Mercosul discute impactos do Acordo com UE na agricultura familiar

Discussão ocorre durante a 31ª Reunião Especializada em Agricultura Familiar do Mercosul, que está sendo realizada em Chapecó (SC)

31.10.2019 | 20:59 (UTC -3)
MAPA

Os participantes da 31ª Reunião Especializada em Agricultura Familiar do Mercosul (REAF) debateram nesta quinta-feira (31) como o acordo firmado entre o bloco sul americano e a União Europeia pode afetar os agricultores familiares do ponto de vista econômico, comercial e social. A REAF está sendo realizada em Chapecó (SC), sob coordenação da Secretaria de Agricultura Familiar e Cooperativismo do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).

Participam do evento mais de 80 convidados de entidades públicas, privadas e cooperativas vinculadas à agricultura familiar da Argentina, Paraguai, Uruguai, Chile, Colômbia, Peru e Bolívia. 

Os negociadores dos 4 países membros do Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) que participaram das articulações com a União Europeia apresentaram os principais pontos de alguns capítulos do Acordo que afetam diretamente o setor da agricultura familiar.

O secretário de Agricultura Familiar e Cooperativismo do Mapa, Fernando Schwanke, destacou que a discussão sobre o acordo é muito frutífera para os gestores públicos e organizações da agricultura familiar de todos os países da região.

“Precisamos conhecer este tema e nos preparar para o que vem pela frente, em todos os aspectos, positivos e negativos. Podemos utilizar as questões positivas em nosso favor e nos precaver para as situações que porventura sejam negativas para os nossos agricultores”, comentou Schwanke.

Desafios e oportunidades

Entre os temas destacados pelos negociadores estão a política de cooperação, as questões sanitárias e fitossanitárias, a propriedade intelectual, os recursos genéticos, os conhecimentos tradicionais e a transferência de tecnologia.

O representante do Brasil, Gustavo Cupertino Domingues, que integra a Secretaria de Comércio e Relações Internacionais do Mapa, expôs o panorama das trocas comerciais no mundo e a participação dos produtos brasileiros e europeus no comércio mundial. Cupertino ressaltou que todos os produtos considerados sensíveis pelo mercado brasileiro foram excluídos do acordo, como trigo, cogumelos, produtos derivados da uva, da aquicultura, laticínios e outros. Entre as oportunidades que se abrem para o Brasil estão os setores de pescado, café solúvel, tabaco, vinhos e, principalmente, das frutas, que terão livre comércio na Europa nos próximos dez anos.

Considerando os produtos importantes para a agricultura familiar que receberam cotas sem tarifas, Cupertino citou arroz, milho, mel, ovos, queijos, leite em pó, alho e carnes. Alguns produtos brasileiros receberão tratamento misto, como suco de laranja, cachaça e chocolates, setor que motivou muitas discussões durante as negociações. 

O representante brasileiro reiterou que o acordo é muito grande, pode vigorar parcialmente e que apresenta muito mais oportunidades do que desvantagens, pois os potenciais riscos podem ser controlados por mecanismos como o de salvaguarda e as regras de origem. 

Para Valeria Csukasi, negociadora do Ministério de Relações Exteriores do Uruguai, entender o acordo é uma tarefa que pode levar anos e depende da interpretação de cada setor. Valeria destacou que a Reaf tem um papel fundamental neste processo de análise e de institucionalização do trabalho de avaliação do impacto do acordo para a agricultura familiar.Ela destacou que o acordo apresenta flexibilidade para que os parlamentos de cada país decidam em seu próprio tempo sobre as vantagens e desvantagens dos princípios estabelecidos na proposta.

Segundo Valeria, da parte do Mercosul, há uma brecha de 8% de comércio não liberalizado, incluindo alguns produtos considerados sensíveis, como o trigo, arroz, lácteos e carnes. Ela lembrou que há a possibilidade de redução de preço de entrada de produtos cítricos na União Europeia. Valeria concluiu reiterando que o Acordo Mercosul-União Europeia deve ser visto como uma oportunidade de abertura de novos espaços para a agricultura familiar e como porta de entrada para outras negociações.

A representante do Ministério da Agricultura e Pecuária do Paraguai, Maria del Carmen Lopes, enfatizou que os governos reconhecem a necessidade de aplicar as medidas para garantir a sanidade dos alimentos e a proteção sanitária e fitossanitária, mas ressaltou que as normas não devem ocasionar obstáculos desnecessários e injustificados e devem seguir os princípios da Organização Mundial de Comércio (OMC) de comprovação científica, transparência, avaliação de risco, regionalização, entre outros.

A negociadora argentina destacou que há alguns desafios com relação aos temas de bem-estar animal, biotecnologia, entre outros. Contudo, ponderou que em nível geral o acordo estabelece um contato estratégico e permanente com a União Europeia e garante de forma positiva um tempo razoável de transição. Para Carmen, o acordo também pode promover desenvolvimento econômico, reduzir ou eliminar restrições, simplificar procedimentos, melhorar as condições de acesso a bens e serviços e favorecer a integração regional.

O tema da propriedade intelectual e indicações geográficas foi apresentado pela representante do Ministério da Agricultura, Pecuária e Pesca da Argentina, Roxana Carmen Blasetti. Ela também expôs as oportunidades em torno da questão dos conhecimentos tradicionais, transferência de tecnologia com prioridade para a agricultura familiar e propôs a criação de um sistema regional de registro de instrumentos de valor agregado para reconhecimento e proteção dos produtos em nível regional.

Organizações sociais como a Coprafam (Confederación de Organizaciones de Productores Familiares del Mercosur Ampliado) e a OCB (Organização das Cooperativas do Brasil) também expuseram suas percepções sobre o acordo. Para os representantes da sociedade civil, é necessário aumentar a resiliência dos setores que podem ser afetados de forma negativa pelo acordo e fortalecer as cadeias produtivas que podem ingressar o mercado internacional.

Para o Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA), representado na Reaf por Carlos Mermot, entre os pontos favoráveis do acordo estão a permanência das compras públicas para produtos da agricultura familiar, a disposição de compromissos ambientais e trabalhistas; o reconhecimento das indicações de origem e a abertura da possibilidade de iniciar a autocertificação de origem. Mernot também destacou entre os tópicos considerados vantajosos os mecanismos listados no acordo para facilitar a participação de pequenos e médios produtores no comércio internacional; e o de solução de controvérsias por meio do qual as partes se comprometem a manter uma instância de conciliação. Entre os pontos considerados sensíveis, foi destacada produção de laticínios e derivados.

A organização propõe que todos os países do Mercosul formulem políticas públicas para compensar a proteção do setor rural e da agroindústria na União Europeia, além da Institucionalização de escopos para garantir o acompanhamento do processo de entrada em vigência do acordo e priorização da agenda regional.

REAF 2019

A Reaf 2019 ocorre até a próxima sexta-feira (1) em Chapecó (SC). Criada em 2004, a Reaf é um ponto de encontro para o diálogo participativo entre agricultores familiares, organizações, instituições rurais, academia e governos, com o objetivo de pensar em políticas públicas específicas para pequenos agricultores da região. 

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