Brasil é uma potência agroambiental e precisa participar de maneira estratégica da transição energética global

Painel Geopolítica e Governança do 22º Congresso Brasileiro do Agronegócio reuniu especialistas para debater estratégias no primeiro dia de evento

08.08.2023 | 14:19 (UTC -3)
Enio Campoi

O Brasil é uma potência agroambiental e precisa participar de maneira estratégica da transição energética global. Essa foi uma das conclusões do painel Geopolítica e Governança do 22º Congresso Brasileiro do Agronegócio, uma realização da Associação Brasileira do Agronegócio - ABAG, em parceria com a B3 - a bolsa do Brasil, que foi realizado nesta segunda-feira, dia 7 de agosto, e que contou com a participação de mais de 840 participantes no Sheraton WTC Hotel e mais de 4000 internautas que acompanharam a transmissão virtual.

“A transição para a economia verde não tem mais volta, mas, como qualquer mudança nessa magnitude vai haver retrocessos no meio do caminho. Não podemos deixar que isso nos iluda, são apenas freios de arrumação. Transitar para a economia verde é algo complexo, trabalhoso, com algumas medidas são mais drásticas e outras menos”, afirmou Roberto Azevedo (ex-diretor-geral da Organização Mundial do Comércio – OMC).

Em sua avaliação, as políticas ambientais redistribuem um custo na economia e necessariamente encarecem o parque produtivo e, para equalizar a situação com o mercado interno, pode haver um encarecimento do produto importado. Comentou também que não existe investimento no âmbito empresarial de países desenvolvidos que não se leve em conta as emissões de carbono. “Elas próprias se impuseram disciplinas e compromissos no quesito ambiental”, disse Azevedo.

Outro ponto importante trazido pelo Azevedo foi a importância de se ter uma visão integrada sobre essa transição para a economia verde, a fim de o país participar e ajudar na definição do marco regulatório global. “Precisa se entender quais os rumos que o mundo está seguindo para potencializar essa contribuição”, ponderou.

Moderado também por Waack, o painel contou com as análises de Paulo Hartung (presidente-executivo da Indústria Brasileira de Árvores – IBA), que disse haver ameaças e oportunidades para o agro brasileiro. “A maior ameaça ao Brasil é questionar uma realidade que estamos vivendo no mundo. A emergência climática é um desafio que antecede a pandemia. Se olharmos a realidade, vamos montar um plano de voo que vai nos permitir não só enfrentar os desafios, mas há um mundo de oportunidades para o Brasil”.

Segundo Hartung, o Brasil tem uma matriz energética diferenciada em relação ao mundo, com sol e ventos constantes e experiência notável com biomassa em processo de evolução. “Há desafios sim, mas há uma série de oportunidades como terra passível de ser convertida para a produção de alimentos sem derrubar floresta nativa”. A seu ver, há um arranjo novo no mundo que, junto com transição energética e emergência climática, traz desafios para o Brasil. “Precisamos ter um ativismo compatível com o tamanho das potencialidades do país, fazendo com que o mundo nos conheça pelo que somos”.

Para Francisco Turra (ex-ministro da Agricultura e presidente do Conselho Consultivo da Associação Brasileira de Proteína Animal – ABPA), o agro é a força no tabuleiro de xadrez no âmbito da geopolítica. “O mundo deveria olhar para o Brasil, um santuário na seara da produção alimentar. O Brasil vende mal e os atores envolvidos, entre eles o Congresso, precisam participar mais para fomentar os acordos bilaterais com o envolvimento de entidades e poderes e não tarefas individuais. Quando há falha, falhamos todos”, explicou Turra.

Segundo ele, “temos tudo para oferecer melhores imagens de produção de alimento, produção limpa de energia, de combustíveis como o biodiesel. O Brasil precisa mostrar condições incomparáveis, com responsabilidade ambiental e tenho certeza que, mudando narrativas, nos envolvendo mais, discutindo e vendendo mais vamos chegar a algum lugar com acordos multilaterais a condições mais justas”.

