Ciência ajuda a transformar Rondônia referência na produção de café na região Norte

Uma das conquistas importantes da ciência brasileira para a região norte se deu em 2015, quando a Embrapa Rondônia lançou a BRS Ouro Preto

17.07.2023 | 11:20 (UTC -3)
Robinson Cipriano da Silva

O Brasil é o maior exportador de café no mercado mundial e ocupa a segunda posição entre os países consumidores da bebida. Responde por um terço da produção mundial de café, o que o coloca como maior produtor mundial, posto que detém há mais de 150 anos. Os dados são da Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic). A pesquisa com o café em Rondônia tem alcançado resultados promissores, o que colocou o estado como segundo produtor de café conilon do País nos últimos anos.

Uma das conquistas importantes da ciência brasileira para a região norte se deu em 2015, quando a Embrapa Rondônia lançou a BRS Ouro Preto, cultivar clonal de café conilon desenvolvida em parceria com o Consórcio Pesquisa Café. Adaptada às condições de solo e clima da Amazônia, a cultivar apresentou produtividades de 70 sacas/hectare sem irrigação e acima de 110 com irrigação. Um salto de produtividade, considerando a média atual de 21 sacas por hectare, no estado.

Em 2019, estudos desenvolvidos pela Embrapa Rondônia durante 13 anos apontaram a cultivar de café arábica Catucaí Amarelo 2SL como muito produtiva para a região amazônica. Desenvolvida pela Fundação Procafé, ela já era indicada para plantio no sul de Minas Gerais, mas as análises genéticas conduzidas pela Embrapa comprovaram o seu potencial produtivo também em temperaturas elevadas, possibilitando estender a recomendação de plantio para Rondônia, em regiões acima de 300 metros de altitude, com temperaturas médias próximas de 26°C.

Os estudos selecionaram a cultivar e duas linhagens entre 57 genótipos de café arábica avaliados, pois elas mostraram produtividade de 35 sacas por hectare, acima da média brasileira de 30 sacas. Além disso, a qualidade da bebida superou as expectativas, alcançando notas superiores a 80 pontos, na escala de 0 a 100 da Associação Americana de Cafés Especiais (SCAA), o que a coloca na categoria de café especial, de acordo com os padrões internacionais de qualidade.

Outro destaque que demonstra o forte investimento da pesquisa na cafeicultura amazônica, é o pacote tecnológico lançado também em 2019 pela Embrapa Rondônia, que permite ao cafeicultor saber quais clones deverão ser combinados na lavoura, além de escolher cada material de acordo com as características desejadas: produtividade, qualidade da bebida, resistência a doenças, entre outras.

Isso porque os pesquisadores desenvolveram cultivares clonais que reúnem vantagens das variedades conilon e robusta. Os novos materiais mostraram alta produtividade de café beneficiado, resistência à ferrugem e ao nematoide das galhas, boa qualidade de bebida e adaptação às condições edafoclimáticas da região amazônica.

As plantas do café conilon se caracterizam pelo menor porte e maior resistência à seca, enquanto as do robusta apresentam aspectos complementares como maior vigor vegetativo, grãos maiores e menor resistência ao déficit hídrico. Plantas híbridas, provenientes de cruzamentos naturais ou direcionados, têm se destacado nas avaliações de campo por expressar as melhores características dessas duas variedades.

Muito além do café

Além da cafeicultura, o Estado de Rondônia se destaca também pela produção de carne bovina, leite, soja, café, milho e peixes nativos e os resultados de sua produção econômica estão relacionados diretamente com a pesquisa agropecuária da Embrapa e instituições parceiras que atuam na região.

A Embrapa Rondônia foi criada em um momento de grande transformação para o estado. Entre 1978 e o início dos anos 1990, quase um milhão de pessoas vieram construir o novo então território de Rondônia. Esse período foi marcado por turbulências relacionadas aos garimpos, implantação dos projetos de assentamento e a colonização do estado pela migração de pequenos agricultores, oriundos do Sul e Sudeste do Brasil.

O objetivo principal dos migrantes era trabalhar na agricultura e aumentar a produção agrícola e pecuária, apesar da falta de tecnologia e desconhecimento dos desafios regionais. Foi nesse cenário que a Embrapa, recém-criada no Brasil em 1973, expandiu-se pelo país e a Unidade de Execução de Pesquisa de Âmbito Territorial - UEPAT- Porto Velho surgiu em 10 de julho de 1975, posteriormente transformada em UEPAE e depois em Centro de Pesquisa Agroflorestal de Rondônia no início da década de 90, sempre com a missão de desenvolver tecnologias que atendessem as demandas da região.

Para gerar estudos e pesquisas naquela região foram necessárias pessoas qualificadas, equipamentos e instalações que permitissem esse trabalho. Assim, o primeiro laboratório instalado foi o de Sanidade Animal, que funcionou em uma sala cedida pelo 5º Batalhão de Engenharia de Construção. Com o aumento da equipe, em 1977, a Unidade passou a ocupar um outro imóvel onde foi abrigado o corpo técnico e administrativo. O Laboratório de Solos permaneceu no mesmo local até a mudança para a atual sede da Embrapa Rondônia, em 1981.

