Protocolo estabelece medidas para evitar entrada de doença do cacau no Brasil
A monilíase, doença presente nos países vizinhos, pode ser trazida por transporte humano e apresenta risco elevado de impacto econômico e social para lavouras de cacau
A década de 1960 marcou o avanço de um movimento científico formado por pesquisadores brasileiros e estrangeiros de exploração na Amazônia brasileira. No interior do Pará, Amazonas, Amapá, Acre e Rondônia, um grupo de geneticistas se embrenhou na floresta em busca de plantas originais do fruto de ouro da época: o cacau.
Eram as chamadas expedições botânicas, iniciadas na década de 30, que visavam coletar recursos genéticos das bacias amazônicas para reunir o maior número possível de variedades de espécies de cacaueiros e desenvolver o programa de melhoramento genético da Comissão do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac).
De caráter exploratório, a empreitada científica desbravou por quase três décadas a região de ocorrência natural do cacaueiro, árvore tropical que gera o fruto do cacau, matéria prima do chocolate e outros subprodutos. Cerca de 20% de 186 bacias hidrográficas foram prospectadas.
Na época, o cacau representava uma das riquezas agrícolas por todo o seu potencial nutritivo, socioeconômico e ambiental. O cacau já era produzido em outras regiões do Brasil, como a Bahia e Espírito Santo, onde o fruto se adaptou bem ao bioma da Mata Atlântica.
As expedições foram incentivadas principalmente a partir de 1975, quando foi lançado o Plano de Diretrizes para a Expansão da Cacauicultura Nacional (Procacau), que previa o plantio de 160 mil hectares de cacau na Amazônia. As premissas do Plano levavam em conta a viabilidade econômica e o forte apelo social, ecológico e estratégico da cultura do cacau.
O material coletado nas missões foi levado para uma área da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), no Pará, e na década de 70 foi transferida para uma unidade de Serviços Experimentais da Ceplac, em Belém, cidade posicionada em local estratégico para formar a base física do trabalho científico que se formava em torno da cultura do cacau.
“Foi um trabalho hercúleo da Ceplac para trazer esse material para Belém. Perdemos muitos materiais no caminho, mas conseguimos trazer vários. Trazíamos material repetido para ter uma margem de segurança na sobrevivência das plantas”, relatou Fernando Mendes, chefe do Serviço de Pesquisa da Superintendência da Ceplac no Pará.
Iniciava-se aí a formação do maior banco de germoplasma de cacau do mundo, mantido pelo Centro de Pesquisa da Ceplac. Mais de 53 mil espécies de cacau coletadas ao longo de vários anos são preservadas vivas na Estação de Recursos Genéticos do Cacau José Haroldo, em Marituba, Pará.
“Atualmente, este é o banco de germoplasma que tem maior diversidade de materiais no mundo. O nome banco é muito bem aplicado, porque é onde a gente guarda as fortunas, as riquezas, e o Ministério da Agricultura, através da Ceplac, é o guardião da maior riqueza de germoplasma de cacau no mundo. Muitos países dariam milhões para ter um banco de germoplasma como o nosso”, destacou Mendes.
Entre as 53 mil plantas, cerca de 2,2 mil têm diferentes genótipos, 1,1 mil foram geradas a partir de semente e o restante de forma clonal, a partir de mudas formadas com pedaços de galho.
“São 22 mil plantas da espécie Teobroma Cacao. Isso a genética chama de “diversidade da planta”. Cada uma dessas plantas é diferente geneticamente entre si e tem muito estudo sobre isso”, disse Mendes.
O geneticista Romão Satio Kobayashi explica que a grande diversidade de espécies de cacaueiro ocorre devido à forma de reprodução das plantas. A maior parte dos cacaueiros se reproduz de forma cruzada, por meio de polinização de insetos ou vento. “O cacaueiro precisa cruzar, melhorar a genética para poder sobreviver, porque se ele se ‘autofertilizasse’, teria genes puros e se houvesse ataque de pragas, dizimaria toda a população”, explicou Romão.
Como a semente do cacaueiro só tem viabilidade por 15 dias e dentro do fruto, as plantas do banco de germoplasma não podem ser armazenadas de forma artificial e são mantidas em uma floresta que abriga outras espécies da Amazônia.
Além de servir como abrigo de biodiversidade e potencialidades de pesquisa científica, o banco promoveu uma transformação ambiental na área onde foi implantado. O que antes era um pasto totalmente desmatado, a área de 270 hectares escolhida para abrigar as plantas tem hoje uma floresta com várias espécies nativas da Amazônia e exóticas.
Como forma de segurança do banco de germoplasma, a Ceplac dividiu o material genético em três repetições que estão preservadas em outras unidades da instituição.
“A ideia não é produzir frutos economicamente, comercialmente, mas é manter a planta viva para você tirar pedacinhos dela para estudar e ver se ela é resistente à doença, se é produtiva, que tipo de amêndoas de chocolate produz. É esse estudo que tem que ser feito”, explica Mendes.
As amostras das plantas e frutos colhidos do banco são analisadas no laboratório de caracterização, onde a equipe de geneticistas e técnicos identificam as características das flores, como quantidade de óvulos, ou tamanho das cascas, peso e quantidade das sementes até a polpa do fruto, entre outras informações, como se fosse um mapeamento da “digital” de cada planta.
“As indústrias exigem certas qualidades, os produtores também precisam de certas características, então, para fazer melhoramento genético, é necessário trabalhar a caracterização morfológica quantitativa, qualitativa e a molecular”, explicou Kobayashi.
“Estamos querendo saber, por exemplo, qual é o sabor que você pode ter do chocolate, se floral, terral, frutal, porque o mundo está tendo essa tendência de consumo de chocolates especiais, gourmet. Como o mundo dá valor ao lado nativo da Amazônia, eles querem saber o que nesta semente de cacau amazônica tem que as outras não têm que pode proporcionar chocolates diferentes para a indústria”, completou Mendes.
O pesquisador ressalta que a principal contribuição do banco de germoplasma foi ter permitido a produção de sementes híbridas, que resultam do cruzamento entre as melhores espécies, em termos de produtividade, qualidade do fruto e resistência a pragas e doenças.
As pesquisas sobre as características das plantas do cacau levam em média de 22 a 25 anos. Desde 1988, os pesquisadores desenvolveram 436 sementes híbridas, das quais 20 foram selecionadas como o melhor pacote tecnológico da Ceplac para serem distribuídas aos cacauicultores do Pará e Amazonas.
Com o volume de dados já obtidos das análises do material genético, os pesquisadores também elaboraram um catálogo de descritores e buscam apoio para publicação do material. “Precisamos estudar ainda mais, porque existem muitos segredos neste banco de germoplasma”, afirmou Mendes.
Receba por e-mail as últimas notícias sobre agricultura
Receba por e-mail as últimas notícias sobre agricultura