Alta população de lagarta falsa medideira em milho
Associada à dificuldade de controle na cultura da soja, a lagarta falsa-medideira foi encontrada na cultura do milho convencional em infestação numericamente inédita
27.05.2020 | 20:59 (UTC -3)
Revista Cultivar
Conhecida popularmente como lagarta falsa-medideira, devido ao seu deslocamento dobrando o corpo em movimentos do tipo “mede-palmo”, por muito tempo, essa praga foi referenciada cientificamente como Pseudoplusia includens e, posteriormente, reclassificada no gênero Chrysodeixis includens (Goater et al, 2003). Sua distribuição geográfica está limitada ao ocidente, ocorrendo entre o extremo Norte dos Estados Unidos ao Sul da América do Sul. Pode ser encontrada em diversas culturas como feijão, fumo, girassol, hortaliças, tomate, dentre outras. Todavia, no Brasil, é comum nas regiões produtoras de soja, simultânea ou mais tardiamente em relação às populações da lagarta-da-soja (Anticarsia gemmatalis), uma vez que o aumento do número de indivíduos está geralmente relacionado ao cultivo de algodão em localidades próximas.
Relativo ao ciclo de desenvolvimento na soja (Figura 1), a mariposa realiza posturas isoladas, com ovos globulares, medindo cerca de 0,5mm de diâmetro, de coloração creme-clara logo após a oviposição e marrom-clara próximo à eclosão das larvas. O desenvolvimento embrionário se completa em torno de três dias. As lagartas que eclodem são de coloração verde-clara, com listras longitudinais brancas e pontuações pretas, atingindo de 40mm a 45mm de comprimento em seu último estádio larval. Dentro de cada instar, enquanto se alimenta, a lagarta sofre uma perceptível mudança na coloração, de verde amarronzada clara, para verde-limão translúcida. A injúria na planta é caracterizada pela desfolha de aspecto “rendilhado”, em que as nervuras são preservadas. Após o último instar larval, se transforma em pupa que ocorre sob uma teia, em geral, na face abaxial das folhas. A coloração da pupa vai de amarelo-pálida a verde-clara no início do desenvolvimento, com pigmentação dorsal irregular até 48 horas antes da emergência do adulto com duração média de 7,4 dias. Com o passar dos dias, as pupas tornam-se mais escuras, posto que a coloração é afetada pelo tipo de dieta que a lagarta consumiu. Os adultos são mariposas com 35mm de envergadura de asas dispostas em forma inclinada. As anteriores são de coloração escura, com duas manchas prateadas brilhantes na parte central e as posteriores de coloração marrom.
Considerada praga secundária até o final da década de 1990, raramente exigia medida específica de controle, pois era naturalmente mantida em equilíbrio por epizootias. Assumiu importância agrícola no Brasil e status de praga-chave com o advento da doença ferrugem-asiática (Phakopsora pachyrhizi) na cultura da soja (2001/2002), visto o desequilíbrio do agroecossistema causado pelas aplicações sequenciais de fungicidas associadas ao uso de pesticidas não seletivos, os quais prejudicam a ação de controladores biológicos, como os fungos entomopatogênicos, predadores e parasitoides, respectivamente (Bueno et al, 2007). Adicionado a isso, há dificuldade de obter eficiência de aplicação, visto a lagarta surgir e posicionar-se com maior abrangência no terço médio das plantas em avançado estádio de desenvolvimento vegetativo. Contudo, a expressiva introdução de materiais geneticamente modificados suprimiu sua ação de desfolha na oleaginosa, eficazmente.
Contrariamente, o cultivo de híbridos de milho convencional tem se intensificado nos últimos anos devido ao custo de aquisição de sementes, bem como pela ineficácia de controle que algumas tecnologias transgênicas estão apresentando. Embora já relatada a presença da falsa-medideira na cultura do milho convencional, apenas como hospedeira (Endris, 1973), no Brasil, casualmente pode ser também observada em número não expressivo, tampouco, prejudicial ao cultivo do cereal. Entretanto, na safrinha de 2020, lagartas dessa espécie foram observadas em diferentes áreas cultivadas com um mesmo híbrido de milho convencional consorciado com Brachiaria ruziziensis no Sudoeste goiano. Mais precisamente, nos municípios de Caiapônia, Montividiu e Rio Verde em infestações jamais constatadas (20% a 30% das plantas com presença do inseto). Curioso foi o fato de se alimentarem do estilo-estigma, popularmente denominado de “cabelo da espiga de milho”, promovendo “roletamento” e corte total dessa estrutura (Figura 2AB).
Apesar disso, não foram encontradas lagartas perfurando a espiga ou mesmo se alimentando dos grãos. Mas, dependendo do estádio de desenvolvimento da planta, essa ação do inseto pode interferir no processo de polinização/fecundação, prejudicando a formação de grãos e, consequentemente, diminuindo a produtividade.
