Como prevenir doenças em brássicas

Hérnia das crucíferas é a principal preocupação para produtores de brássicas; doença complexa, de difícil controle e que pode provocar grandes perdas

28.08.2020 | 20:59 (UTC -3)
Cultivar Hortaliças e Frutas

A hérnia das crucíferas é um dos raros casos de doenças de plantas causadas por um protozoário - Plasmodiophora brassicae Woronin. Este patógeno forma esporos de resistência com longa persistência no solo e que podem ser facilmente dispersos pelas mudas, pelas bandejas, pelo arraste de solo através da erosão, pela poeira, e em solo aderido a máquinas e implementos. Relatos apontam que a meia-vida dos esporos seja de 3,6 anos, podendo chegar, porém, a mais de 18 anos, mesmo que não seja realizado o cultivo subsequente de espécies hospedeiras, espécies da família Brassicaceae (Dixon, 2014). Esta característica implica em necessidade de atenção quanto a medidas preventivas para evitar a introdução deste patógenos nas áreas de produção de brássicas em geral.

A primeira constatação de P. brassicae no Brasil foi realizada no final de 1934, no estado de São Paulo, em couve-comum (Viegas & Teixeira, 1943). Atualmente, a sua presença já foi confirmada em vários outros estados, como Rio de Janeiro, Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Distrito Federal, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Espírito Santo. No entanto, as perdas têm sido potencializadas nas áreas onde o cultivo das hortaliças suscetíveis é realizado de forma intensiva e continuada, como na região metropolitana de Curitiba, Paraná, na região Serrana do Rio de Janeiro (Nova Friburgo) e no cinturão verde de São Paulo. Nessas situações, as perdas têm sido frequentes e superiores a 60%. Em alguns casos, quando a quantidade e a distribuição de inóculo na área são elevadas, o cultivo de brássicas fica inviável por um período maior ou igual a dois anos. Este período, porém, não garante a eliminação do patógeno, apenas a redução da quantidade ou a viabilidade dos esporos de resistência no solo. 

Plantas jovens de brócolis apresentando sintomas da hérnia das crucíferas.
Plantas jovens de brócolis apresentando sintomas da hérnia das crucíferas.

Todos os membros da família Brassicaceae são hospedeiros potenciais de P. brassicae, por permitirem que o patógeno complete todo o seu ciclo de vida (Dixon, 2009). Dentre as hortaliças desta família, devido à importância econômica e à suscetibilidade, maiores perdas têm sido registradas em couve-flor e brócolis, principalmente quando cultivadas no período de verão. As temperaturas mais elevadas e a maior umidade deste período favorecem o desenvolvimento da doença e das perdas. Mas para infortúnio dos produtores, este é o período em que alcançam melhores preços na venda. 

O sintoma típico da doença é a formação de galhas (hérnias) no sistema radicular, em decorrência da rápida e desordenada multiplicação das células, em tamanho e número. Estas galhas prejudicam a absorção de água e de nutrientes, provocando sintomas de deficiência de nutrientes, amarelecimento e murcha das folhas, principalmente nos períodos mais quentes do dia. Todos esses distúrbios provocam o subdesenvolvimento das plantas hospedeiras que, em consequência, apresentam inflorescências, cabeças ou folhas de baixo valor comercial, afetando a produtividade e a rentabilidade. Em condições mais propícias ao desenvolvimento da doença, pode ocorrer a morte prematura das plantas.

Murcha causada por hérnia das cruscíferas em brócolis.
Murcha causada por hérnia das cruscíferas em brócolis.

Os esporos de resistência de P. brassicae permanecem dormentes nos solos até serem estimulados pela presença de exsudados liberados pelas raízes de plantas hospedeiras. Os exsudados estimulam a germinação dos esporos e a liberação de zoósporos biflagelados. Com auxílio destes flagelos, os zoósporos se movimentam através do filme de água do solo até alcançar e penetrar nos pelos radiculares. A umidade do solo é um fator-chave para o sucesso do patógeno nesta fase inicial do ciclo. Após se multiplicar nos pelos radiculares, o patógeno migra e penetra nos tecidos corticais da raiz, onde causa uma série de alterações fisiológicas e anatômicas que culminam com a multiplicação desordenada e o alargamento das células e, consequentemente, a formação das galhas ou tumores. No interior destas galhas são formados os esporos de resistência, liberados no solo durante o apodrecimento gradual das raízes e, a partir de então, dispersos na área ou para novas áreas.        

As condições que contribuem para o desenvolvimento da doença são a presença de alta concentração de esporos de resistência (≥106  unidades g-1 de solo), solos ácidos (pH ≤ 6,2), com baixos níveis de cálcio, alta umidade, principalmente quando excede a 70% da capacidade de campo,  e temperaturas próximas a 25°C (Gossen et al., 2014). Mais recentemente, foi reportado que as perdas podem ser potencializadas em função da toxidade causada pelo íon alumínio (Al3+) no solo (Bhering et al., 2017) pelos danos que este causa às raízes das plantas em solos ácidos.

