Uso de mecanização agrícola em terrenos com grande declive

A simples distribuição de insumos, como calcário, pode ser um grande desafio quando aplicado em culturas como a bananeira em terrenos com grande declive

03.06.2020 | 20:59 (UTC -3)
Revista Cultivar

A bananicultura brasileira representa de 6% a 7% da produção mundial da fruta, com uma média (entre 2004 e 2017) de 5,92 milhões de toneladas em uma área aproximada 489,85 mil hectares cultivados, o que representa produtividade de 12,08t/ha. Segundo o IBGE/PAM (2017), a produção brasileira representa valor estimado superior a R$ 5,7 milhões, sendo que o estado de São Paulo é responsável por 14,6% e o Vale do Ribeira, o equivalente a 60% - 70% do valor gerado em território paulista.

A mão de obra manual é um dos fatores de produção de maior impacto econômico na cultura, em especial para o Vale do Ribeira, onde parte significativa da produção se encontra em áreas montanhosas. Disto decorre que os custos operacionais tendem a se elevar com a diminuição da disponibilidade deste tipo de trabalho e menor desempenho dos pretensos ofertantes. Marchetti (2014), estudando o perfil dos envolvidos na produção de bananas no Vale do Ribeira, especificamente em operações semimecanizadas ou mecanizadas, verificou que mais de 70% dos entrevistados possuíam mais de 40 anos de idade, com família constituída e baixo nível de escolaridade, ilustrando o quão necessária será a mecanização de algumas operações agrícolas nestas condições.

O protótipo de distribuidor tem capacidade para 600kg, dotado de sistema dosador do tipo janela na base, com espalhador tipo pendular acionado por cardan
O protótipo de distribuidor tem capacidade para 600kg, dotado de sistema dosador do tipo janela na base, com espalhador tipo pendular acionado por cardan

A distribuição de fertilizantes e corretivos se enquadra nas operações com elevada demanda de mão de obra manual, e está associada à necessidade de realizá-la de forma mais uniforme possível. Pensando neste fator, fabricantes de máquinas agrícolas têm desenvolvido equipamentos visando suprir esta lacuna no mercado de agricultura de montanha. A empresa Marcássio Indústria de Máquinas, fabricante de máquinas para este segmento, disponibilizou um protótipo distribuidor de fertilizantes e corretivos ao Laboratório de Máquinas e Mecanização Conservacionista – Lammec (Unesp de Registro) para testes de campo e experimentação com o equipamento em áreas características da região do Vale do Ribeira.

Neste contexto, realizou-se um trabalho com o objetivo de estudar a distribuição de insumos por um protótipo distribuidor de fertilizantes e corretivos acoplado a um microtrator, desenvolvido para áreas declivosas cultivadas com bananicultura, visando a otimização de mão de obra e melhoria da qualidade na operação. O experimento foi realizado em 2017 em uma área comercial de bananicultura, cultivada há 30 anos, na qual foram estabelecidas quatro glebas com classes de declividade crescentes. A área (0,9035ha) foi delimitada com GPS de navegação marca Garmin, modelo 60Cx, assim como as divisões das glebas.  Em toda a área foram distribuídos 53 pontos georreferenciados e espaçados irregularmente entre si, onde os coletores foram posicionados (Figura 2). O trajeto do conjunto distribuidor-microtrator-operador (CMM) durante a distribuição do corretivo foi rastreado com o mesmo GPS, após abertura de pequenos carreadores no sentido da declividade, distantes entre si em aproximadamente 10m para passagem do CMM.

Figura 1 - Área, produção e valores da produção de bananas no Brasil (IBGE/PAM, 2017)
Figura 1 - Área, produção e valores da produção de bananas no Brasil (IBGE/PAM, 2017)

O protótipo é um distribuidor de fertilizantes e corretivos constituído por um chassi tipo monobloco, sobre o qual é montado o reservatório hexagonal com capacidade para 600kg, dotado de sistema dosador do tipo janela na base, com variação da dose acionada manualmente por alavanca, delimitada por batente, espalhador tipo pendular e mecanismo distribuidor acionado por eixo cardan na rotação de 540rpm. O equipamento é acoplado ao microtrator por quatro parafusos e porcas, sendo o sistema de transmissão de potência ao eixo cardan, por polias e correias, bem como sistema de acionamento da tração do protótipo, constituindo-se, após o acoplamento, um conjunto articulado no ponto de engate entre máquina e fonte de potência.

