Associações do agronegócio ajuízam ação contra o Grupo Bracell

Autoras acusam o conglomerado de empresas estrangeiras de violação à soberania nacional e à independência do Estado Brasileiro

06.10.2022 | 09:54 (UTC -3)
Bárbara do Val Blanco

A ABAG (Associação Brasileira do Agronegócio) e a ASCANA (Associação dos Plantadores de Cana do Médio Tietê) ajuizaram ação civil pública na Comarca de Marília (SP) contra o Grupo Bracell. As autoras acusam o conglomerado de empresas estrangeiras de violação à soberania nacional e à independência do Estado brasileiro para o desenvolvimento nacional e implementação de sua política agrária, e risco à segurança alimentar.

Citam, como exemplo similar ao da Bracell, a recente decisão do Legislativo dos EUA para restringir o investimento estrangeiro em terras agrícolas nacionais. A medida foi motivada pelo caso da estatal chinesa WH Group Limited, que adquiriu uma gigante produtora de carne de porco e passou a controlar boa parte dessa produção no país. Durante a epidemia da Covid, a empresa estrangeira escoou a produção de carne de porco para a China, apesar da escassez do produto no mercado interno norte-americano.

Parecer Técnico elaborado pelo Programa de Educação Continuada em Economia e Gestão de Empresas (PECEGE), vinculado à ESALQ/USP, aponta os impactos sociais causados pela operação do Grupo Bracell nos municípios onde atua: diminuição de áreas agricultáveis (pastagens, plantio de soja e de cana-de-açúcar) para o plantio de florestas; enfraquecimento do comércio local; queda na demanda de mão de obra; impacto na oferta de alimentos – aumentado o risco de insegurança alimentar.

As associações também acusam o Grupo Bracell de aquisição e exploração de terras rurais em violação aos limites da Lei 5.709/1971 (land grabbing), em Oriente, Vera Cruz e Álvaro de Carvalho, que ultrapassam os 10% do total do território dos referidos municípios. E a realização de operação societária em descumprimento à Lei 6.404/1976, destinada a camuflar a titularidade de participação majoritária do grupo estrangeiro no capital social de sociedade brasileira.

Outras irregularidades, segundo a ação civil pública, são a correlação entre as atividades do Grupo Bracell e o sobrepreço (overpricing) dos imóveis rurais onde atua; o impacto desse sobrepreço em relação à disponibilidade de gêneros alimentícios (hortifrúti), à perda do poder aquisitivo da população sobre a produção do agronegócio brasileiro (agroinflação), bem como às atividades de produtores locais, agricultores e pecuaristas.

A ABAG E A ASCANA requerem que as rés se abstenham de adquirir novas propriedades rurais ou celebrar novos negócios jurídicos destinados à exploração econômica de arrendamentos de propriedades rurais, parcerias agrícolas ou demais negócios congêneres, por si ou por intermédio de outras sociedades em que detenham participação, bem como que alienem as propriedades rurais já adquiridas em violação aos limites previstos na Lei 5.709/1971.

Tutela provisória

Na última terça-feira, foi deferida tutela provisória nos seguintes termos:

A) Determinar às Rés uma obrigação de não fazer no sentido de que se abstenham de realizar novas aquisições de propriedades rurais, bem como de celebrar novos negócios jurídicos de arrendamentos de terras rurais, parcerias agrícolas ou demais negócios congêneres, por si ou por intermédio de outras sociedades em que detenham participação, tudo com violação aos limites previstos na Lei no 5.709/1971, notadamente aquisições e uso de terras acima de 10% da área total de cada município (Lei n. 5.709/1971, art. 12, § 1º), fixada a multa cominatória de R$ 1.000.000,00 por cada novo negócio jurídico celebrado em desconformidade com a Lei e com a presente decisão (sic. fls. 65 e 66; CPC, arts. 8o, 139, IV, 499, 500, 536, 537; Enunciado no 96 do CJF e Enunciado no 627 do FPPC).

B) Determinar o bloqueio registrário e consequentemente a expedição de ofícios aos Oficiais dos Cartórios de Registro de Imóveis que respondem por atos registrários dos Municípios de Oriente-SP, Álvaro de Carvalho-SP e Vera Cruz-SP, com terras contíguas com a comarca de Marília-SP e sujeitos aos efeitos "erga omnes" da decisão judicial na ação civil pública (LAC, art. 16 e fls. 05, 14, item "30", fls. 56, 57 e 66), que se abstenham de registrarem quaisquer novas escrituras públicas de aquisições de imóveis rurais pelo Grupo Bracell ou empresas coligadas e participantes da estrutura societária, abrangendo a aludida obrigação de não fazer também os negócios jurídicos de arrendamentos, parcerias ou outros similares que ultrapassem o limite de 10% previsto na Lei n. 5.709/1971, não podendo também fazer averbações de arrendamentos ou parcerias que violem o limite mencionado (fls. 67).

C) Determinar a expedição de ofícios aos Oficiais dos Cartórios de Registros de Imóveis que respondem por atos registrários dos Municípios de Oriente-SP, Álvaro de Carvalho-SP e Vera Cruz-SP, para que anotem a existência da presente ação civil pública nas matrículas dos imóveis onde as Requeridas figurem de qualquer modo como contratantes, adquirentes, arrendatárias, parceiras ou sob qualquer outro título.

D) Determinar a expedição de ofícios para o Cadastro Nacional de Informações de Ações Coletivas do Conselho Nacional de Justiça e para o Conselho Nacional do Ministério Público para a inclusão da presente ação civil pública nos cadastros pertinentes conforme a Resolução Conjunta 02/2011 do CNJ, assim como a expedição de ofício para o cadastramento da ação no Núcleo de Gerenciamento de Precedentes e Ações Coletivas do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (Resolução n. 339/2020 – fls. 68), anotando-se a existência da presente ação.

E) Determinar aos Oficiais dos Cartórios de Registro de Imóveis acima mencionados que informem ao Juízo dentro de 15 dias contados da intimação da presente decisão se existem outros números ou índices diferentes dos apontados na petição de fls. 57, ou seja, índices de ocupações diferentes de 32,7%, 11,8% e 10,9% respectivamente para os Municípios de Oriente-SP, Álvaro de Carvalho-SP e Vera Cruz-SP, dispensadas as juntadas de certidões (fls. 57).

Sobre a questão, a Bracell manifestou-se: “A Bracell reforça que seus negócios no Brasil estão de acordo com todas as normas legais vigentes. A empresa tem conhecimento da ação civil pública e está preparando todos os esclarecimentos legais necessários”.

A íntegra da decisão pode ser obtida no link abaixo:

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