Artigo: Nitrogênio residual da soja na produtividade de gramíneas e do algodão

27.02.2012 | 20:59 (UTC -3)

O nitrogênio é um dos nutrientes requeridos em quantidades relativamente grandes pelas culturas agrícolas sendo, portanto, considerado um macronutriente. Aproximadamente 78% do ar atmosférico é constituído por esse elemento, mas sob uma forma não diretamente assimilável pelas plantas. Plantas da família das Leguminosas (Fabaceae), entretanto, e somente elas, são capazes de absorvê-lo por meio de nódulos formados nas raízes ( Figura 1), os quais são espontaneamente desprendidos no solo. A fixação do nitrogênio ocorre graças à simbiose estabelecida pela planta com bactérias do gênero Bradyrhizobium que são adicionadas às sementes, pela inoculação, imediatamente antes da semeadura (PENDLETON; HARTWIG, 1973).

No caso da soja, a bactéria é da espécie B. japonicum, cuja eficácia é de tal magnitude que a adubação nitrogenada pode até mesmo ser dispensada pelo agricultor. O mesmo não ocorre com espécies cultivadas não leguminosas, como as gramíneas: arroz, milho, sorgo, trigo e cana-de-açúcar, além do algodão (Malvaceae), nas quais se faz necessária normalmente, a aplicação de adubação nitrogenada.

A simbiose da soja com o Bradyrhizobium específico, pode proporcionar uma fixação de 100 a 160 kg de nitrogênio por hectare de solo cultivado (VEST et al.1973). Em termos de suprimento de nitrogênio, ocorre geralmente, efeito benéfico na sucessão de uma leguminosa por outras culturas não leguminosas. No entanto, para que esses efeitos possam ser maximizados, faz-se necessária a inoculação artificial prévia das sementes de soja com a bactéria específica. Também, o solo precisa estar adequadamente corrigido pela calagem, para que a saturação por bases trocáveis (V%) esteja num nível satisfatório, ou seja, de 60% a 70%, e também com teores adequados de cálcio e magnésio (RAIJ et al, 1997).

Para se obter uma nodulação adequada, além da correção da acidez do solo, é necessária a adequação dos teores de fósforo e potássio, sendo que, no caso do fósforo, o fertilizante fosfatado, particularmente aplicado na forma de superfosfato simples, além do fósforo, contém 13% de enxofre em sua formulação, sendo este um elemento importante para que ocorra o processo de simbiose (Figura 2). Logo após a inoculação das sementes, deve-se aplicar também o molibdênio, micronutriente que tem participação importante no processo de fixação do nitrogênio. Deve-se atentar para o poder germinativo das sementes que deverá estar entre 80% a 100%. No entanto, a presença de nódulos em uma raiz de leguminosa não significa um suprimento adequado de N à planta. Em relação à fixação simbiótica, os nódulos podem ou não ser eficientes, podendo estar havendo muita, pouca ou nenhuma fixação de N.

Quando eficientes, os nódulos são bem desenvolvidos e, em corte transversal, apresentam coloração interna vermelha intensa devido à presença de uma forma de hemoglobina, denominada leghemoglobina (Figura 3) (VEST et al. 1973). A Figura 4 mostra uma planta de soja IAC-Foscarin-31, com vagens bem distribuídas e raízes desenvolvidas em profundidade, indicativo de níveis adequados de calagem e adubação, já que a produtividade obtida foi de 4.000 kg ha-1.

Na atual crise energética e econômica mundial, o custo da produção agrícola tem sido consideravelmente elevado em função do preço dos fertilizantes nitrogenados. A energia despendida para a produção de 50 kg de fertilizantes desse tipo é equivalente àquela proporcionada para obtenção de cerca de 80 litros de petróleo, quantidade esta superada pela fixação biológica pela soja, segundo estimativa de pesquisadores norte-americanos (ROHWEDER et al., 1977).

Como consequente e relevante contribuição para o agronegócio paulista, particularmente nos anos 70 a 90, no Instituto Agronômico - IAC, sediado em Campinas, SP, foram realizados diversos estudos relacionados à cultura da soja em rotação e , ou sucessão, com gramíneas de importância alimentícia e econômica como: arroz, milho, sorgo, trigo, cana-de-açúcar e também algodão, porém, apenas no sistema de preparo convencional do solo. Mais recentemente, entretanto, em relação à produtividade de algumas dessas culturas, não vêm sendo constatadas diferenças entre o sistema convencional e o sistema plantio direto por exemplo (PAULETTI et al., 2003; SANTOS et al., 2006).

