Estresse climático provoca aborto floral em lavouras

Calor e seca interrompem o ciclo reprodutivo de culturas como milho, soja e trigo, reduzindo o número de grãos e sementes

19.09.2025 | 05:37 (UTC -3)
Revista Cultivar

A instabilidade climática ameaça a reprodução de plantas cultivadas. Calor e seca intensificam o aborto reprodutivo — perda de flores, óvulos, embriões e sementes — e reduzem o rendimento de grãos. O fenômeno, regulado por fatores genéticos, hormonais e ambientais, afeta culturas essenciais como cereais, leguminosas e oleaginosas.

No milho, até 88% das sementes podem ser abortadas por estresse térmico. No trigo, mais de 70% dos grãos potenciais por espigueta não se formam. Em 26% das espigas avaliadas na região do Corn Belt (EUA), a extremidade apical foi abortada sob calor e seca, com perdas de até 91%.

Os dados são de estudo de cientistas da Texas Tech University, Oklahoma State University e North Carolina State University.

Fases vulneráveis ao aborto

O aborto pode ocorrer em várias fases: desde o desenvolvimento dos primórdios florais até a formação do embrião. Antes da fecundação, o estresse térmico altera hormônios, metabolismo de açúcares e distribuição de assimilados. Esse desequilíbrio desencadeia a morte programada de células femininas, como sinérgides e óvulos, levando à falha reprodutiva.

Durante a fecundação, o estresse interrompe a interação entre pólen e pistilo. O acúmulo de espécies reativas de oxigênio (ROS) prejudica a integridade do tubo polínico e sua orientação, além de induzir morte celular precoce. Após a fecundação, o desenvolvimento do embrião pode falhar por desregulação hormonal e restrição energética.

Hormônios em desequilíbrio

A sobrevivência floral depende de distribuição eficiente de carboidratos. Em trigo, o alongamento do colmo melhora a captação de luz e favorece a formação de grãos. No milho, a seca reduz assimilados antes da antese e durante o enchimento dos grãos, explicando 77% da variação de rendimento. Genótipos tolerantes mantêm a atividade da invertase, transportam mais açúcares e descarregam melhor a sacarose.

Hormônios como auxina, citocinina (CK), ácido abscísico (ABA) e jasmonato (JA) participam da regulação. No trigo, as espiguetas basais abortam mais por conter menos sacarose e níveis elevados de ABA e JA. Já as espiguetas centrais, com mais CK e açúcar, têm maior sucesso reprodutivo.

Em leguminosas, o calor reduz a força do dreno reprodutivo. No feijão e na soja, o déficit hídrico e o estresse térmico causam aborto de flores por comprometer o desenvolvimento do óvulo.

Desenvolvimento interrompido

O aborto de óvulos também decorre de falhas genéticas. Em arroz e soja, mutações em genes que regulam a meiose e a formação do saco embrionário causam alta taxa de aborto. Defeitos mitocondriais, desequilíbrio de RNA ou falhas na biogênese ribossomal afetam a maturação do gametófito feminino e impedem a formação do embrião.

O calor distorce os gradientes hormonais essenciais para o crescimento do óvulo e induz a produção de etileno, que agrava o aborto. Em ervilhas, o estresse térmico aumenta em até 16% o número de óvulos abortados, principalmente nos nós superiores da planta.

Barreiras à fecundação

O sucesso da fecundação depende da interação precisa entre pólen e pistilo. O calor afeta a viabilidade do pólen, sua adesão ao estigma e a elongação do tubo polínico. Em soja, temperaturas entre 35°C e 38°C reduzem a germinação do pólen, dificultam a deiscência das anteras e reduzem a receptividade do estigma.

A seca, por sua vez, atrasa a sincronização entre emissão dos estigmas e liberação do pólen, como ocorre no milho. A competição entre ovários por recursos e a acumulação de ABA reduzem a receptividade floral. O fornecimento externo de citocininas pode reverter parcialmente esse efeito.

Sob estresse combinado de calor e seca, os danos se intensificam. A escassez de carboidratos atinge tanto o tubo polínico quanto o ovário. A falha energética, agravada por colapso mitocondrial e desorganização do citoesqueleto, prejudica a liberação dos gametas masculinos e aumenta o aborto.

Após a fecundação, novos riscos

Mesmo após a fecundação, o embrião enfrenta riscos. A função mitocondrial é essencial para divisão celular e diferenciação. Estresses ambientais induzem acúmulo de ROS e ativam vias de morte celular. Em milho, mutações que afetam proteínas ribossomais mitocondriais resultam em aborto embrionário precoce.

A auxina orienta o eixo apical-basal do embrião. Alterações em sua produção ou transporte afetam a organização dos tecidos e interrompem o desenvolvimento. Níveis elevados de ABA e etileno sob estresse reforçam vias de supressão celular e ampliam o risco de aborto.

A reprogramação transcricional também contribui. Genes de crescimento são reprimidos, enquanto genes de resposta ao estresse são ativados. Esse redirecionamento metabólico compromete a embriogênese.

Açúcares bloqueados

O transporte de açúcares da planta-mãe até a semente sofre bloqueios sob estresse. Mesmo quando a sacarose está disponível, a descarga nos tecidos reprodutivos falha. A inibição de invertases e transportadores SWEET reduz o fluxo de carbono e causa aborto em até 80% dos embriões em soja.

No milho, a seca reduz o depósito de amido em 42%. O calor diminui a atividade de enzimas de síntese de amido. O transporte é ainda prejudicado por deposição de calose, que estreita os feixes vasculares.

A baixa oferta de açúcar altera o equilíbrio hormonal e aumenta a produção de etileno, um dos indutores do aborto. Mesmo assim, o etileno sozinho não causa aborto sob condições normais. O problema decorre da interação entre falta de energia, hormônios e sinalização de estresse.

Outras informações em doi.org/10.1016/j.tplants.2025.08.015

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