Diferença entre adjuvantes e aditivos na pulverização

No Brasil ainda não existe uma certificação funcional dos adjuvantes que auxilie na seleção de produtos, certificando que de fato cumpram com os objetivos requeridos

07.01.2021 | 20:59 (UTC -3)
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Há uma confusão conceitual em relação aos termos adjuvante e aditivo. Esta confusão em parte foi gerada pela própria legislação pertinente ao tema. Segundo a legislação brasileira, no Artigo 1º do Decreto n° 4.074, de 4 de janeiro de 2002, que regulamenta a Lei n° 7.802, de 11 de julho de 1989, entende-se por adjuvante “produto utilizado em mistura com produtos formulados para melhorar a sua aplicação” e aditivo como “substância ou produto adicionado aos agroquímicos, componentes e afins, para melhorar sua ação, função, durabilidade, estabilidade e detecção ou para facilitar o processo de produção”. Portanto, segundo a legislação, de maneira resumida, adjuvantes são produtos que são adicionados à calda de pulverização e aditivos são compostos já presentes na formulação dos agroquímicos. Entretanto, o mercado consumidor, a indústria e a academia utilizam o termo "adjuvante" de maneira mais generalizada, englobando tanto os componentes de uma formulação como os produtos formulados para mistura em tanque, pois muitas vezes trata-se dos mesmos componentes químicos.

Pesquisas realizadas no Brasil e em outros países já constataram que os adjuvantes modificam as propriedades físicas e químicas das caldas de pulverização e, consequentemente, a formação e distribuição das gotas pelas pontas de pulverização, além de proporcionarem interações com os diferentes alvos. O professor Rone B. de Oliveira, em sua tese de doutorado (2011) intitulada de “Caracterização funcional de adjuvantes agrícolas”, já apontava, desde o projeto (2008), que para muitos adjuvantes existia defasagem entre o que está descrito na especificação técnica (rótulo) ou no posicionamento dos fabricantes com relação aos reais benefícios observados na prática. Considerações posicionadas nesta tese alertavam que a classificação usada à época pelo Mapa para registro dos adjuvantes, classificando os produtos como "espalhantes", "espalhantes-adesivos" e "adjuvantes”, não contemplava as funções reais destes produtos. Desta forma, a própria legislação abria caminho para confusões quanto às informações dos rótulos, bulas ou do próprio posicionamento dos produtos por parte dos fabricantes e usuários.

Algumas funcionalidades dos adjuvantes podem ser comprovadas de maneira rápida e direta com ensaios de laboratório, como é o caso de medidas de espectro de gotas, viscosidade, densidade da calda, tensão superficial, potencial de redução de deriva em túnel de vento, entre outros, realizadas rotineiramente há mais de três décadas em universidades e institutos de pesquisas no Brasil. Por esta razão, entende-se que já existem caminhos para processos de avaliação simples e diretos, que podem contribuir para uma classificação funcional dos adjuvantes, permitindo a certificação imediata de uma grande quantidade de produtos que já são comercializados.

Entretanto, é adequado que o potencial de uso destas análises seja debatido e aprofundado. A avaliação das diferenças entre adjuvantes ainda requer melhor discussão para a definição de padrões e limites, permitindo que os resultados sejam comparáveis entre si. Assim, um processo de certificação se tornará um ótimo aliado na oferta de produtos com qualidade atestada, valorizando-os e assegurando aos usuários os benefícios propostos da tecnologia e, ainda, orientando a indústria a posicionar adequadamente os produtos com base em suas características e funções.

Adjuvantes são produtos utilizados em mistura com produtos formulados para melhorar a sua aplicação
Adjuvantes são produtos utilizados em mistura com produtos formulados para melhorar a sua aplicação

CERTIFICAÇÃO FUNCIONAL DE ADJUVANTES NO BRASIL

Entre 2012 e 2014 a Aenda (Associação Brasileira de Defensivos Pós-Patente) sediou um grupo de trabalho (GT) para avaliar a regulamentação de adjuvantes, cujo principal foco era discutir a funcionalidade desses produtos e as maneiras com que essas funcionalidades poderiam ser integradas na regulamentação. Uma das discussões recorrentes nesse grupo de trabalho era a necessidade da certificação quanto à funcionalidade. O GT da Aenda foi bastante atuante, promovendo várias reuniões, inclusive com órgãos reguladores, como Anvisa, Ibama e Mapa. Na época ainda havia o processo de registro de adjuvantes junto ao Mapa, que eram divididos de maneira simplificada e inadequada em duas grandes classes: óleos e espalhantes adesivos. Por outro lado, a realidade do campo era completamente diferente. Nessa época, o mercado de produtos não registrados no Mapa ou posicionados como "fertilizantes foliares" estava em grande expansão. O GT da Aenda congregava representantes das indústrias que formulavam ou comercializavam adjuvantes (são exemplos Inquima, De Sangosse e Helena), além de fabricantes de componentes de formulação, como Oxiteno, Croda e Akzo Nobel (hoje Nouryon). O grupo contou também com o apoio de pesquisadores representantes de diversas instituições públicas e privadas, muitos dos quais já atuavam com pesquisa em adjuvantes, em sua maioria com foco nas funcionalidades (são exemplos a Unesp, a Uenp e o IAC).

