as características dos solos da região e das plantas de manga e maracujá. 

A previsão é de que o aplicativo, que será desenvolvido pela Embrapa Cerrados, esteja disponível até julho deste ano. Os agricultores e os jovens envolvidos no projeto serão capacitados para o uso da nova ferramenta. “Com essas informações, o produtor poderá verificar se precisa irrigar ou não e, se tiver que irrigar, o quanto tem que irrigar e por quanto tempo precisará deixar o sistema de irrigação ligado para suprir as necessidades hídricas das plantas”, explica Lineu Rodrigues.

Os agricultores também estão aprendendo sobre técnicas de manejo da irrigação e o uso de equipamentos como tensiômetros (usados para medir a tensão da água retida no solo) e sondas de TDR (determinam a umidade e a condutividade elétrica do solo), entre outros. “Um dos legados que queremos deixar com esse projeto é mostrar que tecnologias modernas de irrigação não são exclusivas de grandes irrigantes. Água e energia viabilizam o uso da irrigação, que traz desenvolvimento e transforma vidas”, completa o pesquisador.

Mais capacitações e intercâmbio de conhecimentos, com avaliação dos impactos das tecnologias

A Embrapa Cerrados prosseguirá com a atualização técnica e a troca de conhecimentos com agentes multiplicadores que atuam no Vão do Paranã. “Para nós, a transferência de tecnologia e a assistência técnica é um ponto fundamental para o sucesso do projeto. Por isso, as parcerias com os agentes multiplicadores que atuam na região é tão importante”, afirma o chefe-adjunto de Transferência de Tecnologia da Unidade, Fábio Faleiro.

Ele acrescenta que a interação das equipes do centro de pesquisa com os técnicos da Emater/GO, do Senar/GO, da Seapa/GO e das secretarias municipais de agricultura da região é fundamental para potencializar as ações de transferência de tecnologia e assistência técnica para os agricultores participantes do projeto e para prospectar demandas reais para futuras ações de pesquisa e desenvolvimento, visando às melhorias dos sistemas de produção das frutas de acordo com a realidade e particularidades locais.

O mobilizador de treinamentos do Senar/GO, Edinaldo Moura, lembra que os técnicos de campo da entidade já vinham atuando para atender os produtores participantes do projeto, e que as capacitações realizadas pela Embrapa Cerrados agregaram mais conhecimentos específicos nas culturas do maracujá e da manga para que o atendimento seja o melhor possível. 

“Nossos técnicos estão em constante contato com os produtores, seja via WhatsApp ou nas visitas. E esses produtores assistidos já conseguem identificar, dentro do conhecimento repassado, alguma dificuldade ou problema com a produção e acionar os técnicos. O produtor tem sido muito receptivo à nossa assistência e também há o retorno positivo por parte dos técnicos”, avalia.

Para Vinicius Rodrigues da Silva, extensionista da Emater/GO em Flores de Goiás, as capacitações da Embrapa Cerrados foram de grande importância. “A cada dia, lidamos com novos desafios como esse da fruticultura, que tem muitos parceiros envolvidos. Para nós é um grande aprendizado e isso mostra que o investimento em capacitação para preparar o nosso corpo técnico para solucionar as demandas do produtor no campo”, afirma. 

Ele lembra que alguns agricultores nunca haviam trabalhado com fruticultura: “Foi um desafio novo tanto para nós como para os produtores. Já temos os 10 primeiros produtores, que estão servindo como modelo para outros agricultores que antes tinham receio de entrar no projeto e viram que a realidade mudou, ao vivenciarem como é estar produzindo”.

Além dos treinamentos presenciais realizados em 2023, foram disponibilizados gratuitamente os minicursos on-line da plataforma e-Campo, da Embrapa, sobre o cultivo comercial do maracujá e da manga. Os minicursos podem ser feitos a qualquer tempo por qualquer pessoa interessada. Segundo o chefe-adjunto de Transferência de Tecnologia da Embrapa Cerrados, Fábio Faleiro, está sendo articulado com a Emater/GO e o Senar/GO um local com computadores para que os agricultores participantes do projeto também possam acessar as capacitações on-line. 

“Quem fizer os minicursos ganha um certificado. Em breve, também disponibilizaremos um minicurso sobre o manejo da irrigação e o uso dos dados da estação meteorológica”, informa Faleiro. “Queremos que todos os produtores envolvidos no projeto façam os minicursos. A capacitação é muito importante nesse processo de desenvolvimento regional”, completa.

Além dos minicursos, eventos de dia de campo e intercâmbio de conhecimentos também serão realizados ao longo do projeto. No último dia 26 de março, foi realizado um dia de campo sobre boas práticas de manejo da cultura da maracujá e da manga na propriedade de Kênia Paula Borges, do assentamento Bom Sucesso II. O pomar de maracujá já estava iniciando a produção e o pomar de manga se encontrava na fase de formação de copa.

Junto com as ações de transferência de tecnologia, a Embrapa Cerrados tem realizado, desde o início do projeto, a avaliação dos impactos econômicos, sociais e ambientais nas propriedades participantes. Especialistas da Unidade, juntamente com os técnicos parceiros, têm realizado entrevistas com os agricultores para levantar informações sobre os conhecimentos, as motivações e as vantagens e desvantagens de se produzir frutas com irrigação na região, além de aspectos econômicos, sociais e ambientais relacionados ao desenvolvimento regional.

Faleiro observa que projetos estruturantes de desenvolvimento regional envolvem recursos públicos e parcerias público-privadas, havendo portanto um custo para a sociedade. “Por isso é importante que nesse processo se faça uma avaliação no início, no meio e no final do projeto. Precisamos mostrar os impactos das ações de transferência de tecnologia, de capacitação, de desenvolvimento e de políticas públicas e se elas de fato chegaram ao objetivo final, que é melhorar a qualidade de vida dos produtores e contribuir para o desenvolvimento regional”, justifica.

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