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O centeio (Secale cereale), cereal resistente à seca e ao frio, não se tornou um dos pilares da agricultura europeia por ser uma planta pouco exigente. A verdadeira razão de seu sucesso emerge agora com precisão científica. Um estudo revela que, desde a Antiguidade Tardia, agricultores do norte da Europa cultivaram centeio com técnicas de adubação intensiva, desafiando ideias estabelecidas sobre a origem e expansão desse grão.
A pesquisa empregou análise de isótopos estáveis em grãos de centeio arqueológicos e modernos, revelando que a prática de adubar campos com esterco animal era comum já no século IV d.C.
A descoberta rompe com a ideia de que o centeio prosperou unicamente em solos pobres por sua rusticidade. Na verdade, os dados isotópicos mostram que seu cultivo foi integrado a sistemas agrícolas sofisticados, que incluíam o uso estratégico de dejetos animais, turfa e até camadas de resíduos marinhos.
A equipe analisou grãos oriundos de 11 sítios arqueológicos na Alemanha e no Cáucaso, datados de períodos que vão da Antiguidade à Baixa Idade Média. Os resultados indicam a aplicação de até 15 toneladas de esterco por hectare ao ano, valores similares aos de experimentos agrícolas modernos. Isso sugere que, mesmo nas fases mais antigas, o centeio era cultivado em campos enriquecidos por fertilização intensiva.
A comparação com experimentos agrícolas conduzidos nos centros de Thyrow e Halle, na Alemanha, reforça essa conclusão. Lá, parcelas cultivadas com e sem adubo produziram grãos com níveis contrastantes de isótopos de nitrogênio.
A fertilização elevou os índices em até 7%, revelando o impacto direto da adubação no grão. Curiosamente, o tipo de solo — arenoso ou loesso — modulou esse efeito: solos mais férteis amplificaram a absorção de nitrogênio, mesmo sob regimes moderados de adubação.
A partir do século X, a prática de cultivar centeio no sistema conhecido como Ewiger Roggenbau (cultivo eterno de centeio) consolidou-se. Essa técnica envolvia a deposição de uma mistura de solo e esterco de estábulo sobre campos delimitados. A aplicação constante de matéria orgânica elevava o nível do terreno em relação ao entorno e permitia colheitas permanentes sem rotação de culturas — algo raro na agricultura pré-moderna.
Além do nitrogênio, o estudo analisou os teores de enxofre, identificando práticas agrícolas menos conhecidas.
Em Neermoor, por exemplo, o baixo valor de isótopos de enxofre indicou o uso de turfa de pântano como adubo, prática ligada à salinização e processos anaeróbicos. Esse tipo de análise permite distinguir a origem do adubo — seja esterco, composto vegetal ou sedimentos marinhos.
Os valores de isótopos de carbono, por sua vez, permitiram estimar os rendimentos relativos dos campos. Os melhores resultados surgiram nas áreas costeiras, especialmente nas elevações artificiais conhecidas como Wurten (ou terps), onde a proximidade com o mar e a fertilização orgânica garantiam condições ideais. Lá, o cultivo provavelmente ocorria no verão, após o recuo das águas das marés invernais. A produtividade desses campos rivalizava com a dos melhores solos continentais.
Contrariando expectativas, não se observou tendência clara de aumento na intensidade da adubação ao longo do tempo.
Sítios antigos como Göritz e Loxstedt já exibem sinais de adubação intensa, comparáveis aos de castelos e vilas medievais como Neermoor ou Diepensee.
A fertilização variava mais com o contexto local — tipo de solo, proximidade de estábulos, disponibilidade de esterco — do que com a época histórica.
A domesticação do centeio seguiu um caminho peculiar. Originalmente uma planta daninha que invadia campos de trigo e cevada, o centeio ganhou espaço com a adoção do arado de aiveca, que virou o solo em profundidade.
Esse avanço tecnológico reduziu a competitividade das formas silvestres e favoreceu variedades com espigas não quebradiças, mais adaptadas à colheita e semeadura humanas.
Com o tempo, a produtividade do centeio superou sua imagem de cereal rústico.
Na Idade Média, tornou-se a base alimentar de castelos, igrejas e centros urbanos. A arqueologia revela estoques significativos em sítios como Groß Lübbenau, Bremen e Starigard.
A abundância permitia não só alimentar populações crescentes como também gerar excedentes, fundamentais para a consolidação de poderes político-religiosos.
Os dados também desmontam a teoria de que o centeio encontrado nos Wurten teria sido importado das zonas de Geest (áreas elevadas arenosas). A análise isotópica diferencia com clareza os grãos cultivados em cada região. Os do litoral exibem assinaturas distintas, apontando para cultivo local, mesmo em terrenos frequentemente alagados e salinizados.
Mais informações em doi.org/10.1098/rstb.2024.0195
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