Um produtor rural, comum às localidades de cultivo mencionadas, praticou o manejo de pragas focado no controle da lagarta-do-cartucho do milho (Spodoptera frugiperda), por sua vez, a principal praga da cultura. Visto a pressão de infestação, realizou em intervalo médio de 12 dias aplicações terrestres de espinosina associada a triflumurom, lufenurom e baculovírus Spodoptera, sequencialmente, em taxa de 92L/ha. Por fim, metomil (via aérea), 10L/ha. Após essa última pulverização, percebeu a presença da lagarta falsa-medideira e observou que áreas de cultivo vicinais às instalações das propriedades e matas estavam mais infestadas pelo inseto, pelo fato de a aeronave não aplicar próximo a estes locais. Logo, presume-se que no restante das áreas houve controle dessa lagarta, porém não quantificado em termos de eficácia. Observou-se, também, que áreas vizinhas tratadas com aplicações consecutivas de benzoato de emamectina, embora com eficácia de controle inferior para S. frugiperda, não foram infestadas pela lagarta falsa-medideira, bem como áreas com híbridos transgênicos. Vale ressaltar que todas essas áreas foram cultivadas com soja Bt antecessora (safra verão) ao milho, dado que não foi detectada a presença da lagarta falsa-medideira. Ficou, portanto, a dúvida do produtor em relação ao híbrido implantado ou seu manejo quanto à questão de favorecer, coincidentemente, o surgimento da lagarta nos distintos locais de cultivo, pois não há informações consistentes sobre sua mobilidade nas condições tropicais, salvo que é considerada praga migratória no Hemisfério Norte (Harding, 1976).
Assim como na cultura da soja, o comportamento dessa lagarta no milho foi semelhante, pois surgiu em estádio de desenvolvimento avançado da cultura posicionando-se em local de difícil controle, comprometendo, assim, a eficiência da aplicação de inseticidas. Outro aspecto a ser analisado, com muito cuidado, é a possibilidade do consórcio com forrageiras influenciar na infestação da falsa-medideira, pois ambiente de cultivo diferenciado é constituído com adoção dessa técnica. No tocante a essa informação, atualmente, em algumas regiões do próprio Sudoeste do estado de Goiás, pecuaristas estão com dificuldades em reformar suas pastagens devido à infestação inicial de lagartas, principalmente do complexo Spodoptera sp., tanto em plantas do gênero Panicum sp., quanto Brachiaria sp.
A aplicação de produtos químicos constitui-se como a principal ferramenta de controle nas principais culturas como algodão, feijão e soja. Conjuntamente, há mais de uma centena de produtos indicados para o controle da lagarta falsa-medideira/Pseudoplusia includens/Chrysodeixis includens. Para a cultura do milho, entretanto, não há nenhum produto registrado nacionalmente. Não obstante, apenas a simples ideia de usar inseticidas para o controle de lagartas e outras pragas, em geral, não é o suficiente, em decorrência de várias falhas que podem ocorrer dentro de um sistema de cultivo. Outras ferramentas, como a tecnologia de aplicação, devem ser consideradas no intuito de otimizar o uso dos inseticidas, de forma a obter melhor eficácia de controle, evitando, assim, excesso de aplicações, resistência de pragas e contaminação ambiental. Para tanto, é preciso atenção a aspectos práticos como o tipo de ponta hidráulica a ser utilizado, a calibragem e a regulagem de equipamentos pulverizadores, a taxa de aplicação correta, o horário de aplicação, o uso de adjuvantes, entre outros.
Distintas formas de combater a falsa-medideira como o cultivo de materiais modificados geneticamente, assim como a liberação e a aplicação de controladores biológicos (predadores, parasitoides e micro-organismos), podem alcançar níveis de eficácia de controle satisfatórios. Os últimos, desde que utilizados harmoniosamente com outras ferramentas de manejo, como a aplicação de pesticidas seletivos.
Estudos relacionados à presença da falsa-medideira na cultura do milho convencional como nível de ação, dano econômico, tecnologia de aplicação, bem como a possível influência do consórcio com plantas de cobertura, inexistem. Havendo necessidade de controle, cabe aos setores agrícolas relacionados cooperarem com troca de informações de forma a auxiliar na descoberta de medidas práticas operativas, visto que em outras culturas agrícolas, essa lagarta constitui-se como praga extremamente agressiva, capaz de causar danos irreparáveis.
Ivan Brucelli, Furtunato Leão Cabral e Eduardo Lima do Carmo, Universidade de Rio Verde (UniRV) Luiz Fernando Ribeiro Júnior e João Vitor Alves de Sousa, Gapes/UniRV
Cultivar Grandes Culturas Maio 2020
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