Bactéria causadora do cancro cítrico possui sistema de defesa contra amebas

Estudo realizado no Instituto de Biologia da Unicamp e no Instituto de Química da USP, que contou com o apoio da FAPESP, demonstrou um desconhecido mecanismo de defesa das X. citri contra as amebas

16.05.2018 | 20:59 (UTC -3)
Maria Fernanda Ziegler

Xanthomonas citri, bactéria causadora do cancro cítrico em laranjais e limoeiros, dispõe de um verdadeiro arsenal para resistir a predadores naturais: quando não está protegida nas folhas ou frutos de plantas cítricas – e devastando lavouras –, permanece no solo, enfrentando situações adversas e em competição constante com outras espécies de bactérias ou microrganismos, como protozoários (amebas).

Estudo realizado no Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e no Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP), que contou com o apoio da FAPESP, demonstrou um até então desconhecido mecanismo de defesa das X. citri contra as amebas – a principal pressão seletiva de populações bacterianas no ambiente.

Esse mecanismo de resistência foi descrito em artigo publicado no periódico científico Environmental Microbiology. Os pesquisadores descobriram que o mecanismo está atrelado a um sistema de transportes de proteínas (sistema de secreção do tipo 6, o T6SS), presente em diversas espécies de bactérias, que ainda não havia sido caracterizado em X. citri.

Esse sistema é um complexo de proteínas que atravessa o envelope bacteriano, promovendo a injeção de proteínas dentro da ameba. “A bactéria X. citri tem vários sistemas de secreção. Esse que estudamos é uma espécie de maquinário contrátil que atravessa o envoltório da bactéria e secreta toxinas ou proteínas para modificar a célula-alvo, nesse caso a ameba”, disse Cristina Alvarez-Martinez , pesquisadora do Instituto de Biologia da Unicamp e  autora do artigo.

Via de sinalização

Já era sabido que os sistemas de secreção de proteínas têm papel-chave nas interações bacterianas e são responsáveis por liberar uma grande quantidade de proteínas no ambiente extracelular ou em células-alvo.

Além de demonstrar que o mecanismo permite a resistência à ameba Dictyostelium discoideum, os pesquisadores também descobriram uma nova via de sinalização que controla a expressão dos genes do sistema de secreção em resposta ao contato com a ameba. A via de sinalização também é encontrada em genomas de outras bactérias ambientais, mas ela ainda não havia sido estudada.

“O trabalho descreve um novo mecanismo de regulação da expressão gênica, presente também em outras bactérias do ambiente”, disse Alvarez-Martinez.

Os pesquisadores verificaram que a translocação de proteínas ocorre de forma controlada pela bactéria. “No trabalho, demonstramos que a bactéria induz a transcrição dos genes T6SS para a produção do canal de secreção por meio desse novo mecanismo de sinalização que identificamos. O mecanismo de sinalização é ativado em resposta ao contato com a ameba”, disse.

De acordo com o estudo, os dois achados – mecanismo de resistência a amebas e a nova via de sinalização – fornecem novos conhecimentos sobre a função e regulação dos genes T6SS e destacam a importância deste sistema em permitir que a X. citrisobreviva a predadores naturais, o que poderia explicar a dificuldade na eliminação dessas bactérias de cultivares infectados.

Uma praga persistente

A infecção de citros por Xanthomonas citri causa o cancro cítrico, doença responsável por grandes prejuízos na agricultura brasileira e em outras partes do mundo. Embora tenha grande impacto econômico, sua capacidade de persistir no ambiente, no entanto, ainda é pouco compreendida.

Em 2001, a bactéria teve seu genoma sequenciado por meio do programa Genoma-FAPESP, o que permitiu que os genes que codificam o mecanismo de secreção (T6SS) fossem localizados posteriormente. Isso possibilitou que a equipe de pesquisadores da USP e Unicamp modificasse geneticamente a bactéria para que ela parasse de produzir o sistema de secreção do tipo 6.

O estudo recém-publicado comparou as duas cepas de bactérias: uma mutante, sem os genes do sistema 6 de secreção, e outra selvagem, sem qualquer modificação genética. Os pesquisadores observaram que a ameba Dictyostelium discoideum se alimenta com mais eficiência da linhagem selvagem. 

“Ao remover esse gene, a bactéria parou de produzir o sistema de secreção. Vimos na comparação que a linhagem selvagem apresentava uma resistência muito maior às amebas, tinha maior sobrevivência do que a nossa linhagem que não tinha o sistema de secreção. Conseguimos demonstrar que existe essa associação fundamental para a sobrevivência das Xanthomonas”, disse.

Arsenal bélico

De acordo com Alvarez-Martinez, o estudo reafirma o fato de a X. citri possuir um arsenal de mecanismos – categorizados por “famílias” de sistema de secreção – para resistir ao ataque de competidores no ambiente.

“Muitos desses sistemas foram estudados anteriormente. O sistema de secreção do tipo 3, por exemplo, está diretamente ligado à virulência da bactéria. Eliminando esse sistema, a bactéria não consegue causar a doença do cancro cítrico. Já o sistema de secreção do tipo 4 está envolvido na tarefa de eliminar outras espécies de bactérias competidoras por espaço e nutrientes. O sistema de secreção do tipo 6, que estudamos agora, funciona como um mecanismo de resistência na disputa contra um predador, no caso a ameba”, disse Alvarez-Martinez.

A pesquisadora explica que são necessários ainda mais estudos para compreender totalmente o que acontece nessa disputa entreX. citri e a ameba D. discoideum. “Uma das hipóteses levantadas em nosso estudo é que a ameba pode ser uma espécie de reservatório de bactérias. A Xanthomonas pode matar ou se multiplicar dentro da ameba. O que queremos entender agora é como se estabelece essa relação entre esses dois microrganismos”, disse a pesquisadora.

Independentemente de a hipótese ser confirmada, uma coisa é certa: o sistema de secreção recém-identificado promove a maior resistência da bactéria, o que poderia ter forte impacto na sua persistência no solo, na folha de limoeiros ou pés de laranja.

“Quanto mais conhecermos os mecanismos que a bactéria usa para resistir às adversidades, mais fácil será interferir na propagação do cancro cítrico. Conhecer o sistema de secreção do tipo 6 pode nos ajudar futuramente a pensar em uma forma de intervenção para barrar o desenvolvimento do cancro cítrico nas lavouras, além de ajudar muito na compreensão da biologia da Xanthomonas”, disse.

O artigo Xanthomonas citri T6SS mediates resistance to Dictyostelium predation and is regulated by an ECF σ factor and cognate Ser/Thr kinase (doi: 10.1111/1462-2920.14085), de Ethel Bayer-Santos, Lídia dos Passos Lima, Lucas de Moraes Ceseti, Camila Yuri Ratagami, Eliane Silva de Santana, Aline Maria da Silva, Chuck Shaker Farah e Cristina Elisa Alvarez-Martinez, pode ser lido na Environmental Microbiology em https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/1462-2920.14085

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