Manejo do nematoide-das-lesões em sucessão soja-milho

A sucessão soja-milho resultou no aumento da incidência do nematoide-das-lesões e em dificuldades de manejo que precisam ser dribladas pelo produtor

04.06.2020 | 20:59 (UTC -3)
Mário Inomoto, Mariana Mailkut dos Santos, Esalq/USP

A sucessão soja-milho é extremamente popular e aceita no Brasil por possibilitar duas safras com culturas de fácil comercialização. Infelizmente, porém, essa prática causou um grave efeito colateral com o aumento da incidência do nematoide-das-lesões Pratylenchus brachyurus.

Em 2003, essa situação culminou com as primeiras perdas provocadas pelo nematoide em soja registradas no Brasil. As perdas evoluíram em espiral crescente desde então, motivando a adoção de medidas de controle muitas vezes drásticas, como a substituição do milho por Crotalaria spectabilis, C. ochroleuca ou milheto. Pela relevância do milho para a renda do produtor, houve grande e compreensível relutância dos agricultores em abrir mão do milho na segunda safra. Em áreas em que as perdas causadas por P. brachyurus são pequenas ou moderadas, ainda é possível manter o milho, valendo-se de outros métodos de controle, como os nematicidas sintéticos e os biológicos. Ainda existe a alternativa do consórcio milho/C. spectabilis.

Figura 1 - Consórcio milho/Crotalaria spectabilis
Figura 1 - Consórcio milho/Crotalaria spectabilis

Figura 2 - Produção de soja em solo com Pratylenchus brachyurus, após milhos resistentes (IAC-367 e IAC-268) e milhos suscetíveis (IAC-9012 e IAC-427)
Figura 2 - Produção de soja em solo com Pratylenchus brachyurus, após milhos resistentes (IAC-367 e IAC-268) e milhos suscetíveis (IAC-9012 e IAC-427)

Durante muito tempo, principalmente nos anos imediatamente após 2003, houve grande investimento em pesquisas para testar híbridos e cultivares de milho, em busca de algum(a) que fosse resistente a P. brachyurus. Em consequência desses esforços, já se sabe que existem milhos resistentes a P. brachyurus, mas sempre com resistência moderada. Como exemplo, observam-se os resultados apresentados na Tabela 1. Nesse experimento, duas variáveis de reprodução foram avaliadas: FR (fator de reprodução), que é a razão entre a Pf (população final) e a Pi (população inicial), e estima a variação populacional do nematoide no período experimental; e Nem/g, que é razão entre a Pf e a massa de raízes, e estima a densidade de nematoides presentes por unidade de massa.

Comparando as duas variáveis nos seis híbridos testados, P30K75 se mostrou mais resistente que os outros, embora menos resistente que C. spectabilis. Esses resultados têm se repetido em vários outros experimentos, e a conclusão é que a maioria dos materiais em milho é suscetível a P. brachyurus (pois o nematoide se reproduz muito); C. spectabilis é altamente resistente (o nematoide não se reproduz); e alguns híbridos, como P30K75, são moderadamente resistentes (o nematoide se reproduz, mas menos que nos materiais suscetíveis).

Neste ponto, um breve comentário é necessário. Talvez o leitor já tenha se deparado com resultados experimentais que levem a crer na existência de milhos altamente resistentes a P. brachyurus. Isso é extremamente improvável. Há experimentos que, embora conduzidos de forma honesta, trazem resultados discutíveis, em que os valores de FR para P. brachyurus em milho foram abaixo de 1, ou seja, são experimentos em que a densidade do nematoide diminuiu. No entanto, é preciso cautela em relação a esses resultados. Baixos valores de FR provavelmente são obtidos quando as condições experimentais são desfavoráveis ao desenvolvimento do nematoide. Por exemplo, a faixa de temperatura mais favorável para P. brachyurus é de 25°C a 30°C. Portanto, os experimentos para obtenção de FR devem ser realizados em ambiente dentro ou próximo dessa faixa. A Tabela 2 apresenta os valores de FR de P. brachyurus em raízes de milho mantidas “in vitro” em seis diferentes temperaturas. Como resultados e conclusões se tem que temperaturas favoráveis (25°C e 30°C) = alta reprodução; temperaturas desfavoráveis (10°C e 35°C) = baixa reprodução e redução da densidade populacional. Extrapolando esses resultados para casa de vegetação e campo, é possível supor que valores de FR abaixo de 1 para P. brachyurus em milho provavelmente são obtidos quando os experimentos são realizados sob temperaturas desfavoráveis ao nematoide (excessivamente baixas ou elevadas). Recebendo tais resultados, o agricultor talvez acredite que consiga reduzir a densidade de P. brachyurus, mas isso somente ocorrerá se as condições forem muito desfavoráveis ao nematoide. Se o milho for semeado e se desenvolver em épocas ou locais com temperaturas favoráveis, P. brachyurus se reproduzirá intensamente nas raízes do milho, causando imensa frustação no agricultor.

Portanto, o que se pode afirmar com certeza é que existem milhos que são moderadamente resistentes a P. brachyurus. Será que vale a pena utilizá-los no controle do nematoide? Essa resposta foi parcialmente respondida em dois experimentos recentemente concluídos. No primeiro, realizado em casa de vegetação, estimou-se o FR de 14 híbridos de milho, que foram classificados em três categorias: altamente suscetíveis (um híbrido), suscetíveis (três) e moderadamente resistentes (três), além daqueles intermediários entre suscetíveis e moderadamente resistentes de acordo com o teste de médias (sete híbridos). O objetivo do primeiro experimento foi escolher os híbridos a serem utilizados no segundo: dois híbridos suscetíveis e dois moderadamente resistentes. Esses híbridos foram semeados em vasos com solo contendo P. brachyurus e mantidos até o final do seu ciclo produtivo. Logo a seguir, semeou-se soja nos mesmos vasos, obtendo-se a produção de grãos. A Tabela 3 mostra os resultados dos dois experimentos, que indicam que a produção da soja é inversamente proporcional aos valores de FR dos híbridos de milho que lhes antecederam. Embora sejam resultados preliminares, são fortes indícios de que o manejo de P. brachyurus pode ser feito por meio do uso de híbridos ou cultivares de milho moderadamente resistentes ao nematoide.

Mesmo que esses resultados sejam confirmados por experimentos posteriores, as crotalárias C. spectabilis e C. ochroleuca continuarão, por ora, sendo as principais opções de manejo de P. brachyurus em soja. Os milhos moderadamente resistentes (importante ressaltar que são moderadamente resistentes!) deverão ser recomendados, em áreas infestadas por P. brachyurus, somente para aqueles agricultores que definitivamente não abrem mão do milho na segunda safra. Um artigo publicado em 2017, cujos resultados estão resumidos na Tabela 4, demonstra que C. spectabilis e C. ochroleuca foram superiores no manejo de P. brachyurus na comparação com o milho P30K75, que é moderadamente resistente ao nematoide (Tabela 1).

Conclusão

O método mais eficaz para controle de P. brachyurus em soja é a sucessão com C. spectabilis ou C. ochroleuca. Porém, para agricultores que não abrem mão do milho como segunda safra, existem os nematicidas sintéticos e os biológicos, o consórcio de milho com C. spectabilis e, finalmente, os milhos moderadamente resistentes a P. brachyurus. Os métodos sugeridos no item 2 devem, sempre que possível, ser utilizados de forma combinada, para obter efeito aditivo.

Mário Inomoto, Mariana Mailkut dos Santos, Esalq/USP

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