Avaliação de tecnologias para aplicação de fertilizantes a lanço

​O desafio das tecnologias de aplicação a lanço de fertilizantes e corretivos do solo é garantir alto rendimento operacional, atingindo faixas grandes e reduzindo o amassamento da cultura

03.11.2020 | 20:59 (UTC -3)
Revista Cultivar

O processo de produção na agricultura se constitui de diversas fases, desde a construção e manutenção da área onde receberá a cultura, passando pela seleção das fontes de nutrientes, do desenvolvimento da estrutura do perfil de solo, até a seleção das variedades a serem plantadas, com o objetivo de se obter a máxima produtividade. Neste contexto, a utilização de fertilizantes é indispensável para proporcionar a quantidade suficiente de nutrientes para todo o ciclo da cultura, tanto em aplicações no processo de plantio, como também ao longo do desenvolvimento da mesma, com aplicações de cobertura, exigindo tecnologias que permitam maior rendimento operacional e ótima uniformidade por toda a faixa de aplicação.

O manejo correto dos fertilizantes leva ao aumento de eficiência e produtividade de uma área tratada, se empregados ao mesmo tempo os quatro Cs das boas práticas para o uso eficiente de fertilizantes: a fonte certa, na dose certa, na época certa e no local certo (Reetz, 2017). A fonte certa refere-se à combinação dos fertilizantes de acordo com a necessidade da cultura e a condição do solo em que será cultivada, segundo as recomendações agronômicas obtidas com o auxílio de análises e mapeamento desse solo. A dose certa corresponde à aplicação da quantidade necessária do fertilizante para a cultura se estabelecer e proporcionar a produtividade esperada. Doses menores que as necessárias prejudicarão o crescimento da mesma, e ao mesmo tempo, doses excessivas resultarão em desperdícios e danos econômicos e ambientais. Época certa corresponde à definição de quando realizar as aplicações, considerando que a demanda por macro e micronutrientes é diferente de acordo com cada estádio fenológico da cultura. E o local certo é disponibilizar os nutrientes de forma uniforme em toda a área aplicada, levando em consideração a mobilidade dos nutrientes no solo para as culturas absorvê-los de forma eficiente. De forma resumida, as boas práticas no manejo de fertilizantes devem ser adotadas para garantir que os nutrientes reajam com o solo e as plantas, de forma a permitir maior absorção radicular e reduzir as perdas.

A utilização de fertilizantes inorgânicos sólidos é muito comum no campo, e a aplicação dos mesmos em superfície é realizada na maioria das áreas de produção. Os fertilizantes à base de nitrogênio, fósforo e potássio (N, P e K) são macronutrientes, e exigem maiores doses de aplicação, podendo ter a adição de algumas fontes de micronutrientes em diversas formulações. Devido a alguns fatores como a facilidade de operação e o maior rendimento operacional, que são alvos dos produtores rurais em geral, uma das formas mais comuns de se realizar a aplicação de fertilizantes e corretivos é a adubação a lanço. Um outro fator importante é a colaboração dessa técnica para atender aos objetivos do sistema de plantio direto, que é manter a camada de palha na superfície do solo e ajudar a preservar a água e os nutrientes.

Verificação da qualidade de distribuição normalizado segundo Asabe (2009)
Verificação da qualidade de distribuição normalizado segundo Asabe (2009)

A tecnologia de aplicação dos fertilizantes adotada é um dos fatores que influenciam de forma direta a garantia da dose e do local adequados na deposição dessas fontes de nutrientes. Os equipamentos de distribuição centrífugos de fertilizantes e corretivos são muito utilizados pela sua capacidade operacional e possibilidades de regulagens de doses e faixas de aplicação (Baio et al., 2012; Laghari et al., 2014).

Os sistemas de distribuição centrífugos utilizam discos rotativos horizontais constituídos por aletas ou pás, que através da força centrífuga lançam os fertilizantes ao solo a distâncias variadas, dependendo da característica dos mesmos, como granulometria, formato dos grãos e densidade. As soluções adotadas nos equipamentos distribuidores têm impacto significativo na qualidade da distribuição desses insumos, como o cuidado na deposição dos fertilizantes sobre os discos, além da geometria de pás e discos. Outro fator fundamental para a qualidade da aplicação é a qualidade física do fertilizante, que pode ser verificado pelo padrão granulométrico e pela capacidade do mesmo em manter o formato do grão (ausência de pó). Na aplicação de formulados com diferentes grãos, por exemplo, os grãos mais leves com menor densidade e tamanho serão lançados a distâncias menores, e os grãos mais pesados serão lançados a distâncias maiores, determinando diferentes faixas de aplicação e causando a segregação dos mesmos na área aplicada. Isso pode gerar problemas de produtividade da cultura, pois impacta no manejo dos fertilizantes no solo (Ortiz-Cañavate, 2003; Miserque et al., 2008).

