Estiagem desafia experiência do produtor no Rio Grande do Sul

Muitos produtores estão investindo em estratégias de manejo de solo que podem amenizar os impactos do déficit hídrico nos cultivos de grãos de verão

13.01.2020 | 20:59 (UTC -3)
Joseani M. Antunes

Redução na quantidade de chuvas e temperaturas extremas resultaram em estiagem no Rio Grande do Sul indicando perdas na safra de verão 2019/2020. Muitos produtores estão investindo em estratégias de manejo de solo que podem amenizar os impactos do déficit hídrico nos cultivos de grãos de verão. 

Segundo levantamento inicial realizado na primeira semana de janeiro pela Rede Técnica Cooperativa (RTC), com base em informações coletadas junto a 22 cooperativas associadas a rede, as perdas no milho estão estimadas em 33% e na soja em 13%. 

A falta de chuvas afetou mais o milho em função do estágio das lavouras que atravessavam o desenvolvimento vegetativo e a floração. No momento, segundo o Informativo Conjuntural da Emater/RS (09/01/20), 75% da soja está em desenvolvimento vegetativo e outros 22% das lavouras estão em plena floração. 

Estiagem ou seca?

De acordo com o pesquisador da Embrapa Trigo, Genei Antonio Dalmago, estamos atravessando um período de estiagem no Rio Grande do Sul, quando as lavouras reduzem o potencial produtivo por falta de água. “Se o quadro de falta de água se mantiver, podemos evoluir para uma condição de seca mais intensa, com risco de perda total da lavoura”, informa Genei. 

Os dados meteorológicos coletados junto as estações do INMET confirmam a estiagem em diversos municípios do Estado. Além da distribuição irregular das chuvas nos meses de novembro e dezembro, houve diversos registros de temperaturas extremas, com valores até 1ºC acima da média histórica, com máximas passando dos 40ºC em vários municípios gaúchos. 

A estação meteorológica da Embrapa Trigo, em Passo Fundo, RS, registrou poucas e esparsas chuvas no período de 10/11/19 a 09/01/20 (veja no gráfico). Em novembro, as precipitações somaram 115 milímetros (mm) e estiveram concentradas na primeira semana do mês, seguida de 20 dias sem chuva. O mês também registrou temperaturas do ar mais altas, com mínimas em torno dos 15ºC e máximas acima dos 30ºC. Em dezembro, foram 25 dias sem chuvas, com pancadas isoladas que resultaram em 47,6 mm no mês, o que representa apenas 27% da média histórica. No final de dezembro, as temperaturas passaram dos 36ºC, com umidade relativa do ar abaixo de 60% e insolação 30% superior à média. Até o dia 9 de janeiro, a umidade relativa do ar estava -8% abaixo do normal.

O cenário foi um pouco diferente na região noroeste do RS, onde o volume de chuvas pode ser considerado satisfatório, com 332 mm acumulados entre novembro e dezembro na estação de São Luiz Gonzaga. O problema na região foram as altas temperaturas do ar, com máximas próximas a 40ºC na maioria dos dias. As mínimas também superaram os 18ºC.

Em teoria, uma planta consome entre 5 a 7 mm de água por dia, valor que  pode variar em função do ambiente, como calor/frio, radiação solar disponível, capacidade de armazenamento de água no solo, e outros. Avaliando a quantidade  de chuva em Passo Fundo, 47 mm em todo o mês de dezembro supriria as necessidades da planta por apenas uma semana. “Esta é a maior estiagem nos últimos dez anos. Ainda mais expressiva do que o verão de 2013, última estiagem registrada no RS, quando choveu 66,4 mm em dezembro”, conta o analista do laboratório de meteorologia da Embrapa Trigo, Aldemir Pasinato.

Estresse térmico

De acordo com o pesquisador Genei Antonio Dalmago, muitas plantas estão apresentando estagnação no crescimento em função do estresse térmico que veio associado ao estresse hídrico. “Mesmo nos casos em que existe disponibilidade hídrica, as plantas estão enfrentando altas temperaturas do ar, mesmo à noite, quando não sofrem diretamente com a radiação solar mas aumentam a respiração, o que se traduz em perda de reservas que iriam para os grãos. Quando a planta está sob constante estresse térmico, ela para de crescer e, em determinadas situações, interrompe o processo de fotossíntese”.

