Expectativa de safra nacional recorde e mudanças no comportamento do consumidor ditam os rumos do setor do trigo no Brasil

Temas foram debatidos ao longo da 28ª edição do Congresso Internacional da Indústria do Trigo

22.09.2021 | 20:59 (UTC -3)
Ana Flávia Gimenes

As perspectivas e desafios do mercado da cadeia da triticultura brasileira foram os temas que nortearam a abertura da 28ª edição do Congresso Internacional da Indústria do Trigo, organizado pela Associação Brasileira da Indústria do Trigo – Abitrigo, na manhã de hoje, 21 de setembro.

As discussões começaram pelas impressões trazidas pelo presidente do conselho deliberativo da associação, João Carlos Veríssimo, que deu as boas-vindas aos participantes, seguido por um panorama geral sobre o setor. “Após 19 meses de pandemia começamos a ver sinais de controle da Covid-19, assim como seus efeitos nos mais diversos setores. O aumento expressivo dos fretes marítimos e nacionais, que reflete diretamente no preço do produto que entregamos aos consumidores traz, ao mesmo tempo, um retorno do investimento ao produtor, mas também um gasto pesado ao consumidor final”, apontou.

O Deputado Federal e presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), Sérgio Souza, alerta que o grande gargalo do setor é o custo de produção. “A principal meta da FPA é reduzir o valor do trigo no mercado e só conseguiremos isso ao baixar o custo da produção e dos gastos com equipamentos”, argumentou.

Ainda na abertura do evento, o secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), Guilherme Bastos Filho, que na oportunidade representou a Ministra Tereza Cristina, destacou a perspectiva de produção recorde de trigo no território nacional. “De acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), entregaremos cerca de 8,15 milhões de toneladas. Isso mostra o excelente resultado do setor, mesmo diante de tantas dificuldades que tivemos frente à pandemia. Há uma expectativa de que tenhamos a segunda safra mais produtiva dos últimos 40 anos, demonstrando a grande expressividade da triticultura brasileira”, comemorou.

A consultora econômica e colunista do jornal O Globo, Zeina Latif, fez uma análise das perspectivas econômicas brasileiras e mundiais e do cenário político para 2022, ao longo da palestra inaugural do evento. Segundo ela, tanto no cenário internacional quanto no cenário doméstico não podemos usar o passado como modelo para o futuro. “São várias forças atuando que limitam a recuperação da economia. Todos os esforços foram feitos para a recuperação do mercado, mas junto a eles a semente da instabilidade, associada a inflação elevada deve, por exemplo, fazer com que o banco central dos Estados Unidos suba os juros antes do previsto, o que refletirá em uma pressão nas moedas. Existe um movimento mundial e nós não estamos alheios a ele”, explicou.

Zeina também falou sobre os reajustes nos rumos da economia e a necessidade de aceleração das reformas. “Não sabemos o que esperar do próximo mandato presidencial e isso gera incerteza. Não há dúvidas que o setor associado às commodities sentem menos as oscilações do ciclo econômico, mas não dá para tomar como exemplo as condições passadas com inflação baixa e a renda crescendo e projetar o futuro. O quadro será muito mais desafiador”, garantiu.

O mercado do trigo no Brasil e o mundo

O presidente da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), Celso Luiz Moretti, em sua participação no painel “A dinâmica do mercado do trigo”, falou sobre a contribuição da instituição para o desenvolvimento da triticultura brasileira, que viabilizou, por meio da parceria dos setores público, privado e do produtor, em cinco décadas ao Brasil ser capaz de criar um modelo sustentável e competitivo de agricultura tropical, sem paralelo no mundo.

“Saímos da década de 70 de um importador de alimentos para sermos um dos maiores players globais na produção de alimentos, fibras e bioenergia, exportando para mais de 200 países e alimentando mais de 800 milhões de pessoas. Nesse período, a Embrapa desenvolveu 123 cultivares de trigo e hoje 75% da genética do cereal disponível no Brasil tem tecnologia da Embrapa e de seus parceiros embarcada”, detalhou o presidente.

Para o futuro, Moretti destacou as novas ações em andamento para o setor triticultor. “Estamos trabalhando com estudos prospectivos em novas fronteiras nos estados de Alagoas, Ceará e Pernambuco; agricultura regenerativa (ESG), que está no centro da nossa agenda para a cadeia produtiva do trigo; os bioinsumos; o trigo longa vida, e projeto ‘Good Wheat’, o trigo de melhor digestão, maior teor de fibra e menor teor de glúten”, enumerou Moretti. 

O presidente do sistema OCB (Organização das Cooperativas Brasilerias), Márcio Lopes de Freitas, ressaltou a importância da cadeia do trigo, que tem a sua base produtiva composta, em sua maioria, por pequenos e médios produtores organizados em cooperativas. “Uma das mais fortes características da cadeia do trigo é esse poder de agregação. A maior parte da originação do trigo - cerca de 75% - é feita por agricultores ligados a cooperativas, o que melhora o processo de agregação de valor e de redução de custos, além de fazer o processo de armazenagem e industrialização de maneira mais eficiente”.

“Acreditamos muito nessa cadeia organizada do trigo e temos que romper alguns desafios de política pública e de incentivos para que possamos bater mais uma meta, que é a autossuficiência do trigo brasileiro e, quem sabe, nos tornarmos um exportador mais líquido desse cereal tão importante para o mundo”, acrescentou Freitas.