Além da contribuição para a preservação ambiental, as pesquisas realizadas no Instituto Agronômico de Campinas, mostram que o efeito residual do nitrogênio fixado na cultura da soja e nos seus restos culturais pode apresentar uma condição que permita a substituição parcial ou total da adubação nitrogenada na cultura seguinte, garantindo a otimização da produtividade e redução parcial dos custos de produção.

A seguir são apresentados os principais resultados obtidos para gramíneas e algodão, cultivadas no Estado de São Paulo.

Em experimento realizado na cidade de Ribeirão Preto, SP (PEREIRA et al., 1979), em campo de multiplicação de sementes de arroz, cultivar Batatais, após quatro anos consecutivos do cultivo de soja, cv Santa Rosa, obteve-se como resultado para cada quilo de nitrogênio aplicado (Figura 5) a produção de 15,8 kg de arroz com casca. Houve aumento significativo quanto à produtividade apenas na dose de 60 kg de N (Tabela 1 e Figura 5).

A utilização de elevadas doses de N em cobertura favorece o desenvolvimento vegetativo do arroz, o que pode contribuir para o aumento da incidência de brusone, em períodos chuvosos, doença causada pelo fungo Pyricularia grisea, acarretando prejuízos à produtividade. No cultivo do arroz em sucessão à soja, esse problema pode ser controlado, sendo que, esse fator, deve ser considerado no momento da decisão pela aplicação, ou não, de N em cobertura ou pela adoção da tecnologia descrita acima.

O agricultor Hirofumi Kage, da cidade de Guaíra, SP, baseado nestes estudos, cultivou o arroz anualmente por cinco anos após o cultivo de soja bem adubada. O arroz que sucedeu à soja não foi adubado e nem foi aplicado nitrogênio em cobertura obtendo-se em média, aproximadamente, 5000 kg ha-1 de grãos demonstrando a eficiência desse sistema de produção.

O trabalho de Miranda (1966) mostra o aumento de produtividade do milho com a aplicação de 120 kg ha-1 de N, com os teores de P e K no solo em níveis adequados.

Em outro estudo realizado na região da Alta Mogiana, SP, em Latossolo Vermelho, em duas áreas: Guaíra I e II, após um e quatro anos consecutivos com cultivo de milho sucedendo à soja, cultivar Santa Rosa, foi obtido aumento médio de 4,35 kg ha-1 na produção de milho para cada quilo de nitrogênio aplicado, embora os tratamentos não apresentassem diferença estatística entre si. Conforme o aumento no número de anos do cultivo da soja verificou-se uma tendência de aumento na produtividade de grãos de milho. (Tabela 2, Figura 6) (MASCARENHAS et al., 1978).

O teor de nitrogênio do solo foi uma fonte importante para o suprimento das necessidades do milho, constatado pelos teores foliares de nitrogênio acima do nível suficiente (Gallo et al., 1968; CANTARELLA et al., 1997), em todos os tratamentos e nos quatro anos avaliados (Tabela 3) (MASCARENHAS et al., 1978). Os autores também verificaram teores de nutrientes adequados e crescentes, na ausência da aplicação do nitrogênio em cobertura, independentemente do número de anos de cultivo com soja. Dessa forma, fica evidenciado que o nível de suficiência do nitrogênio no solo foi decorrente dos restos culturais da soja, incluindo-se raízes e nódulos, além da utilização de 10 a 16 kg ha-1 de N, como adubação básica inicial, obtendo-se elevados níveis de produtividade na cultura do milho.

Em ambos os locais, as produtividades médias do milho foram crescentes após os sucessivos anos de cultivos de soja, com acréscimos de 539 kg ha-1 para cada ano cultivado com soja anteriormente (Figura 7). Esses aumentos de produtividade podem ser atribuídos aos efeitos indiretos obtidos, como melhoria no enraizamento da cultura do milho e na estrutura do solo e maior disponibilidade de N. Embora tenha ocorrido efeito linear na produtividade de grãos do milho, com a aplicação de doses crescentes de N, é evidente a pouca amplitude dessa variação (Figura 6). Com base no rendimento de grãos de milho e, considerando-se o custo do fertilizante nitrogenado, tais doses são antieconômicas (Figura 8). Dados semelhantes foram obtidos por Kamprath et al. (1958), Fleming et al. (1981) e Muzilli et al. (1983). Fleming et al. (1981) e Gallo et al. (1983), mostraram que os restos vegetais de leguminosas não constitui uma fonte duradora de nitrogênio, podendo esse teor residual se esgotar em até 3 anos.

