Seminário de Ectoparasitas em São Luiz de Montes Belos/GO
A visão produtivista do sistema agroalimentar avalia o alimento como matéria-prima indiferenciada, deixando de lado o saber fazer da agricultura familiar, além de pouco favorecer o sistema orgânico de produção e um comércio justo e solidário
Pensar nas questões ambientais, sociais e culturais em relação à produção, comercialização e consumo de alimentos, consiste na preocupação de pesquisadores que discutem a multifuncionalidade na agricultura, ou seja, os diferentes papéis que ela pode desempenhar levando esses aspectos em consideração. O panorama em que a grande indústria alimentar e a grande distribuição definem livremente as regras do jogo é desfavorável à agricultura familiar, à preservação da biodiversidade tropical, à dinamização dos territórios rurais e dos esforços com vista a uma oferta agrícola de qualidade em termos alimentares.
Uma pesquisa da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (USP/ESALQ), identificou as contribuições da agricultura familiar sul-mineira para o desenvolvimento territorial, sob o prisma da noção de multifuncionalidade da agricultura e a partir da análise de dinâmicas territoriais e projetos coletivos selecionados em Poço Fundo, Machado e Campestre, sul de Minas Gerais. Nesses municípios concentra-se uma das maiores produções de café com qualidade superior do país, fincada em bases familiares e cultivada em áreas montanhosas, lembrando que o sul de Minas é responsável por 53% da produção estadual de café, o que corresponde a 70% da renda dos estabelecimentos rurais.
“A agricultura tem outros papéis além dos produtivos, que são a preservação do ambiente, fornecimento de alimentos de qualidade, a valorização das tradições alimentares ligadas à ocupação dos territórios, a promoção de dinâmicas territoriais a partir de diferentes vocações sociais, culturais e ecológicas, enfim, essas e outras idéias são discutidas no âmbito da multifuncionalidade da agricultura. Foi assim que concluímos o estudo Pesquisas e ações de divulgação sobre o tema da multifuncionalidade da agricultura familiar e o desenvolvimento territorial no Brasil”, declara Paulo Eduardo Moruzzi Marques, docente do departamento de Economia, Administração e Sociologia (LES).
Realizado por meio de entrevistas com dirigentes de projetos, gestores públicos, agricultores familiares, presidentes de cooperativas, agentes de extensão rural, compradores de café e professores universitários, a pesquisa considera que o café é, efetivamente, responsável pela emergência da identidade territorial do sul de Minas e que o potencial socioeconômico da produção familiar local pode se traduzir em importante vantagem, pois ela favorece o reconhecimento das múltiplas funções da agricultura, naquilo que se refere a suas relações particulares com a natureza. “A pesquisa coloca em relevo uma análise das dinâmicas territoriais à luz de diferentes dimensões, tais como o equilíbrio da ocupação territorial, a criação de empregos, a garantia de geração de renda para a reprodução social da agricultura familiar e o desenvolvimento de um saber ambiental específico, centrado, nesse caso, no sistema orgânico de produção”, observa o professor.
O relevante potencial turístico do território, caracterizado pela forte variação de paisagem, por seu patrimônio alimentar e pela localização geográfica, próxima ao eixo Belo Horizonte-São Paulo-Rio de Janeiro, torna a região em questão um lugar privilegiado para o descanso e para a recreação daqueles que habitam em grandes regiões metropolitanas e Marques afirma que esse fenômeno favorece o relacionamento dos agricultores com aqueles que vivem em lugares de grande concentração populacional. “O diálogo entre esses dois mundos pode levar a um reconhecimento de qualidades no modo e ritmo de vida rural, uma vez que a agricultura familiar do território é vigorosa e numerosa, apresentando diversidade de técnicas de produção e a multiplicação dos processos inovadores de comercialização, como o comércio de produtos sem uso de agrotóxicos e, também, o comércio justo, ou seja, prática comercial assentada em um conjunto de normas e princípios transparentes, participativos e democráticos, que objetiva proporcionar condições financeiras mais vantajosas para a produção familiar de países do chamado Terceiro Mundo”.
Em relação às contribuições do segmento ao desenvolvimento territorial, a metodologia aplicada pela pesquisa considerou a articulação das unidades familiares entre si, as complexas relações estabelecidas entre elas e o território, e as implicações relacionadas às estratégias e políticas públicas de desenvolvimento territorial. Esses aspectos foram analisados por meio de componentes demográfico-social, econômico, ambiental e espacial.
“Nós focalizamos iniciativas inovadoras dos cafeicultores familiares mineiros que conseguem melhor inserção no mercado, contratos de exportação graças à consideração de aspectos além produtivos, o fato deles possuírem um selo de produção orgânica, um selo de comércio justo e solidário que atrai consumidores que procuram um produto certificado com qualidade superior em termos de degustação e que reconhecem a importância de uma produção cuidadosa com o meio ambiente, o que acaba favorecendo o desenvolvimento de uma agricultura familiar”, conclui o pesquisador.
Enfim, as indicações geográficas de qualidade são vistas como um potencial para agregar valor à produção regional e são estimuladas, principalmente, pelo poder público estadual. Esses processos sociais favorecem a agricultura familiar e a valorização de recursos territoriais específicos, contribuindo com o reconhecimento dos múltiplos papéis da agricultura. Ganha terreno, assim, a idéia de que o espaço território carrega vida e cultura, fermento potencial do desenvolvimento.
Alicia Nascimento Aguiar
Esalq
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