A cultura da cana é a principal fonte de açúcar e a segunda maior fonte de biocombustíveis do mundo. O Brasil, maior produtor mundial desde a década de 1980, representa metade da produção mundial, enquanto que ao mesmo tempo o etanol e a biomassa correspondem a mais de 15% da fonte de energia do país. “Contudo, o rendimento comercial da cana brasileira atingiu um limiar de cerca de 75 t ha-1 e para atender à crescente demanda de açúcar e etanol, a cultura expandiu-se fortemente para a região centro-oeste, onde a resposta da cultura é incerta aumentando os riscos de quebra de safra”, avalia o engenheiro ambiental Murilo dos Santos Vianna.
Vianna é autor de um estudo desenvolvido no Programa de Pós-graduação em Engenharia de Sistemas Agrícolas, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (USP/Esalq), que tem como objetivo desenvolver, calibrar e avaliar diferentes abordagens de modelagem de culturas para os sistemas brasileiros de produção de cana-de-açúcar. “Para apoiar a tomada de decisão e avanço científico sobre onde e como a cultura deve se expandir ou aumentar a produtividade, é necessária uma visão heurística do sistema agrícola brasileiro que pode ser traduzida matematicamente para um modelo de cultura”.
Assim, explica o pesquisador, os efeitos da variabilidade climática, tipo de genótipo, características do solo e manejo são avaliados quantitativamente por meio de modelos de culturas baseados em processos (MBP). De forma geral esse tipo modelagem é útil para (i) integração do conhecimento (calculos que excedem a capacidade do cerebro humano); (ii) testar hipoteses sobre um processo agrícola quantitativamente; (iii) extrapolação dos efeitos do sistema fora das condições experimentais; (iv) revelação de “gaps” no conhecimento e direcionar pesquisas e; (v) dar suporte à tomada de decisão voltada a otimização de insumos agrícolas, operações e planejamento.
“No entanto, em contraste a outras culturas, a cana-de-açúcar possui apenas dois MBPs disponíveis para usuários finais (DSSAT-CANEGRO e APSIM-Sugar) que requerem calibração e parametrização para melhor representar o sistema agrícola de cana-de-açúcar do Brasil”.
Com a proposta de apresentar uma nova ferramenta de tomada de decisão para o setor público e privado e auxiliar no manejo da água, e avaliação dos impactos nas mudanças climáticas, a pesquisa desenvolveu nova versão do modelo baseado em processo de cana-de-açúcar (SAMUCA) para operar a nível de fitômeros, incluindo os efeitos no crescimento e desenvolvimento da cana com base na cobertura da palha no solo, competição por luz no processo de perfilhamento e acumulo de sacarose com base nas relações fonte-dreno.
“O modelo SAMUCA foi incorporado em uma plataforma modular desenvolvida para simular o sistema solo-planta-atmosfera e manejo do sistema agrícola”, complementa.
A versão anterior do SAMUCA também foi reestruturada e acoplada à plataforma agro-hidrológica SWAP (“Soil, Water, Atmosphere and Plant”), focando nas relações hídricas do solo com o crescimento das culturas. Além disso, conta Murilo, “um Modelo Funcional-Estrutural de Plantas (MFEP) para a cana-de-açúcar foi desenvolvido integrando os principais componentes da cultura a nível de órgãos (fitômeros) com base em uma abordagem de fonte-dreno e um modelo robusto de radiação introduzidos em uma plataforma de modelagem tridimensional (GroIMP)”.
Os resultados revelam que o desempenho da nova versão do modelo SAMUCA em experimento de longo prazo e em diferentes condições brasileiras foi satisfatório e os índices de concordância foram próximos de outros modelos de cana-de-açúcar amplamente utilizados (CANEGRO e APSIM-Sugar). “Além disso, a plataforma de simulação de culturas modulada pode ser usada para hospedar mais modelos de culturas e integrar novas características do sistema de cultivo brasileiro”.
Finalmente, o autor do trabalho destaca que a estrutura do MFEP da cana-de-açúcar também pode ser usada no apoio à pesquisa focando os mecanismos de acúmulo de sacarose e translocação de açucares bem como em estudos de consórcio em cana-de-açúcar, como tem sido feito com sucesso para outras culturas nos últimos anos.
Este trabalho tem orientação do professor Fábio Marin, do departamento de Engenharia de Biossistemas e foi realizado por meio de cooperação entre a Esalq e a Universidade de Wageningen (Holanda). Também foi agraciado como segundo melhor trabalho na área de modelagem no Congresso Internacional da American Society Of Agronomy, Crop Science Society of Agronomy and Soil Science Society of America (ASA-CSSA-SSSA), realizado em Tampa (Florida) de 22 a 25 de outubro de 2017.