O consultor privado do mercado do trigo, Pablo Maluenda explicou que o Brasil tem um enorme potencial de produção de trigo, principalmente considerando que o cereal é uma excelente rotação para as lavouras de soja e milho. “Onde a produção de soja cresce, deve ser acompanhada, na medida do possível, por uma extensão da produção de trigo para a rotação de culturas. Deve ser dada grande importância ao desenvolvimento de variedades que possam acompanhar outras lavouras de milho e soja e em climas e condições de terreno diferentes daquele em que o trigo é semeado no Brasil. Variedades que atendam às necessidades decididas pela indústria de alimentos deveriam ser a primeira prioridade no desenvolvimento de novas variedades”, destacou Maluenda.

Segundo o jornalista especializado em agronegócio, José Luiz Tejon, o Brasil não cabe no seu PIB (Produto Interno Bruno), pois tem capacidade para dobrar o seu tamanho. “Para isso é preciso prestar atenção às cadeias produtivas, e o trigo é a cultura que possui a maior cadeia capilar do planeta Terra, e, portanto, tem um papel fundamental nessa meta de contribuição para o PIB brasileiro como um todo”.

O futuro no negócio trigo

O segundo painel da manhã, mediado pelo jornalista William Waack, abordou os fatores que influenciarão o futuro do setor tritícola nacional e as novas tendências de consumo, que ditarão a forma que as empresas atuam no mercado.

O Diretor Geral do Grands Moulins de Paris, Pierre Garcia Benque, ressaltou a influência que a pandemia da Covid-19 teve sobre o mercado. “A crise sanitária que atravessamos há um ano e meio permitiu destacar a importância e determinação de todos da cadeia produtiva trigo-farinha-pão para não só alimentar a população, mas também atender às expectativas dos consumidores que buscam comer bem e de forma saudável”.

Os consumidores foram peças centrais na discussão do painel “O Futuro do Negócio Trigo”, que contou com a participação da Gerente de Novos Negócios da NielsenIQ, Andrea Stoll, da Presidente do Fundo JBS pela Amazônia, Joanita Karoleski, e do Diretor Presidente do Moinhos Cruzeiro do Sul, Antonio Celso Bermejo.

Novos hábitos alimentares e culturais gerados principalmente pela pandemia estão criando uma nova tendência de consumo, segundo Andrea Stoll. “O isolamento social fez com que as pessoas mudassem a dinâmica de compras, passando a realizar compras abastecedoras. Esse hábito causou prejuízos a alguns canais de venda, como mercearias, mas beneficiou outros, como o e-commerce”.

Andrea também aponta saudabilidade e praticidade como fatores que influenciam essa nova tendência. “Quando pensamos no impacto verificamos que houve um aumento no consumo de produtos integrais, sem lactose, veganos, vegetarianos, zero gordura e zero açúcar. Falando sobre farinhas, a integral é o grande destaque”, salienta. Para ela, o consumidor será o principal elemento a ser considerado pelo setor. “O comportamento do consumidor será determinante para o futuro do trigo. Em momentos de alta na inflação e incerteza econômica, ele pode optar por produtos mais baratos, pode buscar embalagens maiores de produtos, como vem sendo o caso dos bolos, ou pode optar por consumir marcas de confiança”.

Ao complementar os desafios enfrentados pelo segmento, Antonio Celso Bermejo traçou um panorama com as características atuais do setor tritícola nacional. “O setor de trigo no Brasil é muito pulverizado. O país conta com 156 plantas industriais de 120 empresas. Ou seja, são pequenas empresas, monoempresas e monoplantas que se dedicam à produção do cereal. Estão inseridas em um mercado dinâmico, mas que tem enfrentado dificuldades com a rentabilidade nos últimos anos”.

Nesse sentido, a gestão será essencial para as empresas do setor tritícola prosperarem no futuro, em meio à inflação. “O setor, em sua maioria, se entende somente como uma indústria e deixa a gestão e a visão de mercado de lado. Se uma empresa não fizer a sua própria gestão, alguém fará por ela”, sentenciou.

Umas das saídas apresentadas para o futuro dos negócios, com ênfase no setor tritícola, é a inovação, um dos pilares do conceito de ESG (sigla para Governança Ambiental, Social e Corporativa). “O ESG é o tripé da sustentabilidade que tem norteado e vai continuar guiando no futuro investidores e consumidores, cada vez mais preocupados com o papel social que as empresas têm, principalmente em relação à sustentabilidade”, explica Joanita Karoleski.

A programação do Congresso seguiu na parte da tarde com a realização de seis painéis temáticos focados em atualidades de mercado e tendências na Europa; como melhorar a rentabilidade do moinho; soluções para atender as legislações vigentes na panificação e da nova rotulagem nutricional; tendências para a cadeia do trigo, além dos temas “Da imunização ao crescimento: as tendências do ‘novo’ normal se tornarão o ‘novo’ hábito?” e “Promovendo conexões convergindo interesses e desenvolvendo a digitalização da indústria do trigo”.

“Estamos vivendo um momento de muitos desafios para a indústria e toda a cadeia do trigo. São vários os elementos que tornam o mercado, nesse ano e nos futuros, muito desafiador. Esse Congresso tem como objetivo debater esse momento para a indústria. Tivemos um número recorde de inscritos e participantes, de 17 países, que reforça a importância que o trigo tem na sociedade”, pontuou o presidente-executivo da Abitrigo, Rubens Barbosa.

A íntegra do 28º Congresso Internacional da Indústria do Trigo está disponível no canal da Abitrigo aqui.

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