Artigo - Consumo que gera desemprego

24.05.2009 | 20:59 (UTC -3)

Uma das maiores redes européias comemora a inauguração da primeira loja que suprime as funções de caixa de supermercados, utilizando o controvertido sistema self-scanning, pelo qual o próprio consumidor passa as mercadorias em um leitor de código de barras e, ao final, efetua o pagamento com cartão bancário enquanto empacota suas compras.

Como já ocorre nos postos de combustível em que os consumidores fazem todo o trabalho, desde abastecer e limpar vidros até a manipulação de complexas máquinas para lavar os veículos, realizando o pagamento em terminais instalados nas bombas, outros setores da economia substituem a mão-de-obra de empregados pelo trabalho dos próprios consumidores. Em algumas redes de varejo de eletrônicos, o contato dos consumidores com funcionários somente ocorre depois de enfrentar longas filas para pagar a conta ou para retirar o produto adquirido, pois se espera que o consumidor saiba o que deseja comprar, consultando previamente catálogos na internet. Mesmo nas empresas de menor porte, como tendência, desaparece a figura do vendedor, que conhecendo os produtos, aconselha o consumidor de acordo com suas necessidades. Depois de estudar as opções disponíveis, o consumidor realiza a compra de forma autônoma, sem interferência humana, com menos custos para o comércio, atividade preponderante para o emprego da juventude, em que as taxas superam os 18% de desemprego segundo dados da União Européia.

O quadro de desemprego, agravado pela crise econômica, segundo especialistas, decorre basicamente da política de deslocalização empresarial, eufemismo utilizado para descrever a transferências de plantas industriais da Europa para países com custo de mão-de-obra mais barato, e da substituição progressiva de postos de trabalho por soluções tecnológicas em nome da eficiência. Para fazer frente ao desemprego, diversas medidas governamentais visando fomentar o compartilhamento dos empregos escassos foram implementadas mediante mecanismos de contratação a título precário ou a tempo parcial, com salários mais baixos. Tais medidas, apesar de propiciarem aumento na produtividade das empresas, terminaram por reduzir o poder de compra da população européia, ensejando nova precarização para se permitir a prestação de horas extras e agravando o problema do desemprego por inibir novas contratações.

Os franceses, tão ativos quando se trata de movimentos em face do poder político, como atestam as recentes manifestações de rua decorrentes da crise econômica exigindo novas políticas públicas, contraditoriamente silenciam em face do poder empresarial que suprime empregos, realizando como consumidores o trabalho dos que foram demitidos em nome da eficiência. Os consumidores, involuntariamente, contribuem para o aumento do desemprego sem perceber que a autonomia do faça-você-mesmo é apenas aparente e que seu trabalho não remunerado tem impacto nulo no preço final dos produtos adquiridos.

Wilson Ramos Filho

Doutor e professor de Direito do Trabalho da Univerisdade Federal do Paraná (UFPR) e da UniBrasil. Atualmente, cursa pós-doutorado na École de Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris

Fonte: ENFOQUE Comunicação & Eventos - 41-3352-2099

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