Após 2014, o GT da Aenda perdeu força, principalmente com a sinalização do Mapa de que havia o interesse em abolir a necessidade de registro. Em 2016, dada a percepção de demandas do setor dedicado aos adjuvantes, foi organizado o I Workshop sobre Adjuvantes (WSA) em Caldas Fitossanitárias na Unesp de Jaboticabal, onde houve discussões sobre a regulamentação, com solicitações de interlocução junto ao Mapa. No ano seguinte, entretanto, a desregulamentação ocorreu de fato e os adjuvantes deixaram de fazer parte da lei dos agrotóxicos (DL 4074/2002), passando ao entendimento de “produto de venda livre”. Na edição seguinte do WSA (2018) na Unesp de Jaboticabal, com presença de representantes do Mapa, houve nova discussão sobre os rumos da regulamentação dos adjuvantes, ficando claro o posicionamento do Mapa de que o caminho sugerido seria o da autorregulação do mercado. Durante esta reunião (em 2018), o tema da certificação passou a ser discutido mais a fundo entre pesquisadores representantes de universidades (Unesp, Uenp e UFU) e da indústria (Oxiteno e Aenda), visando fomentar a criação de um novo grupo de trabalho, agora com o objetivo mais focado em um processo de certificação, já considerando o cenário onde o registro dos adjuvantes havia sido abolido pelo Mapa. Uma das ideias consideradas por este grupo era de que a certificação seria o melhor caminho para a autorregulação sugerida pelo Mapa.

Aditivos são substâncias ou produtos adicionados aos agroquímicos, componentes e afins, para melhorar sua ação, função, durabilidade, estabilidade e detecção
Aditivos são substâncias ou produtos adicionados aos agroquímicos, componentes e afins, para melhorar sua ação, função, durabilidade, estabilidade e detecção

A partir desta reunião em 2018, o grupo de pesquisadores fez algumas reuniões para tratar do assunto, e uma das ações sugeridas foi uma visita à CPDA (The Council of Producers & Distributors of Agrotechnology), entidade nos Estados Unidos que congrega fabricantes de adjuvantes e que desenvolve um programa bem estruturado de classificação e certificação de adjuvantes baseado em funcionalidades. Com o apoio da Oxiteno, o professor Ulisses R. Antuniassi (Unesp/Botucatu) participou de um evento da CPDA em abril de 2019, tendo a oportunidade de conhecer o histórico da evolução da certificação de adjuvantes nos Estados Unidos e ter acesso aos procedimentos utilizados pela entidade para a certificação dos adjuvantes.

Paralelamente, ao longo de 2019 houve outros desdobramentos das ações desse novo grupo de trabalho. O principal deles foi o contato inicial feito pelo professor Marcelo C. Ferreira (Unesp/Jaboticabal) com representantes da Abiquim (Associação Brasileira da Indústria Química), para verificar se a entidade poderia colaborar nas discussões desse processo de certificação e dar encaminhamentos a um GT formal junto à ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) que efetivamente poderia conduzir o processo de produção e publicação de uma norma das funcionalidades e do uso de adjuvantes. Porém, este processo não alcançou ainda grande evolução.

A partir de agosto de 2020, o grupo de professores e pesquisadores se reuniu virtualmente e iniciou uma discussão mais profunda e ampla do tema, englobando representantes da Unesp, da Uenp, da UFU e do IAC. A temática das discussões tem sido, desde então, a definição de critérios, normas e a necessidade de prover ao mercado um programa de certificação padronizado, nos moldes de um Conselho (como o CPDA), que possa incluir representantes da indústria de adjuvantes, entidades do setor e da academia, focado em uma representação multi-institucional que possa ampliar o alcance e os benefícios ao agronegócio brasileiro.

Uma das etapas importantes desse processo será a mobilização da indústria com interesse no setor de adjuvantes (formuladores de adjuvantes e fabricantes de suprimentos), para que sejam parte atuante neste programa de certificação. O objetivo é tornar o setor mais transparente, estável e qualitativo, fornecendo produtos de origem e qualidade avaliadas e atestadas, para que possam ser utilizados com segurança na agricultura. Assim, o uso dos adjuvantes, que apresentam contribuições importantes à aplicação de produtos fitossanitários, poderá assumir uma etapa mais sustentável e justa comercialmente, com conhecimento técnico atestado por laboratórios consolidados, presentes em diversas instituições e regiões do País, buscando uma certificação de alcance nacional.