Primeiras pesquisas e campos experimentais

As primeiras atividades da Unidade foram com ações de pesquisa em pastagens e bovinocultura de leite, em áreas cedidas no entorno de Porto Velho e no município de Presidente Médici. Aos poucos foram sendo instalados campos experimentais em diversos municípios: a capital iniciou com ensaio de competição de clones de seringueira; Ariquemes com experimentos em pastagens e gado de corte; Ouro Preto do Oeste com consórcio café e seringueira, e café solteiro e as culturas de milho, feijão, arroz, guaraná, pimenta-do-reino, pastagens, leguminosas e olericultura; em Vilhena foram implantados experimentos com arroz, soja, milho e feijão; Machadinho D’Oeste iniciou atividades com mandioca, maracujá, guaraná, seringueira, café, citrus, pastagens e ganhou Unidade Demonstrativa sobre bubalinos para tração animal, além da produção de leite, ovinos e caprinos.

Ainda na década de 1980, com a implementação do Programa Polonoroeste, houve um grande aporte de pesquisadores e a criação de novos laboratórios. Essa iniciativa permitiu o desenvolvimento de novas linhas de pesquisa, como olericultura, fruticultura, pecuária de corte e leite e culturas florestas. Além disso, laboratórios, como os de fitopatologia e entomologia, foram criados, e equipamentos adquiridos para os campos experimentais. Na década de 1990, a Embrapa Rondônia iniciou pesquisas com sistemas agroflorestais, biologia aplicada à parasitologia e diagnóstico bacteriológico de bovinos e bubalinos, além de micropropagação de espécies de interesse para a região.

Nesses quase 48 anos de existência, a Unidade desenvolveu soluções tecnológicas nas áreas de cafés robustas, pecuária de leite e corte, grãos e silvicultura contribuindo para o fortalecimento da agropecuária regional e nacional. O esforço institucional e de importantes parcerias formalizadas, em especial com o Governo de Rondônia, o estado se transformou em um dos grandes produtores de alimentos do país. Como resultado, o Valor Bruto da Produção (VBP) do Estado, em 2022, foi de quase 21 bilhões de reais, o segundo maior valor da região norte. Rondônia com esse valor de VBP se aproxima ao do Pará (27,8 bilhões de reais) mas com extensão territorial cinco vezes menor.

Esta estrutura produtiva impactou também no setor de transformação e logística com a implantação de laticínios, frigoríficos, agroindústrias e portos graneleiros, resultando na oferta e disponibilização de milhares de empregos diretos e indiretos no estado. Para atingir este patamar, importantes cadeias produtivas foram consolidadas e se transformaram em grandes produtoras nacionais. Nesse sentido, Rondônia destaca-se na produção de carne bovina e leite, soja, café, milho e peixes nativos.

As ações também estão alinhadas com a questão da sustentabilidade, fundamental para o fortalecimento da agropecuária e decisiva para a contenção do avanço em áreas de preservação. Segundo dados do IBGE, estima-se que mais de 60% da área do estado, constituída de florestas primárias, permanece intacta.

Bovinos

Nos últimos anos, a Embrapa Rondônia atuou com foco no melhoramento genético de bovinos; lançou um método inédito de avaliação do conforto térmico para bovinos no pasto, expostos a temperaturas quentes; disponibilizou aplicativos para monitorar e aumentar a produtividade do rebanho leiteiro (aplicativo +leite); lançou novas cultivares de café conilon; implantou o Programa Melhoramento Participativo do Café, reunindo pesquisa e setor produtivo, com foco em alavancar a cafeicultura em toda a região Amazônica; investiu na pesquisa com sistemas integrados para aumentar a produção de milho, com a adoção de metodologias e abordagens inovadores para avaliação do comportamento e desempenho animal e vegetal em ILPF.

As perdas de produtividade de animais expostos a altas temperaturas e umidade não são tão silenciosas quanto parecem. E foi literalmente escutando as vacas que uma pesquisa liderada pela Embrapa Rondônia utilizou a bioacústica, ou seja, os sons emitidos pelos animais, para medir a frequência respiratória (FR). A equipe de cientistas validou um método inédito de avaliação desse parâmetro de conforto térmico, que utiliza gravadores digitais fixados ao cabresto dos animais, para mensurar de maneira prática, precisa e não invasiva o comportamento dos bovinos em pastejo.

O trabalho, realizado em parceria com a Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e Universidade Federal de Rondônia (Unir), conta com o auxílio de um software gratuito para as análises. Com isso, é possível obter dados acústicos por um período de até 48 horas e sem a interferência humana. A metodologia foi validada para rebanho leiteiro Girolando – cruzamento entre as raças Holandês e Gir – tanto para novilhas como para vacas em lactação.

