No Amazonas, tecnologias ampliam cultivos de guaraná, seringueira e dendê
Bioeconomia se destaca como novo campo da pesquisa agropecuária no bioma; descoberta de microrganismos acelera perspectiva de uso na produção de novos bioinsumos
31.05.2023 | 14:45 (UTC -3)
Embrapa
Guaraná, seringueira, dendê, piscicultura, fruticultura e culturas alimentares são alguns dos temas trabalhados pela Embrapa no Amazonas e para os quais vêm sendo geradas soluções tecnológicas para a agricultura na região amazônica e em outras regiões do Brasil.
O guaraná movimenta economicamente toda uma região, gerando renda para as comunidades. O grande salto no cultivo do guaranazeiro se deu recentemente com o avanço das pesquisas realizadas pela Embrapa no bioma Amazônico: o lançamento da cultivar para plantio por sementes, em 2021: a BRS-Noçoquem, que representa menor custo na produção de mudas e se torna mais acessível aos produtores, permitindo a estabilização das características genéticas da planta.
Em 2018, o guaraná de Maués recebeu o selo de Indicação Geográfica, agregando mais valor ao produto. A Embrapa Amazônia Ocidental, que mantém um campo experimental para o desenvolvimento de pesquisas com guaraná no município, foi uma das instituições que contribuíram nesse processo, junto com o Sebrae e a prefeitura municipal.
Pesquisas recentes sobre a presença de substâncias responsáveis por efeitos energéticos e antioxidantes em genótipos de plantas de guaraná revela que esse conhecimento permitirá, futuramente, lançar cultivares de guaranazeiros com capacidade de produzir frutos com menores ou maiores teores de substâncias funcionais, de acordo com o interesse, ampliando o potencial de uso do guaraná em indústrias como a cosmética e a farmacêutica.
A Bioeconomia na Amazônia é outro investimento da ciência que no futuro próximo irá gerar resultados. Neste trabalho do centro de pesquisa, destaca-se a prospecção de microrganismos com potencial biotecnológico e a interação multidisciplinar com áreas da microbiologia, química e genômica. Recentemente foram identificados microrganismos amazônicos com potencial para o desenvolvimento de bioinsumos, para o controle de patógenos de interesse agrícola, para promoção de crescimento de plantas, além de outras aplicações em atividades industriais e inclusive para fins de uso na medicina.
Os microrganismos, encontrados em plantas ou em sedimentos de rios, revelam um imenso potencial que requer maior investimento em ciência e tecnologia e ampliação de parcerias, para a aplicação desses resultados na realização das soluções promissoras que se vislumbram.
Uma história que começou em 1974
Ao longo de quase 50 anos, a ciência agronômica gerada pela Embrapa no Amazonas ajudou a enfrentar doenças em diversos cultivos agrícolas,permitiu aumento de produção por área, evitando desmatamentos, e diversas tecnologias possibilitam geração de renda no meio rural entre outros benefícios sociais, econômicos e ambientais. Dentre os primeiros desafios estava produzir conhecimentos para viabilizar cultivos de espécies amazônicas, como guaraná e seringueira, que tinham demanda agroindustrial e enfrentavam problemas principalmente relacionados a doenças. Outro desafio era melhorar a produtividade de cultivos importantes para a segurança alimentar na região, como mandioca e feijão-caupi, entre outros.
Um ano após ser criada nacionalmente a Embrapa foi estabelecida no estado do Amazonas, a partir de 1974. a Unidade de Execução de Pesquisa de Âmbito Estadual (Uepae-Manaus), que passou a realizar estudos com guaraná, pecuária e culturas alimentares prioritárias na região. Paralelamente, foi criado o Centro Nacional de Pesquisa em Seringueira, voltado para esta espécie nativa da região, fundamental para a oferta de látex como matéria prima para diversos produtos principalmente para a indústria de pneus. A partir do trabalho do Centro de Seringueira, foram estabelecidos estudos agronômicos que deram base mais tarde à expansão da heveicultura no Brasil.