Para que o processo de aplicação seja realizado com qualidade e eficiência é necessário também realizar a calibração do equipamento de acordo com o fertilizante utilizado, a dose necessária e a faixa de aplicação desejada. Essa operação de calibração da faixa de aplicação é considerada difícil e que demanda muito tempo do operador do equipamento, e isso contribui para a má calibração dos distribuidores, e muitas vezes não são realizadas em campo. Assim como em todas as operações agrícolas, há grande demanda por soluções mais ágeis e que tragam facilidade e segurança na calibração do distribuidor.

Para efetuar a análise criteriosa da performance da distribuição de fertilizantes a lanço, se torna necessária uma avaliação normalizada que utiliza a coleta em bandejas alinhadas transversalmente ao caminhamento do equipamento, ao longo de toda a faixa de aplicação desejada. Os valores obtidos da coleta e pesagem do fertilizante depositado nas bandejas são utilizados para o cálculo do coeficiente de variação transversal (CV). Devido às diferentes soluções de sistemas de aplicação a lanço disponíveis no mercado, é possível encontrar equipamentos que não conseguem garantir a uniformidade de toda a faixa de aplicação, e também deixar falhas ou não atingir a faixa desejada. Problemas decorrentes da má aplicação de fertilizantes, com valores de CV acima de 20%, não garantindo no solo a faixa de aplicação configurada no equipamento, podem trazer sérios prejuízos econômicos. Alguns estudos mostram que um CV aproximado de 40% pode trazer reduções de até 20% de produtividade na colheita (Mersmann et al., 2013; e Yule & Grafton, 2013).

Várias soluções de equipamentos e sistemas de distribuição são ofertadas no mercado agrícola e algumas delas propõem-se a garantir a qualidade da dosagem e da distribuição dos fertilizantes com facilidade e segurança na calibração das faixas de aplicação. Com o objetivo de avaliar a qualidade de distribuição com algumas formulações comumente aplicadas no campo entre fertilizantes e corretivos, a Fundação Mato Grosso realizou ensaios com diferentes faixas de aplicação e dosagens, dos sistemas de aplicação das adubadoras Uniport 5030 NPK e Tellus 10.000 NPK, da empresa Máquinas Agrícolas Jacto S.A.

Calibração do distribuidor para aplicação de fertilizantes granulados
Calibração do distribuidor para aplicação de fertilizantes granulados

AVALIAÇÕES DE CAMPO

As avaliações dos fertilizantes monofosfato de amônio (MAP), superfosfato simples (SFS) e cloreto de potássio (KCl), e do corretivo calcário, foram realizadas no município de Rondonópolis (MT). Para cada fertilizante/corretivo, foram testadas diferentes larguras de faixa de aplicação e doses do produto.

Para o procedimento de regulagem da faixa desejada nesse equipamento, foram utilizadas as configurações de ponto de queda no disco obtidas pelo sistema SmartSet, da Jacto, para cada fertilizante e cada largura de faixa de aplicação. Após a obtenção destas informações, foi realizado o método de verificação rápida da qualidade de distribuição proposto pela Jacto para seus distribuidores. O método consiste em após regular o ponto de queda no disco, realizar uma aplicação com sobreposição (ida e volta) e coletar uma amostra do conteúdo aplicado com apenas quatro bandejas alocadas ao longo de metade da largura de faixa desejada. O conteúdo das bandejas é coletado em provetas para verificar a uniformidade entre elas. Caso haja diferença de volumes entre as provetas, é possível fazer um ajuste fino no ponto de queda no disco informando os valores indicados nas provetas no display do equipamento.

Após isso, foi realizada a verificação normalizada da qualidade de distribuição da aplicação com três repetições para cada ajuste entre produto, largura e dose. Cada repetição consistiu em três passadas no mesmo sentido para acumular produto nas bandejas coletoras e aumentar as diferenças no momento da pesagem. Os pesquisadores procuraram realizar as aplicações com vento inferior a 8km/h. A velocidade de aplicação dos produtos foi de 18km/h. Antes de realizar as aplicações dos produtos, as calibrações de vazão foram realizadas para atingir as doses almejadas. Foram alocadas 147 bandejas de dimensões 0,5m x 0,5m x 0,07m, com uma estrutura interna de padrão regular de 0,05m x 0,05m para evitar ricocheteio dos produtos. Foram retiradas quatro bandejas nos rastros da máquina, duas de cada lado. Após cada aplicação, o conteúdo de todas as bandejas era coletado e tinha sua massa mensurada, para posterior análise dos dados. O cálculo dos coeficientes de variação (CVs) foi realizado através do software Adulanço, que mensura o CV de aplicação em função do modo de trabalho (alternado ou contínuo) para diversas larguras e fornece os valores em porcentagem. Os valores de CVs considerados foram aqueles calculados para a largura de trabalho desejada no protocolo do trabalho. Após o cálculo dos CVs, os dados foram submetidos à análise de variância ao teste F e no caso de efeito significativo, foi realizado o teste de Tukey para comparação de médias a 10% de probabilidade.