Nos dois solos foi aplicado calcário dolomítico com PRNT de 58%, para correção da acidez e elevação do índice de saturação por bases para 70%. Foram realizadas adubações com fósforo e potássio, de acordo com análise de solo e aplicados 40 kg ha-1 de N, em cobertura, aos 35 dias após semeadura. Em Mococa, nos tratamentos com cultivo de milho após soja, na presença ou na ausência de aplicação de nitrogênio em cobertura, foram constatados acréscimos significativos da ordem de 36 e 29%, respectivamente, em comparação ao cultivo contínuo do milho, corroborando os resultados obtidos por Mascarenhas et al. (1978). Nos tratamentos de cultivo do milho rotacionado com soja, verificou-se um acréscimo não significativo de 6% na produtividade de grãos com a aplicação da adubação nitrogenada, evidenciando-se a não necessidade da mesma.

Gallo et al. (1986) verificaram considerável aumento na produtividade de sorgo, cultivar Contigrão-111, como cultura sucessora à soja, independentemente das doses de N aplicadas em cobertura, 35 dias após emergência das plantas, na forma de sulfato de amônio, após quatro anos de estudos quanto ao efeito residual de doses de calcário e, também do nitrogênio aplicado em cobertura (Figura 9).

Esse aumento está provavelmente associado à elevação da V% do solo na camada de 0-20 cm de profundidade, passando de 23 para 67%, com conseqüente decréscimo da concentração de alumínio nas folhas, diminuindo de 424 para 164 mg kg-1 (Tabela 5). Apesar da aplicação das doses de calcário elevadas, na camada de 0-40 cm de profundidade houve pouca correção da acidez, com a saturação de alumínio sendo muito elevada nos tratamentos com aplicação de menores doses de calcário, razão pela qual as raízes se concentraram na camada mais superficial do solo.

Na aplicação das doses mais elevadas de calcário, a correção da acidez na camada superficial foi mais adequada do que na subsuperficie, porém ocorreu diminuição da acidez e do teor de alumínio na camada de 20-40 cm favorecendo um maior aprofundamento do sistema radicular reduzindo-se, portanto, os efeitos do déficit hídrico na produtividade do sorgo.

Houve efeito marcante da calagem na produtividade, mas sem efeito significativo do nitrogênio para cada dose de calcário, sendo este, inclusive, até depressivo, principalmente nas doses mais elevadas do corretivo (Figura 9). Verificou-se aumento linear da concentração de nitrogênio nas folhas em função da adubação nitrogenada, independentemente das doses de calcário (Figura 10).

No tratamento sem aplicação de nitrogênio em cobertura, houve considerável aumento na concentração de nitrogênio nas folhas devido à calagem, provavelmente em função do maior desenvolvimento radicular e, sobretudo, da maior disponibilidade dos nutrientes, proporcionada pelos restos culturais da soja cultivada anteriormente por três anos. Deve-se salientar que, na ausência de outras limitações, o nível de 3% de nitrogênio nas folhas é adequado para que se obtenham produtividades satisfatórias (Hiroce et al., 1981; Cantarella et al., 1997). Para se atingir esse nível de N nas folhas, foi necessário aplicar 100 kg ha-1 de nitrogênio nas parcelas onde foi aplicada a dose de 1 t ha-1 de calcário; 85 kg ha-1 de nitrogênio em relação à dose de 4 t ha-1 e menos de 30 kg ha-1 de nitrogênio na aplicação das doses mais elevadas, 7 e 10 t ha-1 (Figura 10). Esses índices são indicadores adequados da economia que pode ser obtida utilizando-se a soja no sistema a rotação de culturas, com o aproveitamento dos resíduos do cultivo da soja como fonte residual de nitrogênio para o sorgo, principalmente se este for cultivado na sequência do cultivo da leguminosa.

Em experimentação com a cultura de trigo, cultivar IAC-5, em Campinas, SP, (OLIVEIRA et al., 1979) utilizaram uma área destinada, no ano anterior, para a multiplicação de sementes de duas linhagens de soja, distintas quanto à capacidade de nodulação. As sementes da linhagem nodulante (D7193.30) haviam sido inoculadas com estirpes de B. japonicum e as da linhagem não nodulante (D7193.31) adubadas em cobertura, 35 dias após a emergência, com 50 kg ha-1 de N, na forma de sulfato de amônio.

Posteriormente, após a colheita da soja, o solo foi revolvido para serem incorporados os restos culturais, aplicando-se no sulco de semeadura do trigo, 60 kg ha-1 de P2O5 na forma de superfosfato simples.

Os autores constataram que a produtividade do trigo foi 30% mais elevada na área anteriormente cultivada com a soja nodulante (D7193.30), devido, sobretudo, ao aumento do teor de nitrogênio no solo (Tabela 6). Essa elevação na produtividade do trigo esta diretamente relacionada ao aumento do teor de nitrogênio na parte aérea das plantas, resultando também em maior teor de proteína e de N nas sementes, ressaltando-se assim o benefício da inoculação da soja no sistema de rotação (OLIVEIRA et al., 1979).