Em 1980, o centro recebeu novas atribuições e passou a atuar como Centro Nacional de Pesquisa em Seringueira e Dendê. Foram realizados estudos para a cultura do dendê e se estabeleceu condições para produção nacional de sementes de palma de óleo com alto desempenho produtivo, além de estudos nas áreas de nutrição mineral, fitossanidade e práticas de cultivo, tanto no Amazonas como no Pará.
Em 1989, nova reformulação institucional fez a fusão das unidades anteriores, e criou-se o Centro de Pesquisa Agroflorestal da Amazônia Ocidental. Então a atuação do centro de pesquisa diversificou-se com seringueira, dendê, cultivos alimentares como mandioca, milho e feijão-caupi, fruteiras nativas como o cupuaçu,sistemas agroflorestais, manejo florestal madeireiro e não madeireiro, silvicultura, citricultura, bananicultura, olericultura,piscicultura, alternativas para tornar pecuária mais sustentável e recuperação de áreas degradadas para incorporá-las a processos produtivos.“Nós incorporamos uma série de cadeias produtivas que, se por um lado nós perdemos o foco específico, nós ganhamos oportunidades com essas cadeias e entregamos muito mais resultados para a sociedade”, afirma o chefe-geral da Embrapa Amazônia Ocidental, Everton Rabelo Cordeiro, que ingressou nessa unidade em 2010, e assumiu as pesquisas com seringueira.
Temas que vem desde a criação da Embrapa permaneceram e se incorporaram novas demandas. A seringueira por exemplo. “Podemos dizer que toda a fundamentação da base da produção da seringueira hoje no Brasil se dá a partir do que foi desenvolvido com pesquisas aqui no Amazonas”, destaca Cordeiro. E um dos grandes desafios, que começou a ser trabalhado nos anos 70 e passou para as décadas seguintes, foi enfrentar o Mal das Folhas da seringueira, uma doença fúngica considerada um dos principais problemas enfrentados no cultivo de seringueira em regiões quentes e úmidas da América do Sul e historicamente um dos principais obstáculos para a heveicultura na Amazônia. Foram necessários aproximadamente quarenta anos de estudos, mas se conseguiu chegar a uma solução. A tecnologia disponibilizada pela Embrapa para esse problema é chamada de Seringueira Tricomposta, que consiste em uma combinação de enxertias de clones, que permite obter árvores produtivas e resistentes. Isso é possível graças ao conhecimento gerado sobre a diversidade genética de seringueiras na Amazônia, pois foram feitos cruzamentos entre seringueiras de diferentes espécies que ocorrem na região.
O longo tempo está relacionado ao desenvolvimento da seringueira que entra na fase de produção de látex após 6 a 7 anos, e as diversas etapas de pesquisa que envolveram testescom os cruzamentos entre espécies, condução de plantios para as avaliações até a seleção das plantas compatíveis e com melhor desempenho.
Justamente para amenizar a espera pelo tempo de produção de látex, uma alternativa que vem sendo trabalhada mais recentemente são experimentos de cultivos de seringueira em consórcio com espécies perenes (cacau, guaraná, tucumã, banana e gliricídia) e de ciclo curto (milho-verde e de feijão-caupi), trabalho coordenado atualmente por Cordeiro.
Em relação ao cultivo de dendezeiro, a Embrapa Amazônia Ocidental continuou essa linha de pesquisas e contribuiu para a produção de palma de óleo adaptada às condições de cultivo no Brasil. Destacam-se entre as tecnologias lançadas cultivares de dendezeiro do tipo Tenera recomendadas para plantio em região tropical úmida, e o primeiro híbrido interespecífico produzido comercialmente no Brasil, o BRS Manicoré, recomendado para áreas de incidência do amarelecimento fatal (AF), além de sistema de manejo de consórcio do dendezeiro com culturas alimentares para geração de renda na fase pré-produtiva da palma de óleo.
Também em outros temas passou a gerar resultados de referência nacional ou regional. Por exemplo, na piscicultura o centro de pesquisa contribuiu em tecnologias para criação de tambaqui, principal espécie nativa cultivada no País. Em âmbito regional, conseguiu a redução no ciclo de produção desse peixe e maiores índices de produtividade com sistema intensivo que triplicou a produção por hectare.