Um fato importante desta proposta é que laboratórios dedicados à certificação já existem (representados por instituições públicas e privadas) e são atualmente acessados tanto pela indústria quanto pelos distribuidores e consumidores dos adjuvantes para a realização de pesquisas ligadas à sua caracterização funcional. Ou seja, o processo de certificação já tem a sua base tecnológica, faltando apenas sua padronização e formalização. O trabalho de organização e textualização proposto por esse grupo de trabalho iniciado em 2018 chega como demanda de um segmento que pretende amadurecer, se aprimorar e se consolidar como parceiro do setor produtivo junto ao agronegócio nacional.

Avaliação de tensão superficial e ângulo de contato de gotas com adjuvantes
Avaliação de tensão superficial e ângulo de contato de gotas com adjuvantes

CERTIFICAÇÃO DE ADJUVANTES: A EXPERIÊNCIA NO MUNDO

No mundo todo a regulamentação da comercialização e/ou a certificação de funcionalidades dos adjuvantes é algo bastante diversificado. Vários exemplos podem ajudar a entender o cenário internacional e mostrar como a temática é relevante e necessária atualmente.

Nos Estados Unidos, conforme citado anteriormente, há uma certificação voluntária, coordenada pelo CPDA, que é um conselho que congrega representantes da indústria. É o CPDA que estabelece os padrões mínimos que devem ser seguidos para receber um selo de certificação. As ações deste conselho nortearam historicamente a evolução de metodologias e normas técnicas para ensaios de adjuvantes nos Estados Unidos, atuando de maneira coordenada com a ASTM (American Society for Testing Materials), entidade que desenvolve e publica as normas técnicas.

No Chile, os adjuvantes precisam estar registrados no órgão competente, seguindo exigências muito semelhantes aos produtos fitossanitários. O país tem um dos sistemas mais exigentes da América Latina para registro de produtos. Na página do Ministério da Agricultura chileno há uma lista de adjuvantes disponíveis, com o ingrediente ativo de cada formulação, bem como o objetivo e/ou função de cada produto, o que auxilia a seleção. Na Argentina o sistema é semelhante ao chileno. Os adjuvantes devem ser aprovados pelo Serviço Nacional de Sanidade e Qualidade Agroalimentar, passando por estudos toxicológicos, caracterização físico-química e ensaios de eficiência. Além disso, há a necessidade de inscrição por Estado da Federação. No Uruguai, os produtos também precisam de registro, mas o país está buscando uma forma de classificar e ensaiá-los de forma diferente dos fitossanitários e, portanto, mais adequada ao propósito destes produtos. Em outras palavras, o Uruguai também está preocupado com o tema no sentido de melhorar o uso dos adjuvantes a campo.

Na Europa não há uma legislação que harmoniza as regras para a autorização de adjuvantes, havendo diferenciação entre os países. Contudo, a maioria dos Estados-Membros da Comunidade Europeia concorda que é necessária uma abordagem harmonizada, uma vez que os adjuvantes são efetivamente participantes do processo de proteção dos cultivos (European Commission, 2020).

Detalhe da cobertura sobre folha de soja
Detalhe da cobertura sobre folha de soja

NECESSIDADE MULTI-INSTITUCIONAL

Considerando este contexto, fica claro que o Brasil precisa de um mecanismo que auxilie os agricultores na seleção de adjuvantes, certificando que de fato cumpram com os objetivos requeridos. Esta certificação auxiliará no bom desenvolvimento do mercado de adjuvantes, sem impor entraves burocráticos, podendo inclusive tornar-se referência mundial no setor.

O país já dispõe de laboratórios e metodologias para determinação de características intrínsecas dos adjuvantes, sendo que parte dessas metodologias já é abordada em normas técnicas. Este conhecimento acadêmico pode oferecer ao setor agrícola informações importantes para que o uso correto de adjuvantes continue contribuindo com qualidade e segurança das aplicações. Tais informações também podem orientar pesquisas para o desenvolvimento de produtos novos, com foco na solução de problemas específicos.

Ações multi-institucionais são importantes a partir de agora. Para que um processo de certificação tenha o alcance nacional necessário, visando atender à diversidade de mercados e de aspectos regionais do agronegócio brasileiro, sugere-se a criação de um conselho que congregue representantes dos fabricantes, canais de comercialização e consumidores, fomentado pela pesquisa científica já existente e disponibilizada pela academia no Brasil. Sobretudo, é fundamental que a indústria com interesse no mercado de adjuvantes se organize para alavancar e participar ativamente dessas ações, de forma que tenhamos a desejada, contributiva e necessária autorregulação do mercado de adjuvantes no Brasil.

João Paulo Arantes Rodrigues da Cunha, UFU; Marcelo da Costa Ferreira, Unesp Jaboticabal; Marco Antonio Gandolfo, Rone Batista de Oliveira, Uenp; Ulisses Rocha Antuniassi, Unesp Botucatu

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