RESULTADOS DAS APLICAÇÕES

Os resultados são apresentados para cada fertilizante/corretivo, considerando os valores de referência de CVs como: ideal <10%, aceitável 10-20%, ruim 20-30% e péssimo >30%.

Para o fertilizante SFS, foram testadas larguras de faixas de 28m, 32m e 36m nas doses de 250kg/ha e 500kg/ha. Os valores de CV para SFS foram os melhores entre todos os produtos. Na média, o CV está na faixa do aceitável para as fontes de variações aplicadas. Somado a isto, foram encontrados valores surpreendentemente baixos na largura de 28m e dose de 250kg/ha, além de permitir aplicações em níveis aceitáveis acima de 36m. Estes resultados demonstram o potencial do sistema de distribuição em prover o máximo de uniformidade possível, em vista que os padrões brasileiros beiram CVs de 30% ou mais para esse fertilizante.

Para o fertilizante MAP, foram testadas larguras de faixas de 28m, 32m e 36m para a dose de 250kg/ha, e 28m e 32m para a dose de 150kg/ha. Os valores de CVs para MAP foram influenciados pela dose de aplicação, contudo ainda dentro das faixas aceitáveis para boas distribuições, similar ao SFS. Estes resultados são expressivos em comparação aos padrões brasileiros, pois é possível encontrar valores de CV mais próximos a 20% para MAP, mesmo após vários ajustes de regulagens.

Para o corretivo de calcário foram utilizadas a largura de 12m e doses de 1.500kg/ha e 2.500kg/ha. A alteração na dose aplicada mudou a uniformidade de aplicação. Além da maior quantidade de produto a ser aplicado, o vento pode ter influenciado na qualidade da distribuição. O aumento da dose aumentou o CV, contudo os valores ficaram dentro da faixa aceitável, principalmente considerando que o calcário estava seco, e também a influência do vento.

Para o fertilizante KCl foram testadas larguras de faixas de 28m, 32m, 36m e 42m e doses de 150kg/ha e 250kg/ha. Mesmo em condições adversas do produto utilizado nos testes, com presença de pó e grãos pequenos, foram atingidos valores de CV dentro dos aceitáveis para as larguras de 32m e 36m. Na aplicação de 28m, foram necessários alguns ajustes no ponto de queda no disco e/ou troca de conjunto de pás para melhorar a qualidade (o equipamento possui conjunto de pás ideal para faixas menores). A uniformidade na largura de aplicação de 42m foi prejudicada pela qualidade inferior do produto, e atingiu CVs fora da faixa aceitável.

Granulometria do KCl testado. Qualidade ruim com presença de pó
Granulometria do KCl testado. Qualidade ruim com presença de pó

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De maneira geral, para os fertilizantes, doses e faixas de aplicação testadas, a adubadora Uniport 5030 NPK apresentou ótimo desempenho em relação à facilidade de calibração e à qualidade de aplicação dos fertilizantes e corretivos a lanço, atingindo grandes faixas operacionais com qualidade superior em relação à média dos padrões brasileiros. Para trabalhos com a máquina em melhores uniformidades de aplicação, deve-se buscar fertilizantes com boas qualidades físicas. Contudo, o sistema de distribuição se mostrou eficiente ao atingir grandes larguras de aplicação (compatível com as larguras de barras dos pulverizadores) com qualidade aceitável, mesmo com diferentes granulometrias dos fertilizantes testados.

O sistema de ajuste de faixa de aplicação proposto pela tecnologia de distribuição da Jacto é sensível a alterações no ponto de queda, situação essa que está ligada à precisão do mesmo, permitindo CVs dentro de um nível ideal quando bem ajustado. Nos testes realizados, notaram-se aplicações com uniformidades aceitáveis, com destaque especial para a aplicação de SFS, com resultados de uniformidade excelentes. Na aplicação de calcário, apresentou influência pelo vento e as uniformidades de aplicação foram aceitáveis.

Conforme demonstrado nos testes, os equipamentos necessitam de ajustes para demonstrarem sua melhor qualidade operacional. O tempo necessário para a realização de um “ajuste fino” da regulagem de faixa com três repetições foi inferior a 15 minutos e gastando menos de 500kg de insumos para alcançar o ajuste adequado, ou seja, redução de desperdícios de fertilizantes e economia para o agricultor.

Gustavo Barbosa Micheli, Daniel Petreli da Silva, Máquinas Agrícolas Jacto S.A.; Marcus Vinícius Corradi Leal, Fundação Mato Grosso

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