Governança e Perspectivas

A governança existe para dar confiabilidade e inovação e está intimamente conectada com a agenda de transparência. Para Grazielle Parenti (head de Business & Sustainability no Brasil e LATAM da Syngenta), focar em governança é dar transparência e visibilidade para construir credibilidade, mostrando o protagonismo do agro e como o setor é estratégico e sustentável. “Os critérios ambientais e sociais deverão ser os padrões do mercado e precisamos falar sobre agricultura tropical para aproximar a conversa do campo com a cidade”, ponderou, durante o painel Governança e Perspectivas do 22º Congresso Brasileiro do Agronegócio.

Nesse sentido, Ricardo Nishimura, presidente do Conselho de Administração da Jacto, destacou a importância da governança para harmonizar e equacionar questões fundamentais para o agro, a fim de criar um propósito de longo prazo e conseguir avançar. “Precisamos trazer esse alinhamento interno para estabelecer métricas e visualizar o que queremos. Inovação, produtividade, sustentabilidade e a rentabilidade do produtor são variáveis que caminham juntas, mas é preciso integrar agendas e falar sobre o Brasil como potência na produção de alimentos e o cuidado que o país tem com o meio ambiente”.

Paulo Sousa, presidente da Cargill, avaliou a urgência de uma visão voltada para investimentos constantes, um marco regulatório claro e previsibilidade em relação ao aprimoramento da infraestrutura. “Temos uma safra recorde, mas isso traz algumas preocupações como a falta de armazenagem e logística que nos mostram necessidades do setor “, reforçou. A seu ver, apesar da importância do setor para alimentar o mundo, o país precisa resolver o tema do desmatamento ilegal, que ferem a imagem do agro nacional em termos ambientais, que podem impor barreiras comerciais. “Temos o Código Florestal há 11 anos, mas ainda falamos em erradicar o desmatamento ilegal em 2030”.

Nishimura acrescentou ainda que é preciso combater ilegalidades, certamente, mas também é necessário avançar em governança de alto nível, como setor e governo. “Somos uma agricultura de milhares de pequenas e médias propriedades, por isso, elevar as boas práticas é fundamental, já que pressão vai aumentar”.

Para Parenti, essa narrativa pode ser alterada também com fatos, que comprovam a produtividade do agro brasileiro, com emissões de baixo carbono e aplicação de práticas regenerativas. Em sua avaliação, o que tem sido feito com o Cadastro Ambiental Rural (CAR) em São Paulo deveria ser feito em todo o país, pois os cadastros avaliados dão transparência e segurança jurídica.

No encerramento do 22º Congresso Brasileiro do Agronegócio, Luiz Carlos Corrêa Carvalho, presidente da ABAG, trouxe um balanço do evento, que retratou na parte da manhã a questão da competitividade, com um debate amplo sobre inovação em mercados e nas cadeias produtivas e, na parte da tarde, focou em governança como ponto fundamental para manter o posicionamento do setor no âmbito global. “O Brasil tem um desenvolvimento da ciência tropical, diferentemente de outros países que adaptaram a ciência temperada e não possuem a mesma competitividade. Precisamos liderar a regulamentação do mercado de carbono, além da produção de alimentos e energia. Por isso, é importante desenhar uma visão com foco nesse objetivo”.

Homenagens ABAG

O Prêmio Ney Bittencourt de Araújo – Personalidade do Agronegócio foi entregue à José Luiz Tejon Megido, jornalista especialista em agronegócio, que recebeu a condecoração de Roberto Rodrigues, presidente da Academia Brasileira de Ciências Agronômicas (ABCA). “A nossa responsabilidade ao receber esse prêmio cresce quando percebemos que as realidades do agro brasileiro são muito maiores que a sua percepção. Se você não conquista corações, não chega ao cérebro. Pode haver as melhores razões científicas e fundamentadas, mas se não tocar o coração das pessoas, não há mensagem transmitida”, afirmou.

O pesquisador da Embrapa Miguel Ivan Lacerda de Oliveira recebeu o Prêmio Norman Borlaug – Sustentabilidade. “Quando ocupamos um cargo público, muitas vezes sacrificamos a nossa vida pessoal. Por trás desse sacrifício está a crença de que vamos fazer a diferença, que estamos construindo para o mundo algo melhor. É uma escolha sobre se doar, quase um ato de fé. A pequena diferença que faço é em conjunto com pessoas que acreditaram em mim e apoiaram”, afirmou. A homenagem foi entregue por Evandro Gussi, presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar – Unica.

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