A Embrapa Rondônia desenvolveu também uma técnica chamada de Inseminação Artificial em Tempo Fixo (IATF) em Blocos que tem resultado em aumentos de 10% a 20% de prenhez em relação às vacas submetidas à metodologia de IATF convencional.

Descoberta do biocarvão biochar

Na trajetória de contribuições do centro de pesquisa para o agro, destaca-se ainda a descoberta inédita para obtenção de biocarvão (biochar), de modo mais simples, ágil e eficiente. O composto organomineral, anunciado em 2022 como fruto da pesquisa envolvendo cientistas da Embrapa Rondônia e universidades brasileiras e espanholas, é resultante da mistura direta do biocarvão com o solo, mostrou bom potencial como veículo para aplicação de biofertilizante.

Além de reduzir a perda de nutrientes, agrega vantagens ambientais, como a diminuição da emissão de gases de efeito estufa e maior sequestro de carvão no solo. O trabalho envolveu os pesquisadores da Embrapa Rondônia e cientistas da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), o Instituto Federal de Rondônia (IFRO) e a Universidade de Santiago de Compostela (USC), da Espanha.

O produto mostrou potencial para geração de fertilizantes organominerais (obtidos a partir de matérias-primas de origem animal e vegetal), que podem ajudar o Brasil a reduzir a dependência de produtos importados, principalmente em um momento que o mundo se depara com a crise na importação de fertilizantes químicos em decorrência do conflito entre Rússia e Ucrânia.

Genoma da castanheira

A produtividade da castanha-da-amazônia, também conhecida como castanha-do-brasil e castanha-do-pará, está no foco das ações da Embrapa Rondônia. Cientistas da Unidade e da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) anunciaram, em 2022, o trabalho que vem realizando de sequenciamento genético da castanheira (Bertholletia excelsa), árvore ícone da floresta Amazônica não só por seu tamanho e exuberância, mas por sua importância social, econômica e como espécie chave para a conservação das florestas. O estudo inédito já produziu informações genômicas importantes e uma de suas maiores contribuições estará na aceleração do melhoramento genético da espécie.

Como se trata de uma árvore de longo período de vida, com o melhoramento genético clássico, seriam necessários cerca de 50 a 200 anos para que fosse feita uma avaliação dos ciclos completos e a seleção das melhores plantas para a obtenção de características desejadas. Isso porque o pesquisador tem de estudar o comportamento de diferentes plantas em diversos ambientes e situações ao longo de todo o seu ciclo de vida para obter as respostas desejadas.

No entanto, por meio de sequências genômicas e da bioinformática, utilizando banco de genes disponíveis para outras plantas, será possível encontrar genes que indicam características importantes, como tolerância à seca, resistência a patógenos ou compatibilidade reprodutiva, por exemplo. Desse modo, plantas com melhor perfil são selecionadas rapidamente, por meio de uma análise genética.

Outro destaque é o trabalho de monitoramento da produtividade da castanha-da-amazônia, que o centro de pesquisa vem desenvolvendo junto com o Instituto Chico Mendes da Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Por meio do Programa Monitora, coordenado pelo instituto, são realizados cursos com o objetivo de o objetivo organizar e analisar os dados obtidos com o monitoramento da castanha-da-amazônia, discutindo possibilidades de sistematização de resultados úteis para a gestão das Unidades de Conservação, além de criar indicadores sobre a sustentabilidade ecológica e econômica do extrativismo desse alimento, considerando práticas de manejo e conservação da floresta.

Acordos de cooperação e parcerias

O ICMBio e a Embrapa Rondônia possuem um Acordo de Cooperação Técnica-ACT para o desenvolvimento das atividades associadas ao monitoramento da castanha-da-amazônia. As ações incluem capacitações sobre análise e interpretação dos resultados do monitoramento, envolvendo gestores e pontos focais.

A Embrapa e a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) disponibilizam, gratuitamente, um aplicativo que auxilia o produtor a escolher as espécies de árvore mais adequadas à cada pastagem: o Arbopasto, ferramenta indispensável para técnicos e produtores rurais planejarem a introdução do componente arbóreo em área de pastagem com as espécies mais adequadas.

O Arbopasto está disponível no GooglePlay, para dispositivos que operam com Android, e também pode ser acessado na internet por celulares, tablets, computadores e até smart TVs com qualquer sistema. A tecnologia disponibiliza informações de 51 espécies arbóreas nativas da Amazônia Ocidental de forma rápida por meio de uma série de funcionalidades, como filtros de busca para a procura por espécies considerando suas principais características.

O catálogo conta com fotografias para facilitar a identificação. “A principal vantagem do aplicativo é a portabilidade. Quando o produtor rural encontrar uma árvore no campo, poderá verificar imediatamente se é boa para a pastagem, se os frutos não causam intoxicação nos animais, entre outras características”, detalha o pesquisador da Embrapa Acre Carlos Maurício de Andrade.

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