Estudos continuam sobre nutrição, sanidade, reprodução, tendo como objetivo contribuir para maior sustentabilidade na piscicultura na região amazônica. Em relação à produção vegetal, as pesquisas contribuíram com diagnóstico e prevenção de doenças da bananeira e alternativas para viabilizar produção, assim como avaliou e disponibilizou materiais de alta produtividade para cultivos de milho, mandioca, feijão-caupi, banana, entre outros resultados. Atualmente a atuação da pesquisa da Embrapa no Amazonas é agrupada em temas prioritários que incluem fruticultura, olericultura, culturas agroindustriais, piscicultura, uso e conservação da biodiversidade e sistemas integrados de produção.
Do aumento de produtividade às características funcionais do guaranazeiro
A Embrapa Amazônia Ocidental é pioneira em desenvolver tecnologias para cultivo do guaraná. O agrônomo Firmino do Nascimento Filho, que atua na empresa há 39 anos, conta que os primeiros trabalhos com a planta foram relacionados a fitotecnia, espaçamento e adubação, mas o maior desafio foi enfrentar a doença Antracnose, causada pelo fungo Colletotrichum guaranicola, que estava reduzindo a produção dos guaranazais na terra de origem dessa planta, em Maués (AM).
Na década de 70, esse problema tornava os cultivos inviáveis e desestimulava agricultores. Pesquisadores e técnicos identificaram plantas com potencial de resistência,elaboraram método de propagação vegetativa e outros protocolos, além de diversosestudos agronômicoscom o guaranazeiro. “O objetivo principal era assegurar produtividade e resistência e nós logramos êxito”, afirma Firmino Filho. Como resultado do programa de melhoramento genético do guaranazeiro,vieram os lançamentos de cultivares que permitem alta produtividade e trazem resistência genética às principais doenças.
Entre 1999 e 2013 foram lançadas 18 cultivares clonais, baseadas na reprodução por estaquia e mais recentemente a BRS Noçoquem. O conhecimento agronômico em torno do cultivo do guaranazeiro, como a produção de mudas, orientações de manejo e tratos culturais, além de boas práticas de colheita e pós-colheita, norteiam o cultivo dessa planta no Amazonas e em outros estados.
O coordenador do programa de melhoramento genético do guaranazeiro, agrônomo André Atroch, destaca a importância estratégica de investir em estudos nessa planta que tem grande potencial de uso na saúde humana, em razão de seus compostos bioativos. Assim, nos últimos anos a Embrapa passou a realizar estudos sobre a diversidade genética com olhar também sobre as propriedades funcionais. Atroch tem coordenado pesquisas sobre a presença de substâncias responsáveis por efeitos energéticos e antioxidantes em genótipos de plantas de guaraná e revela que esse conhecimento permitirá, futuramente, lançar cultivares de guaranazeiros com capacidade de produzir frutos com menores ou maiores teores de substâncias funcionais, de acordo com o interesse, ampliando o potencial de uso do guaraná em indústrias como a cosmética e a farmacêutica.
Microrganismos com potencial biotecnológico
Atualmente novos horizontes de atuação da Embrapa Amazônia Ocidental se abrem com a biotecnologia e prospecção de microrganismos e bioativos naturais presentes no ambiente amazônico. Um dos destaques tem sido a linha de pesquisa, coordenada pelo biólogo Gilvan Ferreira da Silva, relacionada à prospecção de microrganismos com potencial biotecnológico e a interação multidisciplinar com áreas da microbiologia, química e genômica.
Nesse trabalho foram identificados microrganismos amazônicos com potencial para o desenvolvimento de bioinsumos, para o controle de patógenos de interesse agrícola, para promoção de crescimento de plantas, além de outras aplicações em atividades industriais e inclusive para fins de uso na medicina. Os microrganismos, encontrados em plantas ou em sedimentos de rios, revelam um imenso potencial que requer maiorinvestimento em ciência e tecnologia e ampliação de parcerias, para a aplicação desses resultados na realização das soluções promissoras que se vislumbram. “Nós nos deparamos como uma infinidade de novas informações e aí temos que recorrer a parcerias em novas áreas de conhecimento e novos parceiros tecnológicos para chegar a produtos finais que possam ser usados pela sociedade”, observa Cordeiro.
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