Centenário de nascimento do maior pesquisador de café do mundo

19.09.2013 | 20:59 (UTC -3)
Por Carla Gomes – Assessora de Imprensa

A simplicidade se mistura à sumidade e o resultado é perene. Tem-se o parcial retrato do doutor Alcides Carvalho, o maior melhorista e geneticista de café do mundo, que completaria cem anos neste dia 20 de setembro de 2013. A longevidade ainda se soma ao rigor científico e à sensibilidade, que o habilitava a diferenciar espécies de cafés pelo aroma exalado pelas floradas.

O pesquisador de café e formador de cientistas dedicou sua existência à cafeicultura. É responsável por absolutamente todas as 65 cultivares de café desenvolvidas pelo Instituto Agronômico (IAC), de Campinas, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento de São Paulo, onde trabalhou por 58 anos, até falecer em abril de 1993. Esses materiais hoje ocupam cerca de 90% dos cafeeiros do tipo arábica do Brasil. Pelo reconhecimento à sua paixão pela pesquisa cafeeira, foi considerado, por ocasião de sua aposentadoria compulsória, em 1983, servidor emérito do Estado. Esse título é concedido pelo governador do Estado e permitiu que ele continuasse por mais dez anos os estudos e a formação de novos pesquisadores.

Piracicabano, de trato simples e bastante acessível, arrumava tempo em seu dia cheio de trabalho para receber em sua sala desde vice-presidente do Brasil até pequenos cafeicultores que vinham buscar informações no Instituto.

Doutor Alcides chegava cedo à fazenda Santa Elisa, em Campinas, trocava o sapato pelo calçado de ir a campo, botava o chapéu e partia para os experimentos no cafezal. No período da tarde, o trabalho se dava na sala, analisando as informações levantadas a céu aberto. Quem conviveu com ele, relata que não deixava nada para depois. As dúvidas dos novos pesquisadores eram sanadas na hora em que eram expostas.

O pesquisador do IAC, Oliveiro Guerreiro Filho, conviveu com o mestre de maio de 1982 a outubro de 1990, quando foi fazer doutorado. “Comecei como estagiário no IAC e o doutor Alcides me colocou em uma mesinha na sala dele, devo minha formação profissional a ele”, lembra Guerreiro, que à época tinha a idade da filha mais velha do orientador. Atencioso e dedicado à formação de novos pares, levou Guerreiro até a Unicamp e apresentou-o para alguns professores para que ele pudesse assistir a algumas aulas. Queria que o novo estagiário pudesse complementar sua formação acadêmica na área de biologia. “Ele era uma pessoa muito simples, dedicado, rigoroso e muito generoso”, lembra.

O doutor Alcides era assim. Um líder científico nato. Fez escola. Formou muitos pesquisadores, quatro dos quais continuam até hoje na equipe do IAC. Além de Guerreiro, os outros felizardos são Herculano Penna Medina Filho, Luiz Carlos Fazuoli, já aposentado, e Maria Bernadete Silvarolla. A continuidade de seus trabalhos transformou a Seção de Genética do Instituto Agronômico no mais importante centro de genética e melhoramento do cafeeiro do mundo.

O melhorista assinava a revista Science, uma das mais prestigiadas revistas científicas do mundo. Semanalmente, lia a publicação e marcava com asterisco os artigos que julgava mais relevantes e passava-os para os demais pesquisadores lerem. No dia seguinte, conversava com cada um sobre os assuntos. “A gente tinha que ler”, lembra Guerreiro.

Esses relatos demonstram que doutor Alcides não era apenas um pesquisador de excelência, que se antecipava aos problemas da cafeicultura para gerar soluções antes de os desafios alcançarem os cafezais brasileiros. Era um entusiasta da ciência. Em cultura perene, como o café, que exige cerca de 20 anos para chegar a uma nova cultivar, esse perfil confirma mais uma vez a riqueza do ser humano Alcides Carvalho. Ele sabia que a continuidade dos estudos dependia do desenvolvimento de nova equipe. E se dedicou também a isso.

Doutor Alcides era reconhecido no Brasil e no mundo. Guerreiro conta que quando esteve na França, fazendo doutorado, uma senhora, documentalista do Instituto de Pesquisa do Café e Cacau, perguntou a ele sobre a revista Bragantia, do IAC. Ele respondeu que estava bem e perguntou se ela conhecia a revista. Ela disse que sim e que devia sua vida profissional à publicação, pois foi contratada para traduzir para o francês os artigos do doutor Alcides, para que os pesquisadores da França pudessem lê-los. Esse fato demonstra toda a credibilidade conquistada pelo pesquisador do IAC.

De acordo com Guerreiro, todas as cultivares do Instituto tiveram ação do precursor, mesmo as mais recentes, pois os cruzamentos iniciais foram feitos sob a liderança desse agrônomo formado pela Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, em 1934. “O desenvolvimento social e econômico do Brasil deve muito ao trabalho do doutor Alcides’, diz. As primeiras seleções da cultivar Mundo Novo foram lançadas em 1952 e as de Catuaí, em 1972. Essas duas representam hoje cerca de 90% do café do tipo arábica cultivado no Brasil. “São resultados muito expressivos, o programa de melhoramento teve início em 1932 e em 20 anos ele conseguiu lançar cultivares que são plantadas até hoje”, afirma.

A qualidade científica do doutor Alcides se somava à estratégia de antever os desafios e preparar soluções. Foi assim com a ferrugem. Ele iniciou os estudos em 1950, duas décadas antes de a doença chegar ao Brasil. Os trabalhos envolviam parceria com o Centro de Investigação das Ferrugens do Cafeeiro, de Portugal. “Ele tinha certeza que a ferrugem chegaria aqui, pois dominava o conhecimento sobre a dispersão do fungo”, diz.

A qualidade desses materiais somada à capacitação dos cafeicultores explica a permanência do cultivo dessas cultivares pioneiras, que são suscetíveis às principais pragas e doenças. Nos últimos anos, o IAC desenvolveu cultivares com característica de resistência. Em 1992, lançou a Icatu, de porte alto e resistente à ferrugem. Em 2000, foi a vez da Tupi e Obatã, de porte baixo e igualmente resistentes. Entretanto, novas raças do fungo quebraram a resistência e tornaram suscetíveis as cultivares. A equipe do café do IAC sempre recomenda que os novos materiais sejam inicialmente plantados em pequena escala. O aumento da área deve ocorrer conforme o comportamento das plantas.

Dentre as dezenas de reconhecimentos ao longo da carreira, destacam-se o título de Doutor “Honoris Causa”, da Escola Superior de Agricultura “Luis de Queiroz”/USP, em 1976, o Prêmio Nacional de Ciências e Tecnologia, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), em 1982, o título de Agrônomo do Centenário do Instituto Agronômico, em 1987, o Grau Comendador conferido pela Presidência da República, em 1987, o Fellow, pela American Association for the Advancement of Science, em 1991, e o reconhecimento e homenagem do Governo da Costa Rica e dos cafeicultores brasileiros, em 1993.

Doutor Alcides deixa — além de todos os materiais de café — o reconhecimento e a admiração de seus pares, a quem também serve de estímulo e inspiração. Os apaixonados pelo café no Brasil e no mundo agradecem.

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