Fungo dizimou populações de 501 espécies de anfíbios no mundo

Segundo panorama, Brasil teve 50 espécies afetadas, sendo 12 extintas e 38 em declínio

29.03.2019 | 20:59 (UTC -3)
Karina Toledo

Um fungo microscópico de hábitos aquáticos é o responsável pela maior perda de biodiversidade atribuível a um único patógeno em toda a história, afirmaram cientistas na revista Science nesta quinta-feira (28/03).

Causador de uma doença infecciosa conhecida como quitridiomicose, o microrganismo provocou, nos últimos 50 anos, declínio nas populações de pelo menos 501 espécies de anfíbios. Em alguns casos, as espécies ficaram restritas a menos de 10% da sua distribuição original. Acredita-se que 91 delas tenham sido completamente extintas.

“Consideramos essa quantificação conservadora, pois o patógeno provavelmente causou o declínio de muitas outras espécies ainda desconhecidas pela ciência. Esse fenômeno pode ser particularmente relevante na região neotropical [que compreende a América Central, incluindo parte do México e dos Estados Unidos, todas as ilhas do Caribe e a América do Sul], onde há muitas espécies não descritas”, disse Benjamin Scheele, pós-doutorando na Australian National University, na Austrália, e primeiro autor do artigo à Agência FAPESP. 

Os pesquisadores estimam que pelo menos 6,5% das espécies conhecidas de anfíbios sofreram declínios causados pelo fungo.

“É um número muito alto. Temos registros de patógenos desde a época dos dinossauros e, com certeza, podemos afirmar que essa é a pior doença a acometer a vida selvagem em todos os tempos”, disse Luís Felipe de Toledo, professor do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coautor do estudo.

Toledo e sua aluna Tamilie Carvalho são os únicos brasileiros a integrar o grupo de 42 pesquisadores de 16 países que conduziu o levantamento. O trabalho contou com apoio da FAPESP.

 As conclusões apresentadas no artigo se baseiam em uma extensa revisão da literatura e também em consultas feitas a especialistas de todo o mundo e à Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN, na sigla em inglês).

“No panorama global apresentado no artigo, o Brasil tem destaque negativo: pelo menos 50 espécies ou populações foram afetadas, sendo que 12 foram extintas e 38 sofreram declínio. Algumas populações já dão indício de recuperação, enquanto outras permanecem desaparecidas”, contou Toledo.

A Mata Atlântica, segundo o pesquisador da Unicamp, foi o bioma mais afetado no país. A grande maioria dos registros de extinção vai do Espírito Santo ao Paraná.

“Existem alguns pontos em que sabidamente sumiram muitas espécies, como Boraceia [litoral norte de São Paulo], Serra dos Órgãos [Rio de Janeiro], Itatiaia [na divisa entre Rio de Janeiro e Minas Gerais] e Caparaó [divisa entre Minas Gerais e Espírito Santo]. Mas isso não quer dizer que outras regiões não sofreram impacto. Simplesmente não tínhamos uma amostragem tão boa como a da Mata Atlântica”, disse Toledo.

Doença fatal

 A quitridiomicose é causada por duas espécies de fungo do gênero Batrachochytrium. O B. salamandrivorans afeta apenas as salamandras e nunca foi registrado no Brasil. Já o B. dendrobatidis é encontrado em todos os continentes e acomete os três grupos de anfíbios: anuros (sapos, rãs e pererecas), salamandras e cobras-cegas, ou cecílias.

O patógeno se aloja nas células da pele dos indivíduos adultos, prejudicando a respiração e levando-os à morte por parada cardíaca. Em girinos, o fungo parasita a região do bico e dos dentículos, dificultando a alimentação e comprometendo o crescimento.

Segundo o levantamento divulgado na Science, o grupo dos anuros – onde estão 89% das espécies anfíbias – foi o que sofreu o maior número de declínios severos (93%) por ser também o mais abundante. As regiões tropicais da Austrália e das Américas Central e do Sul foram as mais afetadas, enquanto Ásia, África, Europa e América do Norte apresentam número “notavelmente baixo” de declínios.

 As principais vítimas foram as espécies de distribuição geográfica restrita, com corpo grande, moradoras de regiões úmidas e com hábitos aquáticos perenes – uma vez que os esporos do Batrachochytrium são liberados na água e conseguem nadar até infectar outro hospedeiro.

 Segundo Toledo, alguns gêneros de anuros se mostraram particularmente suscetíveis à infecção, como é o caso do Atelopus – com espécies ocorrendo entre a América Central e a América do sul, desde a Costa Rica até a Amazônia brasileira.

 “O pico dos declínios aconteceu nos anos 1980, como mostramos em um artigo anterior, e a doença só foi descoberta em 1998. Isso prejudicou os trabalhos de mensuração do impacto, pois quando percebíamos as espécies declinando ou sendo extintas não tínhamos ideia do motivo”, disse Toledo. 

A hipótese defendida pela maior parte dos especialistas, divulgada em 2018 também na Science, é que uma linhagem virulenta do fungo originária da Ásia tenha chegado à América Central no último século e se disseminado para o continente sul-americano. Acredita-se que o processo tenha sido favorecido pelo transporte de anfíbios – tanto para consumo humano, quanto para o mercado de bichos de estimação.

“Na Mesoamérica, onde acreditamos que os anfíbios não tinham contato prévio com o fungo, muitas espécies foram totalmente dizimadas. No Brasil, onde a doença existe desde o século 19, pelo menos, alguns animais já haviam desenvolvido resistência e o impacto parece não ter sido tão grande”, disse Toledo.

No artigo mais recente, os cientistas afirmaram que a “letalidade sem precedentes de uma única doença que afeta uma classe inteira de vertebrados destaca a ameaça de disseminação de novos patógenos em um mundo globalizado”.

Para os autores, políticas de biossegurança efetivas e a redução imediata no comércio de vida selvagem são “urgentemente necessárias” para reduzir o risco de disseminação de novos patógenos.

“Como a mitigação da quitridiomicose na natureza permanece incerta, novas pesquisas e monitoramento intensivo com tecnologias emergentes são necessários para identificar mecanismos de recuperação de espécies, bem como desenvolver novas ações de mitigação para espécies em declínio”, disse Scheele.

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