Cenários

O último relatório do INMET (23 de dez/2019), indica um cenário de neutralidade climática no Sul do Brasil, ou seja, sem a ocorrência de fenômenos como El Nino (chuvas intensas) ou La Nina (falta de chuvas). Porém, o prognóstico para o RS (jan e mar/2020) indica redução do transporte de umidade da Amazônia para o Sul, implicando na redução de chuvas e temperaturas acima da média histórica. De acordo com as previsões, a redução das chuvas tende a ser maior em fevereiro, mês importante para a fase de enchimento de grãos na soja. Contudo, as chuvas ocorridas nos últimos dias (com 76 mm em Passo Fundo nos dias 10 e 11 de janeiro), com boa distribuição no Estado do RS, podem amenizar os efeitos da estiagem.

Como amenizar os efeitos da estiagem

A Embrapa Trigo preconiza algumas ações de manejo que podem reduzir perdas por estiagens na produção de grãos. A adoção de práticas de conservação do solo é solução mitigadora reconhecida pelos produtores do RS.

Estiagens de curta duração têm sido uma das causas de frustração agrícola na safra de verão, especialmente em situações de compactação de solo. De acordo com o Chefe de Transferência de Tecnologia da Embrapa Trigo, Jorge Lemainski, a degradação de solo pode ser percebida, normalmente, na camada de 5 cm a 20 cm de profundidade. “A camada superficial, até 5 cm, geralmente apresenta elevada fertilidade, favorável ao desenvolvimento das plantas. Já na camada subsuperficial, de 5 cm a 20 cm, o solo se encontra frequentemente compactado”, explica ele e complementa “a degradação física do solo não permite o aprofundamento das raízes e, com poucos dias sem chuva (5 a 10 dias), o cenário é de estiagem nas lavouras porque as plantas não conseguem absorver água suficiente num solo compactado”. 

Em 2014, um experimento avaliou a produtividade da soja em lavoura comercial em Sarandi, RS, depois da ocorrência de 30 dias sem chuva, seguida de uma precipitação de 7 mm, sequenciada por 45 dias sem chuva e por duas semanas com picos de temperatura superior a 40°C, antecedendo a colheita. A produtividade da soja sob forte estresse hídrico foi de 3.458 kg por hectare (ha), três vezes maior que a média da região. A taxa de infiltração de água no solo foi de 92 mm/h na área em que foram combinadas práticas mecânicas e de diversificação de culturas enquanto em área sem as práticas, a taxa de infiltração foi de 13 mm/h. Além de cobertura permanente no solo, a propriedade de 149 hectares conta com terraços, instalados há mais de 17 anos.     

Nesta safra, os efeitos da palhada para amenizar a estiagem na soja foram sentidos pelo produtor Evandro Martins, que implantou 80 ha de soja e 25 ha de milho em Passo Fundo, RS. Além da descompactação do solo e investimentos em corretivo e fertilizantes, o produtor trabalha com o processo colher-semear, isto é, a colheita de verão é seguida pela semeadura de gramíneas que cobrem o período de vazio outonal até a implantação da lavoura de inverno. O investimento no solo, prática constante na propriedade há 20 anos, mostrou resultados importantes nesta safra: “Semeamos a soja sobre 8 toneladas de matéria seca de aveia. Esta soja não sofre tanto com a estiagem, mantendo a umidade e a atividade biológica do solo. Estimo uma quebra de 25 a 30%, enquanto os outros produtores da região falam em perdas de 70%. No milho, nossa quebra deverá ficar em 30%”, conta Martins.

O centeio no inverno cobre grande parte da propriedade da família Cereta, em Sobradinho, RS. “Além de reduzir a temperatura do solo com a palhada, as raízes fortes do centeio também ajudam na descompactação do solo, mostrando uma soja mais vigorosa do que nas áreas que foram cobertas por aveia ou azevém”, avalia a engenheira agrônoma Juliana Cereta. Segundo ela, a região central não sofre muito com a estiagem até agora, registrando chuva frequente em pequenos volumes quase toda a semana. “Vamos sentir os impactos do clima, mas com uma quebra menor do que as demais regiões do Estado”, afirma, apostando num rendimento de grãos na soja pouco abaixo dos 75 sacos/ha colhidos na safra passada.

Em São Gabriel, RS, onde a área de soja triplicou nos últimos 10 anos, a semeadura estava suspensa por falta de umidade no solo que persiste desde o mês de novembro. Contudo, as lavouras que foram semeadas estão suportando bem a estiagem, mesmo em solos mal drenados e pouco profundos. Com a soja entrando no período reprodutivo, a estimativa é manter o nível de perdas em 15%. Para o engenheiro agrônomo do escritório municipal da Emater/RS, Renato Barreto, a prática de cobrir o solo com aveia no inverno pode ter ajudado a amenizar os efeitos do clima adverso. “Muitos produtores utilizam o inverno para a engorda do gado, rapando a lavoura e deixando pouca cobertura para o verão. Iniciamos um trabalho de conscientização que mostra os resultados agora, num momento difícil para a soja”, explica Barreto. 

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