O patógeno pode ser disperso pelo carregamento de esporos contidos no solo durante os processos de aração e gradagem e no escoamento superficial de água. Mudas contaminadas também são agentes de disseminação da doença (Gossen et al., 2014). Com isso, o uso de maquinários, implementos agrícolas e quaisquer outros materiais contendo o patógeno pode ser fonte potencial de inóculo e colaborar para a sua introdução em novas áreas de cultivo de brássicas. Cultivos contínuos e intensivos favorecem a multiplicação, a dispersão e a sobrevivência do patógeno nas áreas. 

Sintomas da hérnia das crucíferas em raízes de couve-flor e de rúcula.
Sintomas da hérnia das crucíferas em raízes de couve-flor e de rúcula.

Em função das opções de controle da doença serem restritas, a prevenção deve ser vista como a principal estratégia. Recomendações como o uso de mudas sadias, adquiridas em viveiristas idôneos, o manejo correto do solo, o uso de água de boa qualidade e isenta de contaminação, além da lavagem e da sanitização de pneus de tratores e dos implementos agrícolas, são essenciais para evitar a introdução do patógeno na área.

Uma vez presente na área, o controle da doença deve ser visto sob uma concepção integrada. Diferentemente de outros patossistemas, a disponibilidade de cultivares resistentes é extremamente limitada, estando restrita a apenas alguns materiais de couve-chinesa. Ainda, para o seu controle químico, está registrado no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) apenas um princípio ativo, o ciazofamida (Agrofit, 2019). Assim, melhorias nas condições químicas e biológicas do solo são estratégias básicas e que devem ser consideradas. A calagem é a estratégia mais tradicional e importante para o manejo da doença e da cultura.  A elevação do pH, o fornecimento de Ca e a redução do Al3+ tóxico podem reduzir as perdas causadas pela doença (Bhering et al., 2017). Resultados obtidos por Santos et al. (2017) indicam redução de 17,8% na severidade da doença, e incrementos de 26,5%, 32,5% e 37,78% no volume de raiz sadia, massa seca total de raiz e massa fresca de inflorescências de couve-flor, respectivamente, com a aplicação de 4 t/ha de calcário em comparação à testemunha.

Outros pontos que devem ser considerados são a aplicação de matéria orgânica de boa qualidade, a rotação de culturas com espécies não hospedeiras e o pousio.  Aliado a isso, especula-se que o cultivo de algumas plantas não hospedeiras, como alho-poró, azevém e centeio, poderia reduzir o potencial de inóculo no solo por atuarem como iscas e não permitirem que o patógeno complete o seu ciclo (Donald e Porter, 2009).

Embora sejam práticas onerosas, o arranquio e a destruição das raízes das plantas contendo hérnia, por ocasião da colheita, também são recomendadas. Ao arrancá-las e queimá-las impede-se a reposição do inóculo ao solo.

Sintomas da hérnia das crucíferas em raízes de couve-flor.
Sintomas da hérnia das crucíferas em raízes de couve-flor.

Em estudos realizados pela UFRRJ, em Nova Friburgo, Rio de Janeiro, maior produtor nacional de couve-flor, constatou-se que, além do cultivo intensivo desta espécie há mais de 30 anos, outras condições têm favorecido perdas pela hérnia das crucíferas, como: a) relevo declivoso e baixa adesão ao uso de práticas de conservação de solo, como plantio em curvas de nível, terraceamento ou canais escoadouros de água para reduzir e/ou evitar o arraste de solo contaminado; b) não realização de calagem e de outras recomendações técnicas no manejo da fertilidade do solo (Bhering et al., 2017; Santos et al., 2017).

Apesar dos exaustivos investimentos realizados mundialmente, ainda não existe uma estratégia de controle única e que resulte em controle eficiente da doença. Desta forma, a adoção de medidas preventivas e profiláticas é a principal estratégia para o controle desta doença, como uso de mudas sadias, cuidado e limpeza de máquinas e implementos, e manejo correto da fertilidade, incluindo correção da acidez do solo, rotação de culturas e a remoção e a destruição de plantas doentes.  Práticas que favoreçam o desenvolvimento das raízes pelas plantas também podem contribuir para reduzir as perdas.

Pesquisas em desenvolvimento no Brasil e em países como Canadá, Austrália e Alemanha vêm sendo realizadas em busca da compreensão das interações existentes entre o patógeno, os fatores de solo e as plantas hospedeiras. Pode-se concluir, portanto, que o manejo da hérnia das crucíferas é complexo e que, por ora, as medidas de caráter preventivo são as mais importantes para se evitar riscos de perdas pela doença. 

Carlos Antônio dos Santos, Aline da Silva Bhering, Nelson Moura Brasil do Amaral Sobrinho e Margarida Goréte Ferreira do Carmo, UFRRJ

Cultivar Hortaliças e Frutas Maio 2019

A cada nova edição, a Cultivar Hortaliças e Frutas divulga uma série de conteúdos técnicos produzidos por pesquisadores renomados de todo o Brasil, que abordam as principais dificuldades e desafios encontrados no campo pelos produtores rurais. Através de pesquisas focadas no controle das principais pragas e doenças do cultivo de hortaliças e frutas, a Revista auxilia o agricultor na busca por soluções de manejo que incrementem sua rentabilidade. 

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