De 168 experimentos desenvolvidos na cultura do trigo em condições de campo, por dois anos, nos municípios de Maracaí, Assis e Cruzália, SP, Camargo et al. (1990) obtiveram respostas positivas quanto a produtividade com a aplicação de doses crescentes de nitrogênio em apenas 34 deles, irrigados por aspersão e em 67, em condições de sequeiro. Nos demais, não foram verificados efeitos para produtividade, pelo fato dos mesmos terem sido instalados em áreas anteriormente cultivadas com soja (Figura 11), evidenciando-se, novamente, a não necessidade de se realizar adubação nitrogenada em trigo quando cultivado sucedendo essa leguminosa.

Em Orlândia, SP, Mascarenhas et al. (1994) cultivando por dois e três anos, em duas áreas distintas, cana-de-açúcar em sistema de sucessão de culturas com a soja, cultivar IAC-Foscarin-31, avaliaram o efeito dos tratamentos: pousio, pousio + N na cana (40 kg ha-1 de N em cobertura) e cultivo de soja antecedendo a cana. O rendimento médio de cana-planta na área cultivada por 3 anos foi respectivamente de 132 e 128 t ha-1 nos tratamentos pousio + N e após soja, não havendo diferenças estatísticas entre ambos, tendência constatada também para o rendimento de açúcar (Tabela 7). Na área cultivada por 2 anos nesse sistema de sucessão, os resultados alcançados foram semelhantes à área cultivada por 3 anos (Tabela 7), ficando demonstrada a não necessidade da aplicação de N mineral na cultura da cana após a soja. Além disso, o cultivo por dois anos de cana sucedendo a soja apresentou produtividade de cana-planta (26 t ha-1) e de açúcar (3 t ha-1) mais elevadas em relação ao sistema conduzido na área por 3 anos. Assim, na prática, baseando-se nos custos para o cultivo de ambas as culturas, o empresário agrícola deve optar pelo cultivo da cana-de- açúcar após dois anos com a utilização da soja nesse sistema.

em estudo de Pereira et al. (1988) quanto ao efeito da adubação nitrogenada, aplicada em cobertura, no cultivo contínuo do algodão, cultivar IAC-22, em rotação com soja, cultivar IAC-Foscarin-31, em Mococa e Ribeirão Preto, SP, as produtividades de grãos de soja e de algodão foram consideradas adequadas (Tabela 8). Em ambas as localidades foi aplicado calcário dolomítico, com PRNT de 58% para correção da acidez do solo e elevação do índice de saturação por bases para 70%, e também adubação com fósforo e potássio, de acordo com a necessidade, assim como aplicação de 40 kg ha-1 de N, em cobertura, na cultura do algodão, 35 dias após a semeadura.

Tanto em Mococa como em Ribeirão Preto, não houve diferença significativa quanta a produtividade do algodão após soja, devido aos efeitos de tratamentos. Os restos culturais da soja foram suficientes para o suprimento da necessidade de N pelo algodão, podendo ser dispensada sua aplicação em cobertura. Em algodão cultivado por dois anos consecutivos com aplicação de adubação nitrogenada, também foi alcançada produtividade similar à obtida quando da rotação da cana com a soja. Na safra 1982/83 houve períodos de veranicos no início de janeiro, acarretando prejuízos à produtividade nos dois locais de cultivo.

Diante do exposto, constata-se que, apenas com a inclusão da soja em alguns dos sistemas de produção tem-se a possibilidade de diminuição ou até mesmo de não utilização da adubação mineral nitrogenada nas culturas em rotação ou sucessão, podendo-se inclusive conseguir a redução do custo de produção das culturas após a soja. Além da otimização dos rendimentos das culturas sucessoras à soja, existe uma contribuição adicional quanto à preservação ambiental pela redução da utilização de adubos minerais nitrogenados e a consequente possibilidade da diminuição da poluição do solo.

Cabe ressaltar que, inicialmente, os agricultores deverão utilizar esses sistemas de sucessão ou rotação em áreas menores em suas propriedades, podendo adotar tais recomendações agronômicas mediante constatação de resultados favoráveis em mais de uma safra agrícola.

MASCARENHAS, Hipólito A. A.¹ ²

ESTEVES, José Antonio de Fátima ²

WUTKE, Elaine Bahia ²

LEÃO, Paulo César da Luz ³

¹Pesquisador científico aposentado, servidor voluntário

²Pesquisador científico, Instituto Agronômico – IAC; Av. Barão de Itapura, 1.481, 13075-630 Campinas, SP;

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³Assistente de Planejamento CATI/EDR Orlãndia-SP;

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