O equipamento foi regulado para aplicação de 2t/ha de corretivo, com velocidade média de 4km/h e largura teórica de 10m. Foram coletadas as doses efetivas de calcário aplicadas em cada ponto, com auxílio de dois modelos de coletores (retangular de 535,15cm2 e circular de 652,96cm2), que foram transferidas para frascos de polietileno e pesadas em balança de precisão, sendo em seguida, transformados em dose aplicada (t/ha), expressa em toneladas por hectare.

A qualidade de cada operação foi avaliada utilizando-se metodologias de controle estatístico de processo (CEP), como recomendado por Montgomery (1997), bem como a distribuição espacial da deposição de insumos.

Declividade acentuada, característica das áreas ocupadas com bananicultura no Vale do Ribeira, com conjunto acoplado (microtrator e distribuidor de calcário), realizando o trajeto
Declividade acentuada, característica das áreas ocupadas com bananicultura no Vale do Ribeira, com conjunto acoplado (microtrator e distribuidor de calcário), realizando o trajeto

Os resultados obtidos no ensaio foram submetidos a análises estatísticas descritivas, visando verificar a normalidade dos dados (Pimentel Gomes & Garcia, 2002).

Como resultados do trabalho com a máquina, foram obtidos dados que são apresentados nas figuras abaixo. Como a proposta deste trabalho foi iniciar ações que permitam quebrar este paradigma, sem realizar elevada supressão de plantas para o trânsito da máquina, a orientação ao operador foi de seguir as marcações de fitas zebradas (distância de 10m entre as passadas) associada à busca pelos espaços mais favoráveis ao deslocamento do CMM, o que resultou no trajeto mostrado na Figura 3.

A rota desenvolvida pelo conjunto acoplado se mostrou irregular, sem o paralelismo das linhas distantes 10m entre si, como previsto no plano de trabalho. Em terrenos planos ou suavemente ondulados, este paralelismo é facilmente conseguido, uma vez que os bananais são conduzidos de forma a manter alinhamento. No caso do Vale do Ribeira isto não acontece, inviabilizando a mecanização, pois as áreas são de declivosas a muito declivosas, a maior parte possui mais de dez anos de implantação e a condução em linha praticamente inexiste.

Após a aplicação do corretivo na área, os coletores posicionados nos pontos georreferenciados (Figura 2) foram recolhidos, e o conteúdo pesado mostrou as doses de calcário aplicadas (t/ha) em cada ponto, apresentados nas Cartas Controle das Figuras 4 (Coletor circular) e 5 (Coletor retangular), construídas a partir dos parâmetros apresentados na Tabela 1.

Os dois coletores utilizados mostraram que a aplicação de calcário com o protótipo resultou em distribuição normal (Tabela 1), com valores de p > 0,10, indicando homogeneidade na distribuição do corretivo. 

As doses médias de calcário aplicadas, obtidas com os dois tipos de coletores ficaram próximas da dose estabelecida na regulagem do equipamento, de 2t/ha, sendo de 1,9814t/ha (RD) e 2,0230t/ha (RR). Ainda que haja a necessidade de repetições destes estudos comparando com coletores padronizados (ABNT, Asae S341.3), estes dados indicam que o protótipo testado nas condições de campo declivoso garantiu a distribuição da dose recomendada, o que pode ser um indicativo de que a máquina pode contribuir com a melhoria da qualidade na distribuição de corretivos.

Por outro lado, apesar da dose média ter sido próxima à dose recomendada, verifica-se nas Figuras 4 e 5 variação nas doses em cada ponto, ainda que estas tenham se mantido dentro dos limites de controle superior (LCS) e inferior (LCI). Analisando o comportamento das doses de calcário em cada ponto estudado, para ambos os coletores, há um comportamento cíclico de elevação e redução da dose entre o primeiro e último ponto da abcissa. Tomando como exemplo o ponto 33 (Figura 4), cujo valor foi maior, é possível que o não paralelismo do percurso tenha resultado em sobreposição (Figura 3), já que a máquina passou mais vezes próximo a ele, o mesmo acontecendo com o coletor RR (Figura 5), destacando-se neste os pontos 33, 46 e 49.

Figura 4 - Carta-controle obtida com coletores circulares (RD) para a operação de aplicação de calcário com um protótipo de distribuidor, acoplado a um microtrator em área declivosa de bananicultura no município de Registro, SP, em 2017. RD – coletor Circular; LCS – Limite de Controle Superior; LCI – Limite de Controle Inferior
Figura 4 - Carta-controle obtida com coletores circulares (RD) para a operação de aplicação de calcário com um protótipo de distribuidor, acoplado a um microtrator em área declivosa de bananicultura no município de Registro, SP, em 2017. RD – coletor Circular; LCS – Limite de Controle Superior; LCI – Limite de Controle Inferior

Figura 5 - Carta-controle obtida com coletores retangulares (RR) para a operação de aplicação de calcário com um protótipo de distribuidor, acoplado a um microtrator em área declivosa de bananicultura no município de Registro, SP, em 2017. RR – coletor Retangular; LCS – Limite de Controle Superior; LCI – Limite de Controle Inferior
Figura 5 - Carta-controle obtida com coletores retangulares (RR) para a operação de aplicação de calcário com um protótipo de distribuidor, acoplado a um microtrator em área declivosa de bananicultura no município de Registro, SP, em 2017. RR – coletor Retangular; LCS – Limite de Controle Superior; LCI – Limite de Controle Inferior

Figura 6 - Análise de correlação entre doses de calcário obtidas com coletores circulares (RD) e retangulares (RR) na operação de aplicação de calcário com um protótipo de distribuidor, acoplado a um microtrator em área declivosa de bananicultura no município de Registro, SP, em 2017
Figura 6 - Análise de correlação entre doses de calcário obtidas com coletores circulares (RD) e retangulares (RR) na operação de aplicação de calcário com um protótipo de distribuidor, acoplado a um microtrator em área declivosa de bananicultura no município de Registro, SP, em 2017

A análise de correlação entre os dados dos dois coletores utilizados também foi realizada e é apresentada na Figura 6. Nota-se que houve uma correlação polinomial significativa entre os dados dos dois coletores, com coeficiente de correlação de 0,3994.

É importante ressaltar que os estudos desta natureza são realizados em áreas planas, onde os coletores padronizados são colocados de forma nivelada e paralela à superfície (Reynaldo et al, 2016), coincidindo com uma linha paralela à do mecanismo espalhador da máquina. No caso do presente estudo, os coletores foram colocados na superfície do solo, uma superfície inclinada que forma um ângulo com o sistema de distribuição da máquina, estabelecendo, portanto, uma posição não paralela entre o coletor e o equipamento. Os coletores utilizados, embora não padronizados, apresentam bordas de 0,01m de altura, o que pode minimizar o efeito da inclinação do coletor durante a coleta dos dados, principal razão da opção por eles, neste experimento.

Outrossim, estudos adicionais deverão ser realizados acerca do assunto, visando estabelecer as melhores condições de adequação da área para a mecanização, estudos de desempenho operacional desta categoria de máquinas, além de estudos de adequação de metodologias para as avaliações em áreas com características peculiares como a utilizada neste trabalho. 

Com os dados obtidos nas condições em que o ensaio foi realizado, é possível apontar que o protótipo testado apresenta potencial de emprego na distribuição de corretivos em áreas declivosas de bananicultura, onde não há linha definida da cultura. Embora a declividade reduza a qualidade da operação, o equipamento mostrou-se preciso, já que as doses médias aplicadas foram próximas às definidas na recomendação.

Por se tratar de equipamento em fase de teste e comportamento operacional pouco conhecido do CMM, o ensaio propiciou anotar potenciais e necessidades de adequações no equipamento, na cultura cultivada em áreas com estas características e na tecnologia adotada. O planejamento de rotas em função do relevo é fundamental para o desempenho do conjunto e segurança do operador. É fundamental a continuidade do estudo, uma vez que a adequação do uso de máquinas em áreas de bananicultura de morro permitirá a melhoria da qualidade da correção e adubação da cultura, atualmente realizada manualmente nestas áreas.

É importante ressaltar que o paradigma de que áreas declivosas produtoras de banana não apresentam viabilidade para operações mecanizadas pode ser quebrado, desde que estudos de adequação sejam realizados, razão pela qual outros estudos devem ser conduzidos em condições semelhantes para subsidiar tomadas de decisão.

 

em

Lívia Ianhez Pereira e

João Paulo Dominici de Godoi,

Lammec/Unesp – Campus de Registro

Pesquisadores da Unesp avaliaram equipamento de distribuição de calcário no cultivo de bananeiras em terrenos montanhosos
Pesquisadores da Unesp avaliaram equipamento de distribuição de calcário no cultivo de bananeiras em terrenos montanhosos

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