Artigo: Mamoeiro transgênico resistente a vírus – sua história no Brasil

02.03.2011 | 20:59 (UTC -3)

O mamoeiro é cultivado em todo o território nacional, sendo uma fruta rica em nutrientes e muito apreciada pelos consumidores. O Brasil é o maior produtor mundial de mamão, com elevado consumo interno e exportação para vários países. A cultura é afetada por muitas pragas e doenças, sendo que algumas são limitantes para o seu cultivo. O vírus da mancha anelar (Papaya ringspot virus, PRSV), também conhecido no Brasil como o mosaico do mamoeiro, é um dos principais fatores limitantes para o seu cultivo. Sua ocorrência fez com que a região produtora de mamão no país mudasse de São Paulo para o Espírito Santo, Bahia e outras regiões do Nordeste.

 

A melhor forma de controlar doenças é pelo uso de variedades resistentes. No caso do mosaico buscou-se, sem sucesso, fontes de resistência em parentais do mamoeiro cultivado. Depois, testou-se a produção de plantas pré-imunizadas com estirpes fracas do vírus, ou seja, plantas que foram inoculadas com uma estirpe fraca do vírus visando protegê-la das estirpes fortes, todavia essa estratégia também não foi eficiente.

 

Assim sendo, em 1990, a Embrapa iniciou um projeto conjunto com a Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, visando produzir um mamoeiro transgênico, da variedade Sunrise Solo, resistente a uma estirpe brasileira do vírus. Em 1999, a Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia importou sementes e plântulas do mamoeiro produzido. Quando as sementes e plântulas chegaram ao Brasil, a Embrapa já possuía autorização da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) para a realização de experimentos a campo com o mamoeiro transgênico. Inicialmente as plântulas de mamoeiro transgênico foram cultivadas em Brasília visando a sua multiplicação. Concluída esta etapa, sementes foram enviadas para a Embrapa Mandioca e Fruticultura em Cruz das Almas, na Bahia, em 2001.

 

Nesta mesma época, a Embrapa criou a Rede de Biossegurança (BioSeg), projeto que visava estudar a biossegurança de algodão, batatinha, feijão, mamão e soja transgênicos. Várias unidades da Embrapa participaram deste projeto, além de algumas universidades.

 

Antes que as sementes de mamoeiro transgênico fossem transferidas para Cruz das Almas, iniciou-se no Brasil um grande embate com relação às plantas transgênicas. Foi questionada a legalidade da CTNBio, assim como suas decisões. Nessa época todas as pesquisas e liberações comerciais de transgênicos no Brasil foram paralisadas. Após muitas discussões, considerou-se que vários órgãos do governo deveriam fazer análise quanto às solicitações de pesquisa e plantio de transgênicos, sendo necessária a autorização de cada um deles para o desenvolvimento de qualquer atividade com transgênicos. Também nesta época todas as plantas transgênicas que permitissem o controle de pragas e doenças foram classificadas como defensivos agrícolas. Como o Mapa não conhecia a natureza dessas plantas, elas receberam a classificação de defensivos altamente perigosos, sendo que para trabalhar com elas foram exigidos o uso de vários equipamentos de proteção. Desde então, para se trabalhar com transgênicos era preciso ter o Registro Especial Temporário (RET) do Mapa, a Licença de Operação de Área de Pesquisa (Loap) fornecida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) e vários outros documentos.

 

No início de 2003, como a Embrapa já havia obtido o RET para trabalhar com organismos geneticamente modificados (OGMs) em casa de vegetação e como as sementes de mamoeiro armazenadas estavam ficando velhas e com alto risco de perda total de seu poder germinativo, optou-se por semeá-las em casa de vegetação. Também havia a perspectiva de se conseguir, em pouco tempo, as autorizações para os experimentos de campo. Entretanto, somente em dezembro de 2003 foi autorizado o seu plantio a campo, quando o mamoeiro cultivado em casa de vegetação já estava estiolado e com mais de dois metros de altura. Em função disso, ocorreu uma série de discussões na Embrapa sobre o que fazer: levar esse material para o campo ou realizar uma nova semeadura com as sementes que estavam armazenadas e com baixo poder germinativo? Optou-se em levar para o campo as plantas disponíveis. As plantas, apesar de precisarem ser escoradas para não tombarem, apresentaram uma boa recuperação e permitiram a produção de frutos e a realização das primeiras avaliações.

 

Cumpre destacar que o projeto mamoeiro transgênico, pertencente à Rede de Biossegurança (BioSeg), envolvia várias atividades, tendo sido realizada a coleta de espécies da família Caricaceae em diferentes regiões do Brasil, definiu-se metodologia para avaliar o fluxo gênico entre o mamoeiro GM e o convencional, iniciaram-se experimentos para determinar se o mamoeiro GM tinha algum efeito sobre micorrizas, insetos, fungos e nematóides presentes na cultura, selecionaram-se plantas resistentes ao vírus, foi feita uma avaliação agronômica preliminar das mesmas, foi elaborado um banco de dados da composição de frutos de mamoeiro do grupo Solo no Brasil para avaliar a equivalência substancial dos frutos de mamoeiro GM, foi feita a comparação da anatomia foliar de mamoeiros transgênicos e não transgênicos da cultivar Sunrise Solo e avaliou-se a germinação do pólen do mamão OGM em estudo, em comparação com o mamoeiro convencional. Verificou-se que o gene da capa protéica do vírus da mancha anelar introduzido nos mamoeiros transgênicos não possuía potencial de alergenicidade, bem como foi continuada a caracterização molecular dos mamoeiros transgênicos em estudo. A equipe do projeto também contribuiu para a flexibilização da Lei de Biossegurança em vigor no Brasil, assim como das normas das agências regulamentadoras. Também ministrou palestras, publicou artigos na mídia, além de ter participado de vários debates sobre plantas transgênicas.

 

Após a renovação das sementes disponíveis, com quase dois anos de atraso, iniciou-se as atividades previstas no projeto mamoeiro transgênico, com a implantação de um campo experimental (Figura 5). Neste campo, foi feita a produção de novas sementes e selecionou-se as duas melhores plantas para continuidade do trabalho. Sequencialmente, em 2007, foram instalados dois campos com as melhores plantas, na Bahia e no Ceará. Nesta época, o projeto da Embrapa (BioSeg) já estava sendo finalizado, sendo então apresentada uma nova proposta visando dar continuidade aos trabalhos, a qual foi recusada, haja vista a nova política da Empresa em não continuar a investir em um produto que continha genes marcadores para resistência a antibióticos. Atualmente, para novos produtos transgênicos, recomenda-se que não possuam esses genes, visto que a presença dos mesmos poderia dificultar sua liberação comercial pela CTNBio e demais órgãos regulamentadores. Como consequência, os trabalhos de pesquisa com este mamoeiro foram descontinuados e muitas atividades previstas no projeto foram interrompidas.

 

Cumpre salientar que o desenvolvimento do projeto mamoeiro transgênico foi extremamente importante quanto ao aprendizado relacionado à produção e ao desenvolvimento de uma planta OGM, notadamente na maturação da equipe envolvida com as atividades de pesquisa com transgenia, o que deverá ser refletido na produção de um novo mamoeiro resistente a vírus, iniciado pela Embrapa em 2009, com a utilização de outras estratégias. Este novo mamoeiro vai ser produzido para ter resistência ao vírus da mancha anelar, da meleira e do amarelo letal.

 

Paulo Ernesto Meissner Filho

Alberto Duarte Vilarinhos

Jorge Luiz Loyola Dantas

Pesquisadores da Embrapa Mandioca e Fruticultura

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