Fungos deverão ser importante fonte de proteína no futuro

A produção de micoproteínas pode exigir menos terra e água e emite menos gases de efeito estufa do que a produção animal

07.10.2025 | 14:58 (UTC -3)
Cristina Tordin
Fungos crescendo em diferentes substratos em placas de Petri
Fungos crescendo em diferentes substratos em placas de Petri

Por décadas, as proteínas animais dominaram a dieta mundial. Agora, um novo protagonista começa a se destacar: os fungos. Pesquisas avançadas em engenharia genética e fermentação de precisão estão transformando o micélio — a estrutura de sustentação do fungo — em fonte promissora de micoproteínas (proteínas derivadas de fungos), que combinam alto valor nutricional, textura semelhante à carne e menor impacto ambiental. O mercado global para esses produtos deve ultrapassar US$ 32 bilhões até 2032, segundo projeções recentes.

Avanços em engenharia genética, como a edição de DNA por meio da técnica CRISPR-Cas9 alinhada à eficiência da fermentação de precisão estão permitindo o desenvolvimento de micoproteínas com alto valor nutricional, textura semelhante à carne e potencial de produção em larga escala.

Transformando fungos em fábricas de células

André Damasio, pesquisador e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), explica que a combinação dessas tecnologias está transformando os chamados fungos filamentosos e leveduras em verdadeiras “fábricas celulares”, capazes de produzir proteínas recombinantes — como as do leite, ovos e carne — com menor impacto ambiental e maior segurança alimentar. Empresas como Meati, Quorn e Enough já operam em escala industrial, focando no modelo B2B e promovendo mudanças importantes no setor alimentício tradicional.

“A produção de micoproteínas se destaca por exigir menos terra e água, e emitir menos gases de efeito estufa do que a pecuária convencional. Esse novo sistema de produção de alimentos pode mitigar os efeitos ambientais da agricultura intensiva, como o desmatamento, a degradação do solo e o esgotamento de recursos hídricos”, explica Damasio.

Entretanto, para que essas proteínas ocupem lugar fixo nas prateleiras e nos pratos dos consumidores, ainda há barreiras a vencer. As propriedades do micélio, como o seu alto teor de fibras e composição nutricional distinta das proteínas vegetais e animais, exigem mais investigação e adaptação tecnológica. Isso inclui melhorias na textura, sabor e funcionalidade para aplicações variadas na indústria alimentícia, como potenciais substitutos de carne e laticínios.

Mais pesquisas necessárias

Gabriel Mascarin, engenheiro agrônomo da Embrapa Meio Ambiente (SP), acredita que, além da aceitação pelo consumidor, há ainda o desafio da segurança e da regulamentação. Faltam estudos clínicos sobre a biodisponibilidade dos aminoácidos presentes nas micoproteínas, a sua contribuição à saciedade e os efeitos de longo prazo à saúde humana. A padronização de valores nutricionais e a criação de normas rigorosas para controle de toxinas e metais pesados são urgentes, sobretudo diante da diversidade de substratos utilizados nos processos fermentativos.

“Do ponto de vista técnico, os obstáculos vão desde a engenharia genética de linhagens fúngicas até a otimização do bioprocesso e escalonamento, além da etapa de purificação dos produtos (o chamado “processamento downstream”). Estratégias que utilizam novas ferramentas biotecnológicas têm sido aplicadas para aumentar a eficiência das fábricas celulares”, conta Mascarin, ao informar que dados recentes mostram o avanço da engenharia de fungos e leveduras para produzir proteínas com funcionalidade semelhante às de origem animal.

Além disso, ferramentas de biologia sintética e tecnologias “ômicas” (como transcriptômica e proteômica) têm acelerado o desenvolvimento de linhagens mais produtivas e resilientes. A combinação de edição genética precisa com análises moleculares tem se mostrado promissora para superar gargalos na produção industrial.

Fungos vão complementar o suprimento mundial de proteínas

Para a pesquisadora Paula Cunha, da Unicamp, a aposta na biotecnologia fúngica não pretende eliminar a carne animal, mas oferecer alternativas viáveis e acessíveis que diversifiquem a dieta e reduzam o impacto ambiental da produção de alimentos. Ao integrar essas micoproteínas às cadeias alimentares existentes, é possível fortalecer a segurança alimentar global e aumentar a resiliência dos sistemas agroindustriais frente às mudanças climáticas e à pressão sobre os recursos naturais.

O futuro da alimentação humana pode estar cada vez mais ligado ao reino dos fungos. Se as pesquisas continuarem avançando e os desafios forem superados, as fábricas de células fúngicas poderão se tornar peças-chave na construção de um sistema alimentar mais sustentável, nutritivo e inclusivo.

Fungos crescendo em diferentes substratos em placas de Petri
Fungos crescendo em diferentes substratos em placas de Petri

Mais investimentos em fungos do que em carne cultivada

Com tecnologia menos complexa e rápida entrada no mercado, a fermentação de biomassa fúngica, da qual o micélio faz parte, superou a carne cultivada em investimentos nos últimos cinco anos (€ 628 milhões contra € 459 milhões), atraindo a atenção de startups e investidores.

Micoproteínas derivadas do micélio, como as produzidas pelas empresas Quorn, Meati e Eternal, oferecem vantagens como alto teor proteico (entre 45% e 48%), riqueza em fibras (entre 22% e 35%), sabor neutro e textura semelhante à carne. Por isso, têm sido aplicadas tanto em análogos de carne quanto em produtos híbridos, que combinam proteína animal ou vegetal com micélio, ampliando a sua aceitação entre consumidores não veganos.

No entanto, o micélio tem baixa solubilidade, o que limita a sua aplicação em alimentos líquidos — embora algumas empresas, como a Nature’s Fynd, tenham começado a explorar esse caminho com iogurtes à base de micélio.

Mercado bilionário e baixa emissão de carbono

O cultivo de micélio se destaca por sua baixa emissão de CO₂, reduzida pegada hídrica e potencial de circularidade, ao empregar subprodutos como substratos. Apesar do elevado consumo energético, especialmente na fermentação submersa, o seu impacto é menor que o da pecuária tradicional.

O mercado global de análogos de carne com micélio está avaliado em US$ 7,2 bilhões, com projeção de crescimento anual de 10,78% até 2032. Já o setor de substitutos de laticínios, que também começa a explorar o uso do micélio, deverá crescer a uma taxa ainda maior, de 13,85% ao ano, atingindo US$ 32,38 bilhões até 2032.

Do ponto de vista nutricional, as micoproteínas são fontes relevantes de aminoácidos essenciais e minerais como zinco e selênio, embora não contenham vitamina B12 nem ferro. Estudos clínicos indicam que seu consumo pode ajudar a reduzir colesterol, melhorar a saciedade, controlar glicemia e até estimular a síntese de proteína muscular. Ainda assim, especialistas alertam para a necessidade de mais pesquisas sobre sua digestibilidade e potencial alergênico, especialmente diante de reações adversas observadas em consumidores de produtos da Quorn.

Apesar da presença no mercado desde 1985, a aceitação das micoproteínas ainda enfrenta barreiras. Fatores como sabor, preparo e percepção de saúde são determinantes para a disposição do consumidor em adotar o micélio na alimentação. No entanto, os cientistas acreditam que, com novas aplicações e avanços regulatórios, a tecnologia tem potencial para consolidar-se como peça-chave no futuro da alimentação sustentável.

Shimeji sendo produzido em arroz parboilizado para consumo
Shimeji sendo produzido em arroz parboilizado para consumo

Como ficam esses novos alimentos?

Produtos à base de micoproteínas, como os derivados do micélio, são frequentemente classificados como “novos alimentos”, exigindo rigorosas avaliações de segurança antes da aprovação comercial. Embora a FDA dos Estados Unidos tenha aprovado o seu uso em 2001, ainda não existem diretrizes específicas sobre ingestão diária, e esses alimentos não são recomendados para crianças menores de três anos devido ao alto teor de fibras e baixa densidade energética.

Do ponto de vista produtivo, a seleção de cepas seguras, de rápido crescimento e com atributos sensoriais desejáveis tem sido crucial. Fungos filamentosos como F. venenatum e A. oryzae são preferidos por seu alto rendimento proteico, embora cresçam mais lentamente do que leveduras. É aí que entram tecnologias como engenharia genética e CRISPR/Cas9 que melhoram a eficiência dos processos, permitindo o desenvolvimento de linhagens com características aprimoradas. A incorporação de proteínas vegetais e microalgas também tem sido explorada para enriquecer o valor nutricional desses produtos.

Empresas como Quorn, Meati e The Better Meat Co. lideram a inovação com processos escaláveis e produtos versáteis, como a micoproteína Rhiza, que viabiliza desde linguiças até carnes vegetais secas.

A equipe de pesquisa

Participaram do trabalho de pesquisa: Paula Cunha, Everton Antoniel, Lana O'Hara Silva, Unicamp, Gabriele Maia, Alessandra Sydney, Eduardo Sydney, da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR); Gabriel Mascarin, da Embrapa Meio Ambiente; Juliano Bicas e André Damasio (Unicamp), Anna Rocha Pierucci, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e Patrícia Duque-Estrada, Universidade de Copenhague, na Dinamarca.

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