Variação de temperatura prejudica produção cafeeira
Atualmente a Agricultura de Precisão (AP), antes de qualquer coisa, está se consolidando como um modelo de gestão das principais informações técnicas de manejo das lavouras. Primeiramente, através do mapeamento dos níveis de fertilidade do solo que permitem otimizar as aplicações de corretivos e fertilizantes. Outra forma de AP é elaboração de mapas de produtividade que permitem identificar a variabilidade da produção dentro de um mesmo talhão, proporcionando informações que qualificam o processo decisório.
Essas duas “ferramentas” já estão disponíveis ao mercado brasileiro e podem proporcionar resultados significativos no aumento de produtividade com rentabilidade. No entanto, o mapeamento da fertilidade do solo tem se destacado pela maior facilidade de execução e interpretação em relação ao mapeamento da produtividade, que além de ser uma técnica com elevado grau de sofisticação, depende de vários fatores de produção controláveis (fertilizantes, agroquímicos, genética etc) e incontroláveis (insolação, precipitação, temperatura etc).
Mesmo sendo uma técnica com maior facilidade de interpretação, até porque leva em consideração apenas alguns fatores de produção (índices de fertilidade, relevo, histórico de manejo e produtividade média), o mapeamento da fertilidade do solo deve seguir uma série de cuidados que definirão a qualidade da informação, sendo que a obtenção de resultados positivos a partir da intervenção a taxa variável, estará diretamente associada à qualidade da informação inicialmente gerada.
O objetivo deste artigo é apresentar e discutir as principais etapas no processo de geração da informação a partir de mapas de fertilidade desenvolvidos pela equipe da Drakkar Solos Consultoria no Rio Grande do Sul e destacar a importância de cada etapa para a obtenção de resultados significativos com a adoção da Agricultura de Precisão.
O processo de AP ocorre em etapas sucessivas e interdependentes entre si. A primeira etapa é a vetorização das lavouras (aquisição da georreferência do contorno por GPS), juntamente com a elaboração de mapas de relevo, indispensáveis agronomicamente para a interpretação dos resultados.
É importante que nesta etapa a vetorização seja a mais fiel possível da lavoura e que sejam marcados pontos de referência que ajudarão a situar o produtor na área, como, por exemplo, as estradas e a sede. A segunda etapa está no estabelecimento do grid amostral ideal. Sem dúvida, quanto menor o grid, maior é o nível de detalhamento e, consequentemente, maior a eficiência da técnica. Hoje se preconiza utilizar grids de um hectare para áreas irrigadas de alto investimento e de dois a três hectares para áreas de sequeiro. A variabilidade, o tamanho da área e a quantidade de recursos financeiros disponíveis também são fatores decisivos no estabelecimento do grid. Não se recomenda fazer grids menores que um hectare em função da relação custo/benefício.
Entre as etapas mais importantes está o processo de amostragem de solo, pois tem influência direta sobre a qualidade das informações geradas e, consequentemente, sobre a tomada de decisão. Nesta etapa temos outro paradigma da AP: qual o equipamento de coleta de solo ideal? O uso do quadriciclo amostrador tem sido popularmente associado ao processo de amostragem, ideia tão difundida que muitos produtores acreditam, erroneamente, que AP somente é possível com o uso deste tipo de equipamento. Teoricamente, o processo de amostragem independe do instrumento de coleta, desde que seja respeitado o número de subamostragem suficiente e o volume de solo coletado para representar o ponto amostral, buscando evitar contaminações entre camadas e diferentes pontos da lavoura.
Salienta-se ainda que o uso do quadriciclo com brocas tem sido alvo de inúmeras especulações quanto à qualidade de amostragem, pois é conhecido o fato de que a broca é o instrumento menos qualificado para a realização da amostragem de solo por apresentar desvantagens como: menor volume de solo, perda da camada superficial, contaminação com solo úmido, imprecisão na profundidade de coleta em função do microrrelevo do solo, além de que a posição do operador não permite enxergar a ponta da broca e retirar os resíduos orgânicos, dificultando ainda mais o processo de amostragem com qualidade.
O processo manual, com pá de corte e balde, apesar de trabalhoso, ainda é o método de referência, pois permite selecionar melhor o local de amostragem, retirar os resíduos superficiais, coletar um volume bem maior de solo (2 a 3kg, sendo que somente 400g são enviados ao laboratório), coletar sempre na entrelinha da cultura anterior, ter precisão na camada de amostragem, além de ser um instrumento simples e barato. Neste sistema, ainda é possível amostrar camadas diferentes, possibilitando a geração de mapas de duas ou mais camadas.
A análise laboratorial do solo é outro ponto de grande discussão. Muitos produtores e técnicos alegam que os laboratórios não são confiáveis e que amostras coletadas no mesmo ponto têm resultados diferentes até no mesmo laboratório. Neste sentido, há de se salientar que a variabilidade em uma amostra de solo pode ser de 10% a 20%, mesmo dentro da própria amostra, sendo uma interação entre a variabilidade de mineralogia, procedimento de preparo da amostra e métodos de análise. Por isso, em parte, se utilizam faixas de fertilidade e não valores pontuais (Tabela 1). Assim, por exemplo, um solo de CTC de 12cmolc dm-3, com 62 ou 100mg dm-3 de potássio, está dentro da mesma faixa considerada alta e tecnicamente tem a mesma interpretação.
Outro ponto a ser mencionado é que os valores muito altos de nutrientes ficam fora da faixa de precisão das curvas de calibração dos equipamentos laboratoriais, pois teoricamente pouco importa se o teor de potássio é de 300 ou 400mg dm-3, pois acima de 180mg dm-3 já é considerado um nível muito alto.
Poderia se fazer uma diluição da amostra e provavelmente se encontraria 350mg dm-3, analiticamente correto, tecnicamente indiferente, mas operacionalmente custoso. Sem dúvida, a análise laboratorial é o problema mais fácil de resolver. Primeiro porque há amostras de referência que reduzem erros sistemáticos; há normas padronizadas entre os laboratórios, onde uma comissão técnica avalia constantemente as variações entre os laboratórios credenciados (por exemplo, no Rio Grande do Sul é a Rede Oficial de Laboratórios de Análises de Solos (Rolas) que tem essa atribuição), além de que, na dúvida, sempre há contraprovas armazenadas por até seis meses.
O tratamento dos dados é outro ponto importante a ser considerado para a correta interpretação dos resultados obtidos dos laboratórios. A partir destas informações são gerados mapas de fertilidade e de aplicação de corretivos e fertilizantes que devem seguir procedimentos técnicos que preservem a qualidade de interpolação dos dados, como os raios de alcance e tamanho das quadrículas. A padronização das cores e escalas também são fundamentais para facilitar a interpretação e discussão dos resultados, bem como a simplificação dos dados para interpretação e comparação dos resultados, pois uma propriedade média de 500 hectares pode ter mais 100 mapas para serem avaliados, isto no primeiro diagnóstico realizado.
Um exemplo deste procedimento são os fertigramas, gráficos onde é possível rapidamente identificar os fatores químicos limitantes e a intensidade do problema, resumindo vários mapas em apenas uma figura. Por exemplo: na lavoura “A” praticamente não temos problemas graves, na lavoura “B” tem problemas com vários elementos, na lavoura “C” apenas o potássio tem problema grave e na lavoura “D” há problemas com fósforo. A classificação em faixas ruim, médio, bom, muito bom e acima do muito bom é baseada nos padrões de fertilidade da Comissão Sul-Brasileira de Ciência do Solo (2004), permitindo comparar os níveis de fertilidade entre lavouras de diferentes partes do estado do Rio Grande do Sul, favorecendo a comunicação entre produtores e técnicos.
A padronização das recomendações com metas claras e expostas nos mapas de aplicação também são fundamentais para a sustentabilidade dos trabalhos em longo prazo, além de permitir a discussão técnica dos efeitos pós-correções. Apesar de ainda existirem muitos estudos a serem desenvolvidos com a finalidade de melhorar as recomendações, não poderemos fazer uma avaliação com qualidade dos resultados se não tivermos uma base de dados clara e de qualidade das metas de intervenção.
A correção a taxa variável tem sido o último obstáculo para a adoção em larga escala da AP no RS. O número de equipamentos com esta tecnologia tem aumentado significativamente a cada ano e promete otimizar o uso de corretivos/fertilizantes e melhorar a qualidade de aplicação. Há muitos produtores e técnicos ainda céticos quanto ao uso desses equipamentos, pois alegam que ainda não temos qualidade nas máquinas de calibração “simples” para que possamos utilizar máquinas a taxa variável. Sem dúvida, essa resistência é fruto da falta de conhecimento sobre o assunto, pois as máquinas com tecnologia eletrônica têm o funcionamento mais simples que suas antecessoras mecânicas e por incrível que pareça os produtores que têm adotado essas máquinas estão aprovando pela simplicidade e precisão de fazer alteração na dose fixa de um produto e não necessariamente pela possibilidade de taxa variável. Esta situação também é constatada nos produtores norte-americanos, segundo relatos de um diretor da John Deere americana, em uma reunião com a equipe da Drakkar Solos, em novembro de 2009.
Enfim, sabemos que há muito a melhorar em termos de qualidade de aplicação, principalmente no que se refere à calibração dos equipamentos, mas não podemos negar que esse é um processo sem volta e que, mais cedo ou mais tarde, todos terão que enfrentar esse desafio e temos a certeza que os produtores se farão a seguinte pergunta: por que não adotei esta tecnologia antes?
Mesmo fazendo considerações significativas quanto aos procedimentos mais adequados para adoção da AP dentro de nosso panorama técnico brasileiro, podemos dizer que ainda estamos enxergando a ponta de um “iceberg”. A crescente adoção, o aumento do número de prestadores de serviços, pesquisadores, profissionalização constante dos produtores e os resultados positivos dos trabalhos pioneiros que adaptaram as técnicas às diversas situações de manejo, prometem tornar a agricultura de precisão no Brasil a terceira revolução na agricultura moderna, antecedida pelas tecnologias do sistema plantio direto e dos transgênicos. Salienta-se ainda que a adoção da agricultura de precisão já está em franca expansão, sendo adotada mais como um modelo de gestão do que uma técnica que evita a imprevisibilidade da agricultura. Isso porque a técnica proporciona um maior conhecimento sobre os principais fatores técnicos de produção e permite manipulá-los de forma a reduzir custos e aumentar a eficiência de cada produto aplicado na lavoura.
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