Pesquisa ESALQ destaca a relação entre a floresta e os primatas

04.08.2009 | 20:59 (UTC -3)

A atual ameaça à vida silvestre e o precário conhecimento da fauna amazônica, serviram de estímulo para que um pesquisador estudasse comparativamente duas comunidades de primatas e refletisse sobre os processos ecológicos que mais contribuem para garantir a sobrevivência desses animais e plantas.

O estudo, realizado na região de maior biodiversidade do planeta, comparou a densidade populacional de primatas com a finalidade de criar uma linha de base para estudos, diante das ameaças que pairam sobre a Amazônia.

As pessoas do senso comum repetem os equívocos dos primeiros exploradores europeus quanto ao número de animais visíveis na Amazônia. Induzidas no passado pela grandeza do próprio bioma e incertezas do que existia além de matas ciliares, pressupõem a existência de grandes concentrações de animais selvagens nesse complexo de ecossistemas, semelhantes às encontradas nas planícies africanas ou no pantanal mato-grossense. No entanto, reza a lenda que a Amazônia é ciumenta com seus bichos. “Vê-los exige sacrifício e paciência do pesquisador”. Assim se expressa o ecólogo Pérsio Scavone de Andrade, mestre em Psicologia Experimental e autor da tese “Estudos populacionais dos primatas em duas florestas nacionais do oeste do Pará, Brasil”, defendida na Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (USP/ESALQ), em 2007, programa Recursos Florestais, com opção em Conservação de Ecossistemas Florestais, sob orientação do professor Hilton Thadeu Zarate do Couto, do departamento de Ciências Florestais (LCF).

A hipótese de trabalho de que as comunidades de primatas dentro de um mesmo bioma (Floresta Amazônica de Terra Firme), submetidas a um mesmo regime de conservação (Florestas Nacionais - Flonas), dentro de uma mesma região (oeste do Pará) e distantes entre si apenas 240 km (em linha reta), apresentavam comunidades de primatas semelhantes (em termos populacionais) foi rejeitada. “Quando a estrutura das comunidades simpátricas dos primatas (macacos que coexistem numa mesma área) das Flonas do Tapajós (rio Tapajós) e de Saracá-Taquera (rio Trombetas) foi comparada, elas se mostraram, surpreendentemente, bem discrepantes”, afirma o pesquisador.

Para reunir detecções sobre os primatas que permitissem um vigoroso tratamento estatístico, Andrade andou 1.600 km, ou seja, 800 km na Flona de Tapajós e mais 800 km na de Saracá-Taquera, o que aconteceu num período de 17 meses, entre 2005 e 2006. “Os 397 grupos de primatas foram desigualmente distribuídos. Observei 130 bandos no Tapajós e 267 em Saracá-Taquera, ou seja, um grupo detectado a cada 6 km de caminhada no Tapajós contra 1 grupo detectado a cada 3 km no Trombetas. Assim, a hipótese inicial foi rejeitada em favor da hipótese alternativa de que as comunidades diferem entre si”, explica.

O fato de ter que acordar às cinco da manhã e percorrer cerca de 20 quilômetros por dia, não era nenhum sacrifício para o estudioso que já havia feito pesquisa no mesmo local. “Eu gosto de estudar floresta primária, de estar dentro de floresta intacta, na matriz e não em fragmentos florestais. Já existem muitos pesquisadores trabalhando em fragmentos, então é necessário que outros trabalhem na matriz, porque o que acontece no fragmento depende do tamanho, da integridade ambiental e da distância da matriz mais próxima. Quanto maior o índice de primitividade é melhor para mim, porque mais natural será o comportamento dos primatas”, ressalta o autor da tese.

Andrade registra, ainda, que cada estrato florestal proporciona oportunidades diferentes para os primatas, considerando que uma comunidade não é um conjunto aleatório de espécies que vai chegando e preenchendo nichos disponíveis. Ela é composta por espécies que interagem entre si e a chegada e estabelecimento de uma nova espécie na comunidade dependem não só dos nichos desocupados, mas também da habilidade da espécie ou população em saber competir e/ou coexistir com as espécies já estabelecidas e de sua capacidade de se adaptar ao novo, heterogêneo e mutável ambiente das florestas tropicais.

Entre os vários testes paramétricos utilizados, os testes de Tukey foram reveladores. Quando a altura preferencial dos primatas foi analisada por meio dessa ferramenta, revelou-se que os macacos mais pesados ocuparam os estratos superiores, onde os grossos galhos podem suportar seu peso e onde estão os maiores frutos. Por outro lado, os primatas mais leves ocuparam os estratos inferiores, onde seus alimentos preferidos são mais abundantes (insetos), exsudados e frutos menores. A evolução moldou o comportamento dos sagüis para ocuparem estes estratos, pois na copa emergente eles são presas fáceis de seus principais predadores (aves de rapina) e não suportam a competição com os primatas maiores. Por sua vez, os primatas maiores não são muito eficientes nos estratos inferiores. Eles não possuem a agilidade típica dos sagüis para capturarem presas vivas, nem podem contar com um substrato que lhes dê segurança. Assim, parece que a máxima popular é verdadeira: cada macaco no seu galho, ou seja, o estudo comprovou uma separação de nicho clara dentro das duas comunidades de primatas estudadas.

Na Floresta Nacional do Tapajós, o pesquisador estudou os primatas Cebus apella (macaco-prego), Chiropotes albinasus (cuxiu-de-nariz-vermelho), Alouatta discolor (guariba-preto-de-mãos-ruivas), Ateles marginatus (macaco-aranha-de-testa-branca) e Mico argentatus (sagui-branco), e na Floresta Nacional de Saracá-Taquera, a comunidade de primatas foi composta pelas espécies Cebus apella (macaco-prego), Chiropotes satanas (cuxiu-preto), Alouatta seniculus (guariba-vermelho), Ateles paniscus (macaco-aranha-preto) e Saguinus martinsi (sagui-martinsi).

Paralelo ao estudo populacional dos primatas, Andrade analizou a diversidade arbórea das áreas estudadas. Das 200 árvores amostradas em cada uma das Flonas, a de Saracá-Taquera apresentou 92 espécies diferentes, contra 74 da Flona do Tapajós. A cobertura do dossel também foi maior na região do Rio Trombetas quando comparado com a do Rio Tapajós (96% na Floresta Nacional de Saracá-Taquera contra 88% na Floresta Nacional de Tapajós). “Estes dois índices reforçam-se mutuamente e sua interpretação sugere que a Floresta Nacional de Tapajós vem sofrendo maiores perturbações do que a Floresta Nacional de Saracá-Taquera. Entre as principais ameaças destacam-se a enorme pressão antrópica do entorno da Flona do Tapajós (trabalhadores remanescentes da abertura da BR-163, Cuibá-Santarém), sem contar no grande número de residentes (10.500) dentro da unidade”, conclui o pesquisador.

Todo esse volume de informações foi trabalhado no programa computacional SAS, no Laboratório de Métodos Quantitativos (LMQ), da ESALQ, administrado pelo professor João Luiz Batista Ferreira (LCF) e pelo doutorando Jéferson Polizel, os quais cederam os equipamentos de última geração a Andrade, para que ele realizasse a coleta de dados no campo.

Depois de analisar os dados da tese de doutorado, o próximo desafio do doutor em Recursos Florestais é voltar à Flona de Saracá-Taquera para aprofundar seus estudos de botânica e correlacioná-los com a dieta dos primatas, durante seu projeto de pós-doutorado, intitulado “Estudo comparativo da produtividade de frutos e da densidade populacional dos primatas entre dois trechos de floresta ombrófila densa: Mata Atlântica (Ilha do Cardoso, SP) e Amazônia (Floresta Nacional de Saracá-Taquera, PA). Andrade, que vem atuando na primatologia de campo desde sua graduação, será supervisionado em seu pós-doutorado pelo professor Vinicius Castro Souza, do departamento de Ciências Biológicas (LCB) da ESALQ, especialista em levantamentos taxonômicos em projetos florísticos abrangentes.

O pesquisador estima que ao final do projeto de pós-doutorado, estarão disponíveis dados que ajudarão a entender melhor a relação entre a fauna de primatas e a disponibilidade de frutos em florestas tropicais, o que pode fornecer subsídios para a conservação e recuperação das florestas. Ainda será gerado um banco de fotos de frutos de árvores de florestas tropicais, além de dados sobre vegetação e primatofauna das áreas a serem estudadas.

Alicia Nascimento Aguiar

Esalq

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