Estudo revela que os fungos surgiram há mais de 1,4 bilhão de anos

Análise combina fósseis, transferência horizontal de genes e relógios moleculares para reconstituir a história evolutiva

01.10.2025 | 13:54 (UTC -3)
Revista Cultivar

A árvore evolutiva dos fungos começou a se ramificar entre 1,401 e 896 milhões de anos atrás, muito antes do surgimento das plantas terrestres. A estimativa foi obtida por um grupo internacional de pesquisadores ao combinar fósseis, dados genômicos e eventos de transferência horizontal de genes em uma nova cronologia molecular dos fungos. Seu estudo propõe uma nova linha do tempo para a diversificação do Reino Fungi, fornecendo uma estrutura temporal para futuras investigações sobre a coevolução entre fungos e plantas.

A pesquisa analisou 110 espécies de fungos, selecionadas para representar de forma equilibrada todos os principais grupos do reino. Além disso, os autores incluíram 43 espécies de outros eucariotos, utilizadas para calibrar o contexto evolutivo mais amplo. Foram utilizadas 225 proteínas filogenéticas como marcadores, resultando em uma matriz com mais de 95 mil posições de aminoácidos.

Escassez de fósseis

O desafio inicial consistiu na escassez de fósseis atribuíveis com segurança a grupos específicos de fungos. Para contornar essa limitação, os pesquisadores também incluíram 17 restrições de tempo relativas, derivadas de eventos de transferência horizontal de genes entre linhagens de fungos. A técnica permite inferir qual grupo evoluiu primeiro com base na direção da transferência genética.

A reconstrução da árvore filogenética adotou métodos de modelagem que levam em conta a heterogeneidade na composição dos sítios de aminoácidos, um problema comum em filogenias profundas. A abordagem utilizada combina ferramentas de inferência bayesiana e algoritmos especializados para construir árvores com resolução aumentada mesmo em linhagens distantes e mal representadas no registro fóssil.

O passo seguinte consistiu em datar os nós da árvore. O programa Mcmcdate permitiu realizar análises de relógio molecular relaxado a partir de filogramas já prontos, com tempo computacional reduzido. Quatro conjuntos de dados foram usados: um principal, com 27 pontos de calibração absoluta e 17 restrições relativas, e três adicionais baseados em hipóteses sobre a origem e expansão de enzimas específicas para degradação de pectina.

doi.org/10.1038/s41559-025-02851-z
doi.org/10.1038/s41559-025-02851-z

Enzimas específicas

As pectinas são componentes das paredes celulares das plantas, presentes não apenas nas embriófitas, mas também em algas estrepitófitas (ancestrais das plantas terrestres). A detecção de enzimas específicas para degradação dessas moléculas em fungos não-dicários permitiu inferir que a interação entre fungos e algas precursoras das plantas modernas ocorreu entre 1.253 e 797 milhões de anos atrás.

Essa interação antecede em centenas de milhões de anos o surgimento das plantas terrestres modernas, estimado entre 612 e 431 milhões de anos. A presença de genes para degradação de pectina em ancestrais dos fungos terrestres sugere que esses organismos já desempenhavam papéis ecológicos relevantes muito antes da colonização efetiva do ambiente terrestre pelas plantas.

Evolução dos fungos

O estudo também fornece datas para divergências importantes na evolução dos fungos. A separação entre os principais grupos, como Chytridiomycota e Blastocladiomycota, teria ocorrido entre 1.374 e 877 milhões de anos atrás. A divergência entre Olpidiomycota (grupo aquático com flagelo) e os fungos terrestres não flagelados ocorreu entre 1.303 e 831 milhões de anos atrás.

Dentro dos fungos terrestres, Mucoromycota e Zoopagomycota apresentaram idades de origem semelhantes, entre 1.252–796 Ma e 1.213–678 Ma, respectivamente. Esses grupos precedem os Dikarya — clado que inclui os fungos filamentosos e leveduras mais conhecidos — cuja origem remonta a 1.114–701 Ma.

Principais grupos

A análise também estimou as idades de dois dos principais grupos de fungos macroscópicos: Pezizomycotina e Agaricomycotina. Ambos teriam surgido entre 706 e 409 milhões de anos atrás, coincidindo com a chamada era Neoproterozoica e o evento glacial conhecido como Snowball Earth. Isso sugere que a multicelularidade complexa em fungos pode ter emergido em paralelo com pressões ambientais extremas.

Para validar as estimativas, os pesquisadores testaram três cenários distintos com base na evolução das enzimas pectinolíticas. Em um dos cenários, a presença dessas enzimas foi restrita a fungos mais recentes, implicando que suas idades deveriam ser posteriores ao surgimento das estrepitófitas com pectina. Essa hipótese gerou ajustes nas estimativas, mas a idade de origem do Reino Fungi manteve-se acima de 1 bilhão de anos em 88,5% das simulações.

A abordagem usada no estudo superou limitações de modelos anteriores, como a dependência excessiva de poucos fósseis e a sub-representação de grupos não-dicários. Além disso, os autores demonstraram que, mesmo com um número reduzido de posições de aminoácidos (10 mil em vez das 95 mil da matriz completa), as estimativas de datas permanecem consistentes. Isso indica que análises futuras podem ser otimizadas sem perda significativa de precisão.

Época de diversificação

Os resultados sugerem que os fungos começaram a se diversificar em uma época ainda pouco compreendida da história da vida, entre o Mesoproterozoico e o Neoproterozoico. O intervalo, muitas vezes chamado de “bilhão entediante”, passa a ser reavaliado como um período de diversificação e inovação biológica. O Reino Fungi, nesse contexto, assume um papel central não apenas na formação de solos primitivos, mas também como possível agente catalisador da transição das algas para ambientes terrestres.

A identificação de interações antigas entre fungos e estrepitófitas também levanta hipóteses sobre a existência de simbioses pré-embriófitas. Apesar da ausência de fósseis diretos de tais associações, a inferência baseada em genética e cronologia sugere um longo período de coexistência ecológica antes da formação de associações complexas como as micorrizas.

Mesmo os fósseis de fungos datados em mais de 1 bilhão de anos, encontrados em estudos recentes, não foram usados como pontos de calibração no trabalho. Os autores os consideraram plausíveis, mas preferiram adotar uma abordagem conservadora para evitar inferências especulativas. Ainda assim, as datas obtidas são compatíveis com esses achados fósseis, reforçando sua possível afiliação fúngica.

A reconstrução cronológica apresentada oferece uma nova ferramenta para investigar a origem de sistemas simbióticos, como líquens e micorrizas, além de fornecer uma linha do tempo mais precisa para o surgimento de fungos macroscópicos, decompositores, simbiontes e patógenos vegetais.

O estudo também permite explorar com maior detalhe a ecologia dos ambientes transicionais onde as primeiras interações entre algas e fungos podem ter ocorrido. Comunidades semelhantes às crostas biológicas de solo moderno — compostas por microrganismos, algas e fungos — podem ter sido os primeiros habitats com complexidade ecológica no ambiente terrestre.

Outras informações em doi.org/10.1038/s